"Durante anos, a UE acreditou que a sua dimensão económica, com 450 milhões de consumidores, lhe conferia poder geopolítico nas relações comerciais internacionais. Este ano será recordado como o ano em que essa perceção se evaporou", referiu Mário Draghi no fórum "Encontro para a Amizade entre os Povos", em Rimini, no norte de Itália.
O economista e antigo primeiro-ministro italiano Mário Draghi lamentou que a UE "tenha tido de se resignar às tarifas impostas pelo seu principal e mais antigo aliado", os Estados Unidos.
O ex-presidente sublinhou que a UE foi "pressionada" para aumentar as despesas militares para a sua defesa e que teve um papel de pouca importância nas negociações de paz para a guerra na Ucrânia, que começou em 2022.
"Apesar de ter dado o maior contributo financeiro para a guerra na Ucrânia e de ter um interesse crucial numa paz justa, a União Europeia tem desempenhado até agora um papel limitado nas negociações de paz", indicou Mário Draghi.
O economista alertou ainda que a China "apoiou abertamente o esforço de guerra da Rússia" na invasão do território ucraniano e "expandiu a sua capacidade industrial" para "recuperar o excesso de produção na Europa", sobretudo agora que o mercado norte-americano está "limitado" pelas tarifas de Donald Trump.
"A Europa também foi espetadora quando as instalações nucleares iranianas foram bombardeadas e quando o massacre em Gaza se intensificou", denunciou Mário Draghi.
O ex-presidente do BCE disse que a "dimensão económica" da UE não garantirá "por si só" a força geopolítica, alertando para o crescente ceticismo entre os cidadãos.
"Não é surpreendente que o ceticismo em relação à Europa tenha atingido novos picos. Mas é importante considerar as razões para tal", referiu Mário Draghi.
O economista apontou que os europeus não duvidam dos valores em que a UE foi fundada, como a democracia, a paz, a liberdade ou a independência, sublinhando que o crescente ceticismo europeu decorre da alegada incapacidade da UE em protegê-los firmemente.
Para Mário Draghi, os modelos de organização política, sobretudo os supranacionais, surgem para resolver os problemas da atualidade, mas, quando mudam, é necessário evoluir.
"Quando estes (os modelos) mudam tanto ao ponto de tornar a organização preexistente frágil e vulnerável, esta precisa de evoluir", referiu o economista.
O ex-presidente do BCE indicou que a UE foi criada após a Segunda Guerra Mundial porque, na primeira metade do século XX, os modelos de organização política, o Estado-nação, em muitos países, "falharam completamente no seu dever de defender os seus valores".
"A União Europeia representou uma evolução que respondeu ao problema mais urgente da época, a tendência da Europa para cair para o conflito. E é insustentável argumentar que estaríamos melhor sem ela", concluiu.
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