O problema começou da forma mais natural possível numa escola: com uma aluna com dúvidas que as esclarece com a diretora de turma.
A situação aconteceu no ano letivo passado de 2023/2024 e levou oito alunas a faltarem aos exames de Geometria Descritiva e História da Cultura e das Artes no seu 11.º ano - convencidas de que o podiam fazer sem qualquer prejuízo.
A troca de mensagens, segundo o jornal Público, aconteceu entre uma aluna da Escola Secundária de Ponte de Lima, a Ana (nome fictício), e a sua diretora de turma.
“Olá, professora, boa tarde. Estou com uma dúvida em relação aos exames”, terá escrito a aluna à diretora de turma. “Se eu preenchi ‘sim’ para aprovação na disciplina de Geometria Descritiva e se achar que não preciso mais de fazer o exame, porque não vai ser necessário como prova de ingresso, eu posso faltar?”, questionou no dia anterior à data do exame em questão.
“Olá, Ana! Se não necessita do exame para ingresso e tem positiva, mantém a classificação”, terá respondido a professora, numa troca de mensagens através do Microsoft Teams.
Dúvida esclarecida, mas com a informação errada. Na verdade, e segundo a resposta do Júri Nacional de Exames (JNE) a uma das alunas, o facto de as estudantes terem assinalado a opção ‘sim’ para que as provas contassem para "efeitos de classificação final da disciplina e para prova de ingresso" faz com que a falta ao exame leve ao chumbo automático à disciplina.
Quatro acabaram por faltar a Geometria Descritiva e outras quatro a História da Cultura e das Artes por não se sentirem “preparadas” para mais um exame, para além das provas necessárias para ingressarem na universidade.
Alunas só souberam da reprovação cerca de seis meses depois
E quando saíram as notas, “interpretaram a indicação de ‘faltou’” como “algo meramente descritivo das suas ausências no exame”, contou Mariana Velho, familiar de uma das jovens e porta-voz dos encarregados de educação, ao Público.
Foi só no início de fevereiro do ano seguinte, no segundo período do ano letivo, já no 12.º ano e com os exames nacionais de Português e Desenho à porta, que as alunas foram informadas pela secretaria da escola de que estavam reprovadas.
“Esta comunicação gerou uma reação de indignação e revolta, tanto nas alunas como nos encarregados de educação”, relatou Mariana Velho. “Estamos a falar de alunas que, por diversas vezes, questionaram a possibilidade de faltar ao exame - tendo sido sempre informadas, de forma inequívoca, de que tal não traria prejuízo na sua avaliação”, argumentou a representante.
Escola contatou JNE - mas terá omitido mensagens
Mesmo assim, a escola decidiu contatar o JNE para tentar resolver a situação - mas no documento que enviou não terá mencionado que a diretora de turma forneceu informação incorreta às alunas.
Aliás, ao JNE, a docente disse que “não foram transmitidas informações contraditórias às alunas”. “Toda a informação relevante foi devidamente comunicada em contexto de sala de aula, de forma clara e coerente. Adicionalmente, todos os documentos (internos e externos) foram disponibilizados atempadamente na plataforma Microsoft Teams, garantindo o acesso equitativo e contínuo por parte de toda a turma”, afirmou a diretora de turma, num documento de resposta que o JNE enviou a uma das alunas prejudicadas.
A própria diretora do Agrupamento de Escolas de Ponte de Lima, Madalena Macedo, defendeu que “toda a informação respeitante à avaliação externa dos alunos se encontra divulgada na página eletrónica do agrupamento”, lê-se na mesma resposta da entidade.
Esta defesa, apesar de compreendida pelos encarregados de educação das alunas, não é aceite como justificação para a reprovação das jovens. E a representante dos mesmos contrapõem ainda que “nem todos têm facilidade no acesso à informação digital, nem a literacia necessária para navegar em processos burocráticos complexos.” Mariana Velho explicou que “muitos pais, com níveis de escolaridade baixos, tentam apoiar os filhos da melhor forma possível e confiam, legitimamente, na informação dada pelos professores”.
Devido às alegações da escola, o JNE decidiu manter a reprovação das jovens.
"O próprio JNE referiu", mais tarde, que "não teve acesso às mensagens trocadas" e que "não foi informado" da existência das mensagens, “pelo que não poderia ter decidido de outra forma”, afirmou Mariana Velho.
Para os encarregados de educação, a decisão do JNE, “baseou-se exclusivamente na exposição unilateral feita pela escola, assumindo como verdadeiras as suas declarações, e desconsiderando qualquer erro de informação”. E alegam ainda que foram omitidos “factos relevantes, como a troca de mensagens entre uma aluna e a diretora de turma, onde foi claramente prestada informação incorreta”.
Pais queixam-se de falta de apoio da escola e apresentam queixa
Já a escola defende "de forma categórica e de um modo parcial, que toda a informação foi transmitida corretamente", informou Mariana Velho, que se queixa do apoio “praticamente inexistente” da instituição de ensino ao longo do processo.
“As poucas ações tomadas pareceram mais uma obrigação do que um verdadeiro compromisso com a resolução do problema. Em nenhum momento se demonstrou vontade real de apurar responsabilidades - pelo contrário, a tendência foi sempre a de transferir o ónus da situação para as alunas e para os respectivos encarregados de educação”, contou a representante.
Das oito alunas que faltaram aos exames, apenas as que estiveram ausentes da prova de História da Cultura e das Artes conseguiram ter nota positiva no exame este ano - e, assim, ficando aprovadas à cadeira e ao 12.º ano, aptas para ingressar no ensino superior.
As outras quatro estudantes que faltaram a Geometria Descritiva não conseguiram a positiva em nenhuma das fases do exame e estão, por isso, chumbadas à disciplina e retidas no 12.º ano, sem solução à vista. Se a situação se mantiver com os mesmos contornos a sua única hipótese será ficar mais um ano no secundário para completar a disciplina em falta.
As famílias das jovens já apresentaram queixa ao Ministério da Educação, Ciência e Inovação contra a Escola Secundária de Ponte de Lima e contra a direita de turma das alunas “por negligência funcional, má conduta profissional e omissão de informação prejudicial a alunos”. Pediram ainda a “abertura de um processo de averiguações urgente” à Inspeção-Geral da Educação.
O Notícias ao Minuto já contatou a tutela, a Inspeção Geral da Educação, o Júri Nacional de Exames e a própria escola. Até ao momento, nenhuma das entidades respondeu.
A diretora de turma era "instável"
Uma fonte próxima das alunas, que preferiu não ser identificada, contou ao Notícias ao Minuto que a diretora de turma em causa, que dava aulas de Filosofia, era "instável", no sentido em que faltava muito às aulas e estava, recorrentemente, de baixa. E mesmo quando dava aulas a professora não seria muito "certa".
Terá sido durante uma dessas aulas que a docente afirmou perante toda a turma de 11.º ano, a que pertenciam estas alunas, que os estudantes podiam, efetivamente, faltar aos exames sem serem prejudicados de qualquer forma.
Quem decidiu, por isso, faltar às provas, tê-lo-á feito com base nas afirmações da diretora de turma em esclarecimentos sobre os exames durante as aulas.
No ano seguinte (ou seja, no 12.º ano das alunas lesadas) a professora nem sequer estaria na escola a dar aulas, ou estaria, pelo menos, com um horário reduzido - e já não dava aulas às jovens que faltaram aos exames.
A fonte relatou, ainda, ao Notícias ao Minuto uma visita "de Lisboa" (que acredita ter sido do JNE) à escola para averiguar a situação, entre o segundo e o terceiro período escolares, mas que não terá resultado em qualquer solução para as estudantes prejudicadas.
Quanto às mensagens, a mesma fonte disse só ter tido conhecimento delas com as notícias recentes, e que, na altura não havia sequer rumores de que tivesse acontecido esta troca entre a diretora de turma e a aluna.
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