"Depois do incêndio, eu só fui lá uma vez. Fiquei aflita e deu-me só para chorar. Fui lá porque tinha coisas para acautelar. Limpei, varri, lavei com um paninho e ficou tudo mais arranjadinho", disse à Lusa Maria Filomena dos Santos, que vive agora no Jardim da Serra, também nas zonas altas do concelho, com o marido, a mãe e uma filha.
Embora nenhuma casa da Fajã das Galinhas tenha sido afetada, as autoridades decidiram retirar os habitantes em 17 de agosto de 2024, três dias após o início do incêndio, devido às chamas que cercaram a zona e tornaram intransitável a única estrada de acesso, numa extensão de cerca de dois quilómetros ao longo de uma escarpa.
"Passar ali todos os dias com os meus filhos dentro do carro era um sofrimento", confessou Isalina dos Santos, outra moradora da Fajã das Galinhas, que vive provisoriamente num apartamento com três filhos e o marido.
Inaugurada nos anos 90 do século passado, a estrada de acesso ao sítio sempre foi considerada perigosa, devido à ocorrência frequente de derrocadas, e é sobretudo por isso que Isalina dos Santos não quer regressar, mesmo tendo lá uma "boa casa".
"Sair foi difícil. Foi pegar em duas peças de roupa e andar. Foi de repente", disse, mas logo acrescentou: "Eu não pretendo voltar, só pelo perigo da estrada".
A Câmara Municipal de Câmara de Lobos, concelho contíguo ao Funchal, assumiu os custos do realojamento dos moradores da Fajã das Galinhas, enquanto decorre a construção de 55 fogos, em dois locais da freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, que serão alocados às famílias.
O objetivo é evitar o regresso dos moradores, considerando que, segundo a autarquia, os estudos realizados pelo Serviço Municipal de Proteção Civil, Governo Regional e Laboratório Regional de Engenharia Civil indicam que a escarpa sobranceira à estrada se mantém "instável e sem segurança para a circulação de pessoas".
Ainda assim, alguns moradores deslocam-se com frequência ao sítio, para cuidar da casa e dos terrenos agrícolas.
No total, foram retiradas 120 pessoas da Fajã das Galinhas, mas os residentes permanentes eram 107 -- 33 agregados familiares -- e estão todos em situação de realojamento provisório, sendo que os restantes, na maioria emigrantes, se encontravam de férias na região aquando do incêndio.
A operação de realojamento da câmara municipal recebeu, em setembro de 2024, o Prémio Excelência Autárquica na área de Ação Social, atribuído pela organização Cidade Social.
O fogo deflagrou em 14 de agosto de 2024 nas serras do município da Ribeira Brava, na zona oeste da Madeira, propagando-se progressivamente aos concelhos de Câmara de Lobos, Ponta do Sol e Santana. No dia 26, ao fim de 13 dias, o Serviço Regional de Proteção Civil indicou que o incêndio rural estava "totalmente extinto".
Não houve registo de feridos ou destruição de casas e infraestruturas públicas essenciais, mas arderam 5.116 hectares de mato e floresta, entre as quais 139 hectares de floresta laurissilva, e pequenas produções agrícolas, tendo cerca de 200 agricultores e 41 produtores de gado apresentado declarações de prejuízo.
A retirada e realojamento dos moradores da Fajã das Galinhas foi a situação com maior impacto a longo prazo.
"No primeiro mês, estranhei, mas agora já estou habituada. Lá, onde eu viva, também era assim, a paisagem não é muito diferente", explicou Maria Filomena dos Santos, que mora agora numa casa T4 e já não tenciona regressar.
Tem 68 anos e, até ao ano passado, viveu sempre na Fajã das Galinhas, tal como o marido, João dos Santos, de 70 anos, excetuando um período em que estiveram na Venezuela, mas agora, desde o incêndio, só lá foi uma vez.
"Gostaria de ir mais. Gosto da minha casa. Mas estou conformada. As coisas estão lá. Trouxemos pouca coisa, só o essencial", disse, acrescentando: "Não nos sentimos abandonados, a câmara dá apoio. Aqui, paga-se só a água e a luz".
Alguns quilómetros mais abaixo, na zona da Vargem, na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, Isalina dos Santos também conta que não vai à Fajã das Galinhas há meses e confessa que sempre que lá foi se sentiu triste, embora não deseje regressar.
"Foram muitos anos, foi uma vida", desabafou, acrescentando: "Os meus filhos nunca mais voltaram, nem para ver".
Isalina dos Santos, 43 anos, explica que a família foi rapidamente realojada, primeiro num T1, o que era "complicado para cinco pessoas", e depois no T3 na Vargem, onde, apesar do estado provisório, considera estar "muito bem".
"Eu nunca me considerei abandonada. A câmara, comigo, foi espetacular", realçou, e a sua mãe, Fernanda, que estava ali de visita, concordou.
Também ela, que tem 66 anos e é viúva, foi retirada da Fajã das Galinhas e realojada na área do Castelejo, nas zonas altas da freguesia, e agora, tal como a filha, já não quer regressar, embora sinta saudades do sítio.
"Lembramos os nossos cantinhos, lembramos o que deixámos para trás, mas não se pode ter tudo na vida", disse e, suspirando, confessou: "Mas não há um dia que a pessoa feche a porta e não se lembre do cantinho lá dentro".
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