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"A história das agressões no Urban está muito mal contada"

Marlon Queiroz trabalhou durante 10 anos como segurança de discotecas e conta, em entrevista ao Notícias ao Minuto, tudo o que se passa e envolve os homens de cabeça rapada vestidos de preto.

"A história das agressões no Urban está muito mal contada"
Notícias ao Minuto

08:30 - 18/11/17 por Patrícia Martins Carvalho

País Segurança

Aos 21 anos decidiu ser segurança de discotecas para ganhar uns “trocos”, pois precisava de juntar dinheiro para que o filho pudesse vir viver com ele e com a mulher para Portugal.

Natural do Rio de Janeiro, Marlon admite que viu muita coisa má na noite, mas recusa-se a admitir que exista uma máfia. O que há é “entreajuda” entre seguranças e o que é preciso, sublinha, é apostar numa melhor formação dos novos seguranças, pois só assim poderão ser evitados muitos problemas.

Marlon deixou a noite quando a polícia começou a apertar o cerco. O medo de ir preso e o facto de ter dois filhos menores em casa fê-lo repensar a sua vida.

Agora tem um trabalho ‘normal’ e é o autor de ‘Máfias da Noite’, um livro que mostra de forma crua e direta o que se passa nos meandros da segurança noturna e sem esconder as ilegalidades que vêm ao de cima quando o sol se põe.

Sobre o que passou nas imediações do Urban Beach, Marlon não sabe o que aconteceu, mas garante que a história que está a ser relatada é falsa e, apesar de já não ser segurança, defende que estes profissionais devem andar armados, embora não todos. 

O perfil que traça da noite no seu livro é muito negro. Não há nada nesses 10 anos de que se orgulhe?

Quando escrevi o livro há seis anos ainda estava muito próximo da noite. Mas passados estes anos e pensando bem, sim, fiz coisas das quais me orgulho.

Que coisas foram essas?

Evitei violações, espancamentos, evitei que pessoas embriagadas pegassem nos carros para irem para casa… Já pus a minha vida em risco para defender pessoas que não conhecia.

Começou a trabalhar na noite muito cedo. Porquê?

Fui para a noite porque precisava de ganhar uns trocos. Era um menino, tinha 21 anos, e com essa idade ninguém devia trabalhar na noite. Mas quando eu cheguei, a noite em Portugal já existia com os seus anjos e demónios.

E esses anjos e demónios por aqui continuam, a julgar pelo caso do Urban Beach…

Aquilo não se faz, é errado. E se alguém procurar uma justificação para aquilo, então é sinal de que é um ser humano que não está enquadrado socialmente.

Enquanto vincularem a violência com os seguranças da noite os nossos filhos estão a correr um risco muito grandeEntão os seguranças não estão enquadrados socialmente?

Aquela atitude do segurança que saltou com os dois pés na cabeça do miúdo não é um problema da segurança, é um problema do ser humano. Quando um cidadão que trabalha num emprego ‘normal’, paga os seus impostos e depois vai para um estádio de futebol também é capaz de pisar a cabeça do adversário com os dois pés. Volto a dizer, a segurança é um problema do ser humano. Hitler não era segurança e no entanto fez uma Guerra Mundial. Enquanto vincularem a violência com os seguranças da noite os nossos filhos estão a correr um risco muito grande.

Porquê?

Porque já ouvi relatos de amigos meus, seguranças que ainda estão na noite, que dizem que a partir de agora não vão fazer nada quando alguma coisa acontecer à sua frente. Vão chamar a polícia e esperar que as autoridades cheguem. E depois o que acontece, por exemplo, à rapariga que é agredida pelo namorado à saída da discoteca porque ele acha que viu uma troca de olhares com outro rapaz? Pois é…

Não sei o que aconteceu ali, mas tenho duas certezas: o segurança errou e a história está muito mal contadaO que retira das imagens que viu?

Não sei o que aconteceu ali, mas tenho duas certezas: o segurança errou e a história está muito mal contada.

Mal contada porquê?

Nos 10 anos em que estive na noite nunca vi um segurança sair do local de trabalho e ir às roulottes espancar alguém.

Antes do que se vê no vídeo poderá ter havido provocações…

E não foi uma provocação qualquer! Aquela atitude foi um exagero, isso é indiscutível. Não consigo explicar o que aconteceu, mas aquela história está muito mal contada. Já vi espancamentos na noite, pessoal que provocou, provocou e levou. Mas ninguém me convence que a história que o rapaz contou é verdadeira. Não sei o que aconteceu, mas assim, como ele diz, não foi. Não foi.

Há pessoas que têm fascínio por testar os seguranças e levá-los ao limiteDe onde vêm essas provocações?

Há pessoas que têm fascínio por testar os seguranças e levá-los ao limite. Não estou a dizer que este é um desses casos, mas há pessoas que só estão na noite para provocar distúrbios com os seguranças.

Concorda com a decisão do Ministério da Administração Interna em encerrar temporariamente o Urban Beach?

Fecharem o Urban e criar outros, não resolve o problem pois a discoteca tem outros funcionários – barman, barmaid, DJ residente, apanha copos, empresa contratada para fazer a limpeza – que dependem diretamente do funcionamento daquela casa.

Trabalhou em algum estabelecimento do Grupo K?

Não, mas amigos meus trabalharam.

Quando o meu filho vai sair à noite eu digo-lhe sempre para ir para o Urban

Qual é a perceção que tem daquilo que é o Urban Beach?

Eu tenho um filho de 20 anos que estuda fora. Quando vem cá de férias vai sempre sair à noite e eu digo-lhe sempre para ir para o Urban.

Porquê?

Porque é vista como uma discoteca de elite que é frequentada pelos miúdos de bem. Eu digo-lhe para ir para lá porque eu sei que é a discoteca melhor frequentada e isso dá-me paz de espírito.

Isso não é um contrassenso?

Não. Os problemas não são no interior da discoteca, quem lá está foi escolhido para entrar. Os problemas são cá fora porque quando se impede alguém de entrar numa discoteca fere-se-lhe o ego. Quando ‘barramos’ um estudante não há problema, mas quando ‘barramos’ um rapaz  que pertence a um grupo perigoso… aí há problemas na certa.

Como é que se resolve este problema então?

É a primeira pessoa que me faz essa pergunta. Para mim, não há solução. Nenhum problema criminal tem solução porque o crime é uma tendência do ser humano. Há quem o pratique e quem não pratique, mas é uma tendência nossa.

Então como se pode prevenir estas situações?

Com formação adequada para os miúdos de 20 anos que vão transformar-se agora em seguranças.

Em que consiste essa formação adequada?

Eu, se fosse formador, começaria por perguntar a estes jovens por que razão querem ser seguranças. Depois poria um segurança ou ex-segurança a falar com estes jovens para lhes dizerem os perigos que enfrentam à porta de uma discoteca ou de um bar e, claro, teriam de ter todos formação em artes marciais.

Um segurança que não pratica artes marciais é um leão sem jubaIsso não seria um convite à agressão fácil?

Não, os lutadores treinados são os mais disciplinados. A probabilidade de eles andarem à pancada na rua é muito menor do que a de qualquer outra pessoa. Um segurança que não pratica artes marciais é um leão sem juba.

Esse controlo não se perde com os anabolizantes?

Dizem que os anabolizantes são coisas dos seguranças da noite, mas a verdade é que os anabolizantes são coisas dos fisiculturistas.

Mas os seguranças também os tomam…

Sinceramente, nunca associei o anabolizante com o ser segurança. Se ele deixar de ser segurança vai continuar o culto do corpo. É só coincidência. E isso também está a mudar, porque o músculo não dá resposta, o que dá resposta é o conhecimento técnico. Os melhores seguranças são os que praticam desporto de combate porque para se estar no terreno é preciso saber artes marciais para se defender.

Para se defender ou para bater?

Para se defender. Bater, qualquer um bate. Basta ver aquele vídeo em que um rapaz bêbado bate num polícia fardado. Ele não pratica artes marciais e bateu, mas se aquele rapazinho for fazer aquilo para a noite… vai ter um muito mau resultado.

Acredita que muitos problemas se resolveriam se houvesse uma parceria entre a polícia e a segurança privada?

Obviamente que sim. A polícia e a segurança privada têm de ter consciência que, em determinados aspetos, trabalham no mesmo sentido que é proteger as pessoas. Se há seguranças mafiosos que os prendam, mas saibam que também há pessoas que só querem fazer o seu trabalho e bem.

É que além da pancadaria há também a questão das armas…

Os seguranças não têm licença de porte de arma e as pessoas que disparam contra eles também não. Então, cassem todas as armas. Quando há troca de tiros entre seguranças e clientes as duas armas são ilegais.

Os seguranças deveriam andar armados, mas não todos. Só umOs seguranças deveriam andar armados?

Sim, mas não todos. Só um. Isto é, numa equipa de seguranças que está à porta de uma discoteca, só um poderia estar armado.

Como é que se escolheria esse segurança?

Teria de ser alguém com experiência e que fosse avaliado pelos psicólogos forenses da Polícia Judiciária ou da PSP.

Porque é que decidiu deixar a noite?

Porque percebi que era o elo mais fraco. Sou imigrante, sou mulato e sou segurança: estou três vezes errado! E a verdade é que vi muita gente do 'lado escuro' da noite a ir preso, mas não vi ninguém do 'lado claro' a ir para a prisão. Os seguranças fazem cobranças difíceis, fazem, é verdade. Isso é crime? É. E quem contrata? Não é criminoso? Os seguranças traficam droga? Traficam. Isso é crime? É. E quem compra? É o quê?

São todos ratos do mesmo esgoto, como diz no seu livro?

Sim. O segurança e o doutor engenheiro, que está longe de qualquer suspeita mas é ele que contrata o segurança para fazer esses ‘trabalhinhos’.

Teve medo?

Tive,  muito.

É preciso ser-se muito bandido para não se ter medo de ir preso. Eu tive e afastei-meDe quê?

De ir para a prisão. Embora pensem o contrário, a polícia trabalha bem e prendeu muita gente de Norte a Sul do país. Quando vi amigos meus a serem presos pensei: ‘ainda há espaço para mais um, para mim’. É preciso ser-se muito bandido para não se ter medo de ir preso. Eu tive e afastei-me.

Há uma máfia na noite?

Em Portugal não existe máfia, isso é uma lenda. O português não é mafioso.

Então porque é que o seu livro se chama ‘Máfias da Noite’?

O meu livro ia chamar-se ‘Consumo Mínimo Obrigatório’, mas na época em que o escrevi todas as notícias relacionadas com os seguranças e a noite eram intituladas ‘máfia da noite’. É um nome que vende mais.

Notícias ao MinutoLivro foi publicado pouco tempo depois de Marlon ter deixado a noite© Divulgação

Está a dizer-me que não existe máfia na noite?

Não. Esqueçam isso. Não há, não houve, nem haverá.

O que há então?

Há entreajuda, que costumam chamar de associação criminosa. Quem protege o segurança que está à porta de uma discoteca? São os colegas, ou seja, é a entreajuda. Mas isto não é máfia. Máfia para mim é uma organização com hierarquias e eu nunca respondi a ninguém.

Qual foi a pior coisa que fez?

Não tenho uma 'coisa pior'. Ajudei muita gente, muitos filhos de desconhecidos.

Alguma vez agrediu alguém a ponto de o deixar entre a vida e a morte?

Não, mas também nunca fui cobarde. Já tive de responder com violência à violência.

Quantos processos teve em 10 anos?

Os suficientes para ganhar juízo e ter medo de ser preso.

Fala-se em 'trabalhinhos' que os seguranças fazem. Alguma vez lhe pagaram para matar?

A mim nunca me pediram uma coisa dessas.

Mas acontece?

Não sei. Mas eu não tenho conhecimento de casos desses e isso seria certamente algo que se saberia com facilidade.

E sustos?

Isso sim. Pedem muito.

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