Quando em março o Governo caiu e o país mergulhou numa crise política, o Almirante Henrique Gouveia e Melo 'desvalorizou' o tema das eleições presidenciais e pediu ao país para que se fixasse "num futuro imediato". No entanto, acabou por decidir anunciar a candidatura, até então nunca confirmada e envolta em "tabu", em plena campanha eleitoral.
Numa entrevista à Rádio Renascença, justificou que o tempo para o anúncio começa a ser "curto", dado que "precisa de enviar convites", e dissipou as poucas dúvidas que ainda existiam à volta do avanço para Belém.
"A minha decisão é avançar com a candidatura à Presidência da República. Ela será anunciada formalmente no dia 29 de maio. Não, não há dúvidas. Vou ser mesmo candidato", reforçou Gouveia e Melo.
A candidatura será apresentada formalmente na quinta-feira da próxima semana, dia 29, na Gare de Alcântara, em Lisboa, às 19h00.
'Timing' criticado por partidos e Ramalho Eanes
Enquanto alguns líderes partidários recusaram comentar o 'timing' escolhido por Gouveia e Melo, outros apontaram-lhe o dedo. Foi o caso do líder da Iniciativa Liberal (IL), Rui Rocha, que o acusou de querer ser o "foco" das atenções a três dias das Legislativas. A mesma opinião teve a porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, que ressalvou que as Legislativas "são demasiado importantes" para se desviar o foco do debate político.
Por sua vez, o porta-voz do Livre, Rui Tavares também considerou "o tempo criticável", enquanto o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, salientou que o anúncio é "uma não notícia" e que não surpreendeu ninguém.
Ainda à Esquerda, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, recusou comentar este assunto, dizendo apenas haverá "tempo para falar das Presidenciais" e que queria "falar sobre as Legislativas".
Já o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, não quis comentar o anúncio, afirmando estar "focado" nas eleições legislativas. Uma escolha partilhada pelo presidente do PSD, Luís Montenegro, que considerou não ser “um assunto na linha da frente" das prioridades na agenda política.
Contudo, no domingo de eleições, houve espaço para mais uma crítica, do antigo Presidente da República Ramalho Eanes, a quem o ex-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas tem sido muito comparado pelo passado militar. O antigo chefe de Estado considerou que o anúncio não "respeitou" os tempos do calendário eleitoral, defendendo que "cada coisa tem o seu tempo e é inteligente respeitar esse tempo".
Apoio de personalidades do PSD e sondagens favoráveis
Antes do anúncio da candidatura, em março, foi lançada uma associação cívica com o intuito de dar "o conforto necessário" ao almirante para avançar com uma candidatura às presidenciais, que conta com o apoio de várias personalidades do PSD.
Entre os apoiantes desta associação, estão o ex-presidente do Governo Regional da Madeira Alberto João Jardim, o ex-ministro da Administração Interna Ângelo Correia, o ex-líder parlamentar social-democrata Adão Silva, os presidentes das câmaras de Cascais, Carlos Carreiras, e de Oeiras, Isaltino Morais, ou o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros António Martins da Cruz.
É ainda apoiada pelo antigo líder do CDS Francisco Rodrigues dos Santos, o ex-chefe do Estado-Maior da Armada Melo Gomes, o ex-presidente da Câmara de Cascais António Capucho, o conselheiro nacional do PSD André Pardal ou o ex-Diretor-Geral da Saúde Francisco George.
Entre as sondagens sobre as eleições presidenciais, que têm sido divulgadas desde janeiro, todas apontam para Gouveia e Melo como favorito. É o caso de um sondagem do Instituto de Ciências Sociais (ICS) e ISCTE para a SIC e Expresso, de 30 de janeiro, que apontou o ex-chefe do Estado-Maior da Armada como o favorito da maioria dos eleitores portugueses para vencer contra qualquer um dos candidatos que têm sido referidos e independentemente do cenário.
Marques Mendes vê avanço de Gouveia e Melo como "perigo para a democracia"
Em reação à oficialização da candidatura de Gouveia e Melo, o candidato presidencial Luís Marques Mendes confessou considerar que uma eventual eleição do agora rival na corrida a Belém "pode ser um risco enorme" e "um perigo para a democracia".
"À primeira vista, é sedutor dizer que se quer um Presidente da República que vem de fora da política", começou por conceder o antigo presidente do PSD, "mas eu chamo a atenção que, a seguir, pode ser um risco enorme e pode ser um perigo para a democracia", afirmou Marques Mendes, em entrevista ao podcast da Antena 1 'Política com Assinatura', emitido esta quarta-feira.
Questionado em seguida sobre se a candidatura de Gouveia Melo representa um risco de radicalização do cargo de Presidente da República, Marques Mendes escusou-se a responder diretamente, argumentando que "é difícil uma pessoa responder a isso".
"Porque a gente quase não conhece a posição de Gouveia Melo sobre assunto nenhum. E nos poucos temas que conhece, ele já teve pelo menos duas opiniões da mesma matéria", justificou.
Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo nasceu em Quelimane, Moçambique, em 21 novembro 1960. Ingressou na Escola Naval em 07 setembro de 1979 e passou 22 anos da sua carreira nos submarinos. Esteve três anos à frente da Marinha.
O almirante decidiu passar à reserva logo após o fim do seu mandato, argumentando que continuar no ativo retirava-lhe "alguma liberdade" nos seus "direitos cívicos".
Em fevereiro, num artigo publicado no semanário Expresso, intitulado "Honrar a Democracia", Gouveia e Melo considerou que "a bem do sistema democrático", o país deve ter um Presidente da República "isento e independente de lealdades partidárias", rejeitando que o chefe de Estado seja um "apêndice de interesses partidários".
O militar na reserva - que neste artigo se posicionou politicamente "entre o socialismo e a social-democracia, defendendo a democracia liberal como regime político" - sustentou a tese de que "nenhum Presidente pode ser verdadeiramente «de todos» se estiver claramente associado a uma fação política, pois não terá a independência necessária para representar o interesse coletivo".
"O Presidente não está ao serviço dos partidos, está ao serviço dos portugueses e de Portugal. Garante a Constituição, a união e a integridade do país e é, por isso, um poder-contrapoder de um sistema democrático equilibrado ao serviço da liberdade, segurança, equidade e prosperidade dos portugueses e, consequentemente, de Portugal", considerou.
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