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'A orgia do poder': E quando a "bolha" de Jorge Mendes rebentar?

O Desporto ao Minuto entrevistou Pippo Russo, o autor do livro 'A orgia do poder', que explica por que considera Jorge Mendes "o patrão do futebol mundial". E também por que é que isso não é bom para a modalidade.

'A orgia do poder': E quando a "bolha" de Jorge Mendes rebentar?
Notícias ao Minuto

07:34 - 30/06/17 por Carlos Pereira Fernandes

Desporto Pippo Russo

"Atira um número ao acaso, pá, atira um número: adivinha o que demos por um coxo que nem para as reservas serve". A citação é do livro “A morte de Carlos Gardel”, escrito por António Lobo Antunes, mas é também a primeira que o leitor encontra quando abre 'A orgia do poder', obra do jornalista e professor italiano Pippo Russo, sobre Jorge Mendes.

A publicação, que se refere ao ‘super-agente’ como “o patrão do futebol mundial”, está à venda em Portugal desde 7 de junho e, nas palavras do autor, procura “entender como um homem vindo do nada, um completo outsider dentro de um mundo como o do futebol e de uma sociedade como a portuguesa, caraterizada por estruturas férreas e ultraconservadoras em termos de transmissão do poder, conseguiu chegar ao topo”.

Nele, Pippo Russo questiona as “estupendas façanhas” de Jorge Mendes, cujos métodos, “por preguiça ou por cálculo”, nunca (até agora) foram questionados. “Porquê?”, foi a pergunta que o Desporto ao Minuto começou por fazer. 

Notícias ao MinutoJorge Mendes ainda é representado como um herói nacional. Mas o tempo desta representação está a esgotar-se

No seu livro, questiona a forma como Jorge Mendes é visto em Portugal. É assim tão desfasada da realidade?

Penso que existe uma desconexão na forma como Jorge Mendes é representado pela comunicação social portuguesa. É o enquadramento oficial de Jorge Mendes. Existe uma magnificação ao descrevê-lo como um super-herói. Mas, se olharmos para o que é dito de Jorge Mendes nas redes sociais, encontro um enquadramento totalmente diferente, não tão positivo. É por isso que o meu livro está a ser bem recebido pelo público em Portugal. Jorge Mendes é uma personagem polémica, mais do que aquilo que é apresentado na comunicação social oficial portuguesa.

O facto de vários dos jogadores que representa estarem a ser investigados em Espanha por alegada fraude fiscal colocam essa representação em causa?

A médio e longo-prazo, penso que sim. Neste momento, ainda não. Jorge Mendes esteve em Espanha a testemunhar em Tribunal e o enquadramento oficial da comunicação social portuguesa foi o de que rejeitou todas as acusações. Se lermos a imprensa espanhola, diz-se que Jorge Mendes responsabilizou os jogadores. É completamente diferente. Mendes não se limitou a rejeitar as acusações, acusou os seus jogadores. Isto pode ser a premissa do fim da solidariedade no 'sistema Jorge Mendes'. Em Portugal, apenas se diz que foi inquirido. O que é que isto significa? Isto não é notícia. É uma demonstração daquilo que defino como uma bolha narrativa. Jorge Mendes ainda é relatado de forma positiva. Ainda é protegido. Não sei quanto tempo durará esta proteção.

Encontra explicação para esta “proteção”?

Jorge Mendes tem muita atenção à imagem e à representação pública. Penso que, no geral, a comunicação social portuguesa tem tendência para proteger os seus campeões nacionais, como Jorge Mendes ou Cristiano Ronaldo. Essas pessoas são uma razão de orgulho nacional para um país pequeno como Portugal. Sublinho que não considero esta atitude negativa. Mas penso que o importante é não exagerar nesta narrativa. Neste momento, Jorge Mendes ainda é representado como um herói nacional. Mas o tempo desta representação está a esgotar-se.

E em Itália, como é visto Jorge Mendes?

Como um super-agente capaz, mas com o nível adequado de polémica. É visto como todos os outros super-agentes, como Mino Raiola, Pini Zahavi, Kia Joorabchian... São vistos como homens de negócios que representam interesses privados através do futebol. Não são vistos como heróis, como Jorge Mendes é representado em Portugal.

Fala de Jorge Mendes, mas, em Itália, Mino Raiola também vai dando muito que falar...

O caso de Mino Raiola é muito peculiar. Em geral, todos os super-agentes, como Jorge Mendes, tentam não fazer guerra uns contra os outros. Procuram sempre um campo comum para os seus interesses. Mino Raiola é totalmente individualista. É como um pirata, não tem medo de ir à luta contra atores como Jorge Mendes, nem de ser atacado. Mino Raiola é, para mim, um mistério. Será objeto de estudo num futuro trabalho meu.

A ascensão de Mino Raiola é tão ‘misteriosa’ quanto a de Jorge Mendes?

Não acredito em histórias de 'self-made mens'. Não sabemos nada quanto às origens de Mino Raiola, nem quanto ao dinheiro que ajudou à descolagem de Mino Raiola. Da mesma maneira que não sabemos nada da origem de Jorge Mendes. Sabemos que começou como gerente de discotecas, que o seu primeiro cliente foi Nuno Espírito Santo... Mas é difícil reconstruir as razões e as passagens que permitiram a Jorge Mendes, em tão curto espaço de tempo, tornar-se no homem mais poderoso do futebol global. Há peças que faltam no puzzle, tal como no caso de Mino Raiola.

Notícias ao MinutoQuando a bolha explodir e chegar o tempo em que Jorge Mendes não for Jorge Mendes, o futebol português terá grandes dificuldades

O que significa ser “o patrão do futebol mundial”?

É o homem mais poderoso do futebol, porque é o homem que negociou as mais altas transferências da história do futebol. E muitas dessas negociações foram com jogadores que não valem o dinheiro investido. Falo de Mangala, Otamendi, Gonçalo Guedes... Isto não seria possível sem um grande poder de influência. Na minha opinião, Jorge Mendes é um ponto de encontro de vários interesses no futebol global, como a finança ou a política.

É também um grande negociante de relações de poder. A mais recente demonstração foi o papel que teve na compra do Wolverhampton por um grupo chinês que também poderá comprar o Rio Ave. Isto é, na minha opinião, uma demonstração de que Jorge Mendes está num nível muito elevado de poder, em que o futebol é usado para construir relações de alto nível na política e na finança.

Os benefícios da relação com Jorge Mendes são óbvios para os chamados ‘clubes pequenos’. E para os clubes grandes?

Jorge Mendes representa atores muito poderosos, não só do futebol, como da economia e da política. Quando Renato Sanches foi vendido para o Bayern Munique, alguém do mundo do futebol português disse-me: se um clube poderoso como o Bayern fez este negócio, era porque precisava de Jorge Mendes relativamente a uma Superliga europeia. Ou seja, o capital de relações de Jorge Mendes poderia ser precioso para chegar lá.

A imagem que passa é de que, com Jorge Mendes, qualquer jogador chega mais longe. É assim na realidade?

Jorge Mendes tornou-se uma espécie de ‘gatekeeper’ para as oportunidades dos jogadores portugueses irem para as melhores Ligas europeias e conseguirem melhores contratos. Mas também há a forma como a comunicação social representa isto de forma acrítica. Existe uma bolha narrativa. Jorge Mendes é representado como o homem que tem as melhores cartas na mão, as melhores relações com os maiores clubes europeus. Isto é representado de forma positiva, mas, para mim, enquanto analista, é prova de distorção da liberdade do mercado e da concorrência.

O único fator regulatório deveria ser a capacidade de cada jogador, não quem o representa. Para mim, é surpreendente que a comunicação social portuguesa transforme em normal algo que considero anormal. Uma situação em que as oportunidades de um jogador dependem do seu agente, é uma situação distorcida.

No seu livro, fala da importância do agente na vida de vários clubes portugueses, como Benfica, Sporting de Braga ou Rio Ave. Em certa parte, isso não representaria uma distorção da competição?

Não se pode dizer que existe uma real distorção da competição, mas certamente não é algo sólido. Assim como não o é que vários jogadores andem no mesmo circuito. Passam por Benfica, Rio Ave, Sporting de Braga, talvez Paços de Ferreira, Atlético de Madrid, Mónaco... Andam às voltas, às voltas e voltam ao mesmo ponto. Não me parece sólido. Talvez outras pessoas pensem de maneira diferente, mas esse circuito fechado não me parece saudável para o futebol.

Se a influência é tanta, pode dizer-se que, se Jorge Mendes, cai o futebol português cai com ele?

Penso que não. Penso que o discurso tem de ser feito a outro nível. Para mim, o futebol português é excelente sem depender de Jorge Mendes. Em 1966 não havia Jorge Mendes. O nível de discurso que temos de ter é o da sobrevalorização do futebol português. Portugal exportou alguns jogadores de elevado nível. Cristiano Ronaldo é o exemplo mais glamoroso, mas há outros. A verdade é que o nível geral do futebol português não é esse. O futebol português é mais pequeno, com clubes pequenos, de cidades pequenas... Na minha opinião, neste período histórico, o futebol português está sobrevalorizado financeiramente, vive numa bolha especulativa. Quando a bolha explodir e quando chegar o tempo em que Jorge Mendes não for Jorge Mendes, o futebol português terá grandes dificuldades. É este o risco do futebol português.

Como descreveria Jorge Mendes a alguém que não o conheça?

Como um negociador de poder através do futebol. Hoje em dia, o futebol é uma ferramenta de poder económico, político e comunicacional. É por isso que atores tão poderosos o procuram. É o caso da Fosun, um grande grupo económico chinês, mas que, para entrar no mundo do futebol, procurou Jorge Mendes. Porquê? Porque Jorge Mendes é um negociador de poder. Não sei durante quanto tempo o continuará a ser, mas, neste momento, é o principal nesse aspeto.

Notícias ao Minuto

Gerir futebol em Portugal é muito difícil sem ter uma relação com Jorge Mendes

Se Cristiano Ronaldo é o melhor jogador do mundo e José Mourinho já foi considerado melhor treinador do mundo, pode dizer-se que Jorge Mendes é o melhor empresário do mundo?

Certamente é o mais poderoso. Não tenho problemas em reconhecer a sua capacidade em gerir o seu papel. Mas dizer que é o mais capaz agente do mundo é ter uma atitude positiva em relação a Jorge Mendes. E não consigo ter uma atitude positiva para com Jorge Mendes [risos]. Certamente será o mais capaz. Ninguém chegaria ao ponto onde chegou se não fosse capaz. No seu campo, é um génio, mas não consigo ter uma visão positiva.

Em Portugal, o Sporting chegou a estar de relações cortadas com Jorge Mendes, mas já voltou a negociar com ele. É sinal de que, na Liga portuguesa, é impossível ter sucesso sem ele?

Bruno de Carvalho rompeu relações com os fundos de investimento e com Jorge Mendes. Recentemente, soube-se que existem negociações para trazer Fábio Coentrão. Não sei se será um caso único ou o início de uma nova relação. No geral, gerir futebol em Portugal é muito difícil sem ter uma relação com Jorge Mendes. Claro que preferia uma situação em que Bruno de Carvalho não tivesse nada a ver com Jorge Mendes, mas percebo que gerir futebol a alto nível sem este tipo de relações é quase impossível.

No FC Porto, sucedeu o mesmo, mas as relações reataram-se com a chegada de Nuno Espírito Santo...

O despedimento de Nuno Espírito Santo mostrou que esta relação já falhou. Não me parece que Jorge Mendes possa ser uma boa aposta para os clubes. Talvez vendam jogadores em boas condições, mas é preciso comprar outros jogadores ligados a Jorge Mendes. Além disso, quanto dinheiro que vem dessas vendas vai para outras direções? Por exemplo, quanto dos 40 milhões de euros da venda de Ederson vai para o Benfica? Talvez metade? Talvez algo mais? Não sabemos. O Benfica trouxe Krovinovic e Filipe Augusto do Rio Ave, vai comprar o André Moreira, vai recuperar o Danilo... Esta é uma circulação bizarra de dinheiro e não sabemos qual a conveniência para o Benfica.

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