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Governo vs Enfermeiros: A greve que se transformou numa batalha judicial

Enfermeiros contestam requisição civil decretada pelo Governo com uma intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias.

Governo vs Enfermeiros: A greve que se transformou numa batalha judicial
Notícias ao Minuto

09:40 - 09/02/19 por Melissa Lopes

País Carreira

A segunda fase da greve nos blocos operatórios, apelidada de greve cirúrgica, está transformada, nesta altura, uma batalha judicial depois de o Governo ter decretado a requisição civil com base no argumento de que os enfermeiros não estariam a cumprir os serviços mínimos que a lei obriga.

Rejeitando a tese do Governo, de que estariam a violar os serviços mínimos, enfermeiros representados por dois sindicatos – a Associação Sindical dos Enfermeiros Portugueses (ASPE) e o Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor), – garantiram que iam reagir à decisão do Conselho de Ministros, tomada na quinta-feira.

E não se fizeram esperar. Na manhã do dia seguinte, esta sexta-feira, o Sindepor avançou que iria interpor uma providência cautelar para suspender a requisição civil considerada pelo advogado Garcia Pereira como “ilegal”.

O advogado esclareceu, mais tarde, que optou antes por apresentar no Supremo Tribunal Administrativo (STA) uma intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias. Porque, explicou, trata-se de "um meio mais expedito e eficaz" que a providência cautelar.

Segundo o advogado, trata-se de um processo especial em que o juiz tem de decidir num prazo muito curto (em 48 horas), podendo decretar logo a suspensão do ato em causa (requisição civil). Na opção pelo processo especial de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias terá ainda pesado o facto de na intimação o juiz ter poderes mais amplos.

O advogado admitiu, porém, que o juiz poderá converter a intimação em providência cautelar, mas o facto de aquele magistrado judicial poder decretar imediatamente a suspensão do ato (requisição civil) torna a intimação mais vantajosa.

Na base desta opção, segundo fontes jurídicas, estará o facto de a providência cautelar não assegurar muitas vezes a suspensão do ato em causa porque face à suspensão do mesmo o Governo resolve fundamentar invocando o "interesse público" para "manutenção do ato". Este "enfraquecimento" da providência cautelar terá sido acentuado com a última revisão do Código de Procedimento Administrativo.

A intimação está regulada nos artigos 109 a 111 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), resultando da análise de juristas que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é um instrumento desenhado para garantir uma grande elasticidade e que o juiz deverá dosear em função da intensidade da urgência, devendo este pressuposto ser analisado no caso concreto.

1.600 cirurgias adiadas 

A ministra da Saúde, Marta Temido, disse esta sexta-feira que na segunda greve cirúrgica dos enfermeiros já foram adiadas 1.600 cirurgias, muitas incluídas nos serviços mínimos, o que justificou a requisição decretada na quinta-feira.

"Verificou-se que, de um total de cerca de 1.600 cirurgias adiadas nos primeiros dias deste bloco de greve, um elevado número estava classificado como serviços mínimos e não estava a ser realizado, pelo que esta opção [a requisição civil] foi decidida", disse Marta Temido numa declaração a jornalistas no Ministério da Saúde.

Marta Temido reiterou a argumentação do Governo afirmando que "o recurso ao instituto da requisição civil é o último recurso para salvaguardar o cumprimento de serviços mínimos". A responsável pela pasta da saúde sublinhou ainda que o dia de ontem  tinha sido "tranquilo"  nos quatro hospitais abrangidos pela requisição civil.

A requisição civil, recorde-se, foi feita aos enfermeiros do Centro Hospitalar e Universitário de S. João, Centro Hospitalar e Universitário do Porto, Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga e Centro Hospitalar de Tondela-Viseu.

"Os enfermeiros estão a ser encostados a uma posição insustentável"

A bastonária da Ordem dos Enfermeiros reagiu à requisição civil decretada ontem alertando para a importância de o Governo negociar com os sindicatos. Ana Rita Cavaco acusa o Governo e o primeiro-ministro de "desferirem ataques" sistemáticos aos enfermeiros que, avisa, estão a ser "empurrados" para "situações indesejáveis".

Junto de um protesto de enfermeiros em frente ao Hospital Santa Maria esta sexta-feira, Ana Rita Cavaco garantiu que à Ordem dos Enfermeiros não chegou nenhuma denúncia de incumprimento dos serviços mínimos.

Salientando ser o papel do regulador profissional averiguar o que é que se passou nos últimos dias, Ana Rita Cavaco afirmou que foi com esse propósito que convocou uma reunião com os enfermeiros diretores, com os sindicatos e com o movimento da greve cirúrgica, que terá lugar na próxima terça-feira. 

Tendo em conta a informação que a Ordem dos Enfermeiros tem, a bastonária defendeu que esta requisição civil “não tem razão de ser” e deixou um aviso ao primeiro-ministro. “O que é importante é o Governo perceber que os enfermeiros querem negociar, porque por muito que custe ao senhor primeiro-ministro, quem elege a sua bastonária são os enfermeiros, da mesma maneira que os portugueses elegem o primeiro-ministro, e eu ganhei as eleições”, disse, num ataque a António Costa.

Ana Rita Cavaco explicou que é fulcral o Governo negociar com os enfermeiros, no caso, com os sindicatos, até porque, acrescentou, os enfermeiros sentem-se atacados. “Os enfermeiros não deixaram de estar a ser atacados pelo Governo e pelo senhor primeiro-ministro, sobretudo, mas também pelo Bloco e pelo PCP que ainda não se ouviram sobre esta requisição civil”, acusou, sublinhando: “Em em vez de tentarem consensos estão sistematicamente a desferir ataques aos enfermeiros. E cada vez que atacam a sua bastonária, é óbvio que estão a atacar todos os enfermeiros”.

Instada a comentar as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa, que afirmou estar preocupado com as reações dos enfermeiros a esta requisição civil, Ana Rita Cavaco disse que o Presidente “tem toda a razão” em se preocupar. Porque, lembrou, “os enfermeiros estão a ser encostados a uma posição insustentável”.

“Há uma greve que é lícita, quem o diz não é ordem, é a própria PGR no seu primeiro parecer, e ao insistirem em não negociar com os enfermeiros, empurram-nos provavelmente para situações de abandono de serviço, essas sim que não são desejáveis”, alertou.

Entretanto, ainda no dia de ontem,  dois sindicatos enfermeiros anunciam pré-aviso de greve de zelo para março. São eles o Sindicato dos Enfermeiros (SE) e o Sindicato Independente Profissionais de Enfermagem (SIPE) que reivindicam a reabertura da renegociação do Acordo Coletivo de Trabalho.

Leia mais:

"Os enfermeiros não podem continuar a ser tratados como escravos"

Afinal, o que é a requisição civil?

Sabe quantas requisições civis foram decretadas desde 1974?

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