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Vozes ao Minuto: "Se fosse uma política corrupta ganhava 120 vezes mais... mas sou frugal"

Vozes ao Minuto: Maria Filomena Mónica é a entrevistada de hoje do Vozes ao Minuto.

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© Global Imagens

Pedro Filipe Pina
08/08/2018 08:55 ‧ 08/08/2018 por Pedro Filipe Pina

País

M. Filomena Mónica

Há humor e provocação. Há honestidade e aquele à vontade que o tempo por vezes nos traz para falar do passado. 

Maria Filomena Mónica, socióloga, continua a sua luta contra um mieloma múltiplo, um tipo de cancro raro que se 'esconde' no sangue. 

Apesar dos tempos em que a quimioterapia fez sentir a sua violência, apesar das novas dificuldades, a autora continuou a escrever.

'Os Ricos' (Esfera dos Livros) sucede a 'Os Pobres' e dá-nos um olhar sobre algumas das grandes fortunas dos últimos dois séculos de Portugal. Mais do que um retrato sobre os ricos e a sua riqueza, é um olhar sobre como fortuna e política se confundem, mas também sobre a evolução de uma certa aristocracia, numa leitura em que o olhar académico e pessoal seguem juntos.

O cancro, esse, ainda cá está. Esta é uma doença peculiar, em que sabemos quem é a besta por matar mas são os tratamentos que muitas vezes exigem mais.

No caso de Maria Filomena Mónica, o tempo tem sido de alguma reclusão. É uma questão de proteção, enquanto as defesas imunitárias estão em baixo, o que também ajuda a justificar a razão pela qual estas perguntas seguiram e foram devolvidas por e-mail.

A escrita, essa, continua por cá. O próximo livro há-de chegar. "Caso contrário, entro em depressão", diz-nos Maria Filomena Mónica, que realça que "depois de uma adolescência tumultuosa e de dois casamentos que terminaram mal", se sente bem nesta particular "clausura".

Os Ricos’ sucede a ‘Os Pobres’. Estamos em espectros opostos da escala social. Em ‘Os Pobres’ dizia que “o cenário era tão triste como dantes” quando visitou o bairro onde despertara para a questão da pobreza ainda jovem. Olhando para a Cascais (figurativa e literal) onde cresceu e a que vê hoje, ainda encontra os mesmos círculos sociais fechados e a mesma distância em relação à pobreza?

Há muitos anos que não vou a Cascais, o que é ridículo, dado ficar a uns meros 20 ou 30 quilómetros de minha casa, mas desabituei-me de andar a passear por aquelas bandas (ou, na realidade, por outras). Socialmente, algumas coisas mudaram. O Clube que era designado como a ‘Parada’ desapareceu - é hoje o Museu do Mar - e o conjunto de casas onde, durante o Verão, ficavam albergadas algumas das famílias aristocráticas, a Gandarinha, é hoje um condomínio de luxo. Aquele círculo social abriu-se um pouco: mais fechado do que era nos anos 1950 era impossível.

Quanto à visão da pobreza, haverá talvez – eu gostava de acreditar – quem sinta mais compaixão perante os destituídos, mas sei que muitas das pessoas de que falo no início do livro não se preocupam com a questão.

Na introdução ao livro descreve-se como "híbrida social". Trouxe-lhe problemas esta procura de olhar o mundo de onde vinha 'de fora'?

Não. Enquanto, na adolescência, ia a mil festas e sentia-me bem e, agora, tendo em conta a minha formação ser em Sociologia, foi-me fácil olhar os meus amigos de Cascais com um olhar, tanto quando possível, neutro. 

Não tenho medo de declarar perante o mundo quanto ganho, o que a maioria dos portugueses receiaDiz também a dada altura no livro que, como ganha cinco vezes o salário mínimo, é rica. É provocação ou definição de riqueza?

É uma provocação. Destina-se tão só a mostrar que não tenho medo de declarar perante o mundo quanto ganho, o que a maioria dos portugueses receia. Sei que, caso tivesse nascido na Suíça, com as minhas habilitações, ganharia 12 vezes mais, mas também sei que, caso tivesse optado por ser uma política corrupta aqui… essa soma ascenderia a 120 ou 1.200 vezes o que aufiro. Mas sou uma pessoa frugal.

No livro aborda algumas figuras centrais de grandes fortunas do país. Os Espírito Santo, porém, ficaram de fora. Foi por alguma razão em particular?

Como declaro no livro, optei por não falar dos banqueiros, por não entender os mecanismos da banca. Não foi por medo de falar deles: conheço alguns Espírito Santo, mas isso não me teria impedido de os mencionar. Talvez por ser mais novo do que eu, o meu caminho nunca se cruzou com o do Ricardo Salgado, cuja pose na Comissão de Inquérito no Parlamento me irritou.

Diz ainda que “para evitar maçadas”, optou por “apenas escrever sobre pessoas que já não estavam vivas”.

A publicação do meu ‘Bilhete de Identidade’ – e note que o redigi em Inglaterra, onde livros deste tipo se publicam todos os dias – causou-me maçadas familiares e perdi alguns amigos.

Se fosse hoje não o teria publicado?

Mesmo sabendo isto, tê-lo-ia publicado à mesma. No caso de ‘Os Ricos’, falar dos vivos teria implicado fazer entrevistas e, tendo em conta o meu atual estado de saúde, isso não era aconselhável.

Diz-se de Esquerda mas que muitas pessoas acham que é de Direita. Estas definições (Esquerda/Direita) são estanques ou continuam a ser úteis?

Têm hoje menos relevância do que à data do seu nascimento, durante a Revolução Francesa.

Considero-me uma liberal. Interessa-me viver numa sociedade mais igualitária e sobretudo aberta. Quero pensar e escrever o que me apetece O mundo mudou muito?

As sociedades mudaram: hoje, a classe média é infinitamente maior e os ‘descamisados’, que estão na base da pirâmide social, são em número mais reduzido. O que não quer dizer que não existam tremendas desigualdades sociais, até em países ricos, como os EUA. Considero-me uma liberal, no sentido clássico do termo. Os meus heróis são Adam Smith, Stuart Mill e Benjamin Constant. Interessa-me viver numa sociedade mais igualitária e sobretudo numa sociedade aberta. Quero pensar e escrever o que me apetece. Note que nasci sob um regime em que existia a Censura e uma Concordata assinada entre Portugal e Santa Sé. Isto, nunca mais.

O regime de Salazar acaba por inevitavelmente acompanhar a evolução de algumas das grandes fortunas focadas em ‘Os Ricos’. A sensação que me deu enquanto leitor é que a relação da maioria dos donos de grandes fortunas com a ditadura nem sempre foi ideológica, mas foi bastante pragmática. Aceitavam porque era útil. Foi esta a relação que se verificou?

A relação entre Salazar e os grandes empresários teve o seu quê de ideológico (estavam fartos da balbúrdia da República) e de pragmático. Por os seus produtos não serem geralmente capazes de competir com os que vinham do estrangeiro, desejavam uma barreira alfandegaria à entrada destes, o que conseguiram. Como conseguiram o chamado condicionamento industrial, que protegia da concorrência interna os que já estavam instalados no terreno.

Em ‘Os Pobres’ explicava que foi em adolescente, no colégio de freiras, que descobriu pela primeira vez a pobreza ao visitar um bairro de lata. Em ‘Os Ricos’ realça que por cá continua a faltar a tendência para a filantropia. Estes dois mundos muito distantes resultam de uma questão de desconhecimento mútuo ou de falta de empatia?

Trata-se de falta de empatia. E também do facto de o Catolicismo preferir a caridade ao legado de fundações que não controle.

Cronologicamente, ‘Os Ricos’ leva-nos de 1820 até ao presente, acompanhando a mutação da antiga aristocracia. Hoje em dia, ainda se fazem sentir os mesmos costumes e preocupações com o status (por exemplo, com casamentos 'escolhidos a dedo') ou as mudanças sociais mais claras, com as gerações mais novas. 

Há algumas mudanças. Conheço descendentes de antigas famílias aristocráticas que se casaram com meninas ou meninos de classes socialmente inferiores.

Mas, no século XXI, mal fora que tudo continuasse igual ao século XIX. 

Destaca Champalimaud como um exemplo de filantropia – mas também uma exceção em Portugal. É de esperar que continue a ser uma excepção (ao ter deixado a fortuna à Fundação nos moldes em que o fez)?

Gostaria de pensar que Champalimaud tivesse conseguido incutir nos actuais ricos o mérito de legarem, após a morte, uma parte das suas fortunas para obras beneméritas. Mas não vejo, por ora, indícios disso.

Depois de uma adolescência tumultuosa e de dois casamentos que terminaram mal, sinto-me bem em clausura"O corpo protestou, mas foi isso que me ajudou a terminar este livro". A frase é sua, na despedida do livro. Já falou publicamente do seu cancro, explicando que chegou a pensar se valia a pena escrever. Já está a trabalhar em novo livro?

Não, ainda estou a meditar sobre o que fazer a seguir, mas sei que não posso demorar muito tempo. Caso contrário, entro em depressão.

Escrever é também uma forma de combater o cancro? Tem escrito e publicado mais desde que soube do diagnóstico?

Curiosamente, sim, até porque estou proibida de estar em espaços fechados com outras pessoas (porque deixei de ter proteção imunitária, ou seja, qualquer individuo que, mesmo sem o saber, seja portador de uma bactéria, me pode infectar). Depois de uma adolescência tumultuosa e de dois casamentos que terminaram mal, sinto-me bem em clausura.

Exceto nos meses da quimioterapia, quando esta era mais violenta, consegui voltar a ler, a ouvir musica e a escrever.

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