A decisão de realizar este julgamento em Vila do Conde foi tomada na terça-feira pelo juiz conselheiro Nuno Gonçalves, e noticiada hoje pelo Correio da Manhã, vai em sentido contrário do defendido pelo Ministério Público (MP) e três dos arguidos neste processo do universo Espírito Santo -- Amílcar Morais Pires, Isabel Almeida e o Banco Espírito Santo (BES) em liquidação -, que entendiam que o julgamento devia decorrer em Lisboa.
Em conflito estavam os tribunais criminais de Lisboa e Porto, com ambos a recusarem qualquer competência territorial para julgar o caso, uma vez que não era possível apurar em que local havia sido cometido o crime mais grave em julgamento no processo, no caso o crime de burla qualificada com uma moldura penal entre os dois e oito anos de prisão.
O tribunal de instrução criminal de Lisboa considerou que o crime foi cometido por "múltiplos atos plurilocalizados", pelo que adotou o entendimento de que, cumprindo a decisão instrutória de enviar o processo para julgamento, o caso deveria ser remetido ao tribunal criminal do Porto, uma vez que foi no MP dessa área territorial que em dezembro de 2014 foi entregue uma queixa que deu origem à abertura do inquérito com o número de processo que viria a ser fixado para o caso.
No entanto, o tribunal criminal do Porto entendeu que tinha primazia uma queixa apresentada em setembro de 2014 por outra queixosa na Procuradoria-Geral da República (PGR), por ser anterior, ainda que não tenha dado origem à abertura de inquérito pelo MP, considerando ser o tribunal criminal de Lisboa o tribunal competente.
No entanto, o despacho do tribunal do Porto não deixou de assinalar que se a lei determinasse a competência territorial em função do local onde primeiro foi instaurado o inquérito, o tribunal competente deveria ser o de Vila do Conde, uma vez que o primeiro inquérito sobre os factos em julgamento foi aberto em Matosinhos na sequência de uma queixa de outubro de 2014.
"(...) conclui-se que a competência para a fase de julgamento neste processo cabe ao juízo central criminal de Vila do Conde, por ter sido na sua circunscrição que a notícia do crime de burla qualificada primeiramente originou a abertura do processo criminal", lê-se no despacho do conselheiro Nuno Gonçalves, a que a Lusa teve acesso.
Em outubro de 2024 o Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa decidiu enviar para julgamento o ex-banqueiro Ricardo Salgado, os ex-administradores Morais Pires e Rui Silveira e a antiga diretora financeira Isabel Almeida no processo de aumento de capital do BES.
A decisão confirmou a acusação do MP, proferida em julho de 2022, que imputou a todos os arguidos um crime de manipulação de mercado e um crime de burla qualificada, ambos em coautoria. Foi também acusado o BES de um crime de burla qualificada.
No lote de arguidos estava ainda incluído o ex-administrador José Manuel Espírito Santo, mas a sua morte em fevereiro de 2023 ditou a extinção do procedimento criminal.
Em causa neste processo está o aumento de capital do BES, que se concretizou entre maio e junho de 2014, escassas semanas antes do colapso do banco. Para o MP, os crimes terão resultado em vantagens de mais de mil milhões de euros (1.044.571.587,80 Euro).
Segundo a acusação do MP, os arguidos Ricardo Salgado, Morais Pires, José Manuel Espírito Santo, Rui Silveira e Isabel Almeida deturparam e omitiram informação no prospeto de aumento de capital do BES, em 2014.
De acordo com o despacho de acusação relativo ao processo de oferta pública de subscrição de ações do banco, do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), "os arguidos atuaram cientes de que, com o seu comportamento, atentaram contra os interesses patrimoniais dos subscritores das novas ações do banco", sob o objetivo de "criar um cenário destacado da realidade".
Alguns destes arguidos já estão atualmente em julgamento noutros processos, como Amílcar Morais Pires no processo principal da queda do BES e do caso BES Angola (BESA), e de Ricardo Salgado, que além destes dois processos está ainda em julgamento na Operação Marquês.
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