Volvidos 40 anos, saudosistas lamentam morte de Mao Zedong
Mao Zedong, o fundador da China comunista, morreu há 40 anos. A sua derradeira cruzada, a Revolução Cultural, seria oficialmente classificada como "catastrófica", em 1982, mas inúmeros saudosistas continuam a recordá-la como um período áureo.
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Mundo China
"A Revolução Cultural (1966-1976) foi a única altura em que os pobres na China foram tratados com dignidade", diz à agência Lusa o académico e comentador chinês Zhang Hongliang.
"Tinham habitação e educação gratuita e boas pensões. E, acima de tudo, a coragem para se erguerem perante burocratas e intelectuais" - então designados de "inimigos de classe" -, conta.
Professor de Economia na Central University for Nationalities, em Pequim, Zhang é um dos mais proeminentes representantes da extrema-esquerda chinesa, uma fação que se bate pelo regresso da China à ortodoxia maoista.
Durante a Revolução Cultural, uma radical campanha política de massas, lançada por Mao para "aprofundar a luta de classes sob a ditadura proletária", milhões de pessoas foram perseguidas, presas e torturadas, sob a acusação de serem "revisionistas" e "reacionárias".
Só no interior da China, estima-se que a violência tenha deixado 750.000 mortos.
Ba Jin, antigo presidente honorário da Associação de Escritores da China, definiu-a como um "holocausto espiritual".
Em 1982, o próprio Partido Comunista Chinês classificou aquele período "o maior erro e o mais grave retrocesso da história do socialismo na China".
Blogues ou sítios na internet de grupos que idolatram a Revolução Cultural, como o Utopia, em que Zhang Hongliang é colunista, estão bloqueados pela censura chinesa.
A figura de Mao, porém, continua a ser intocável na China e, entre os saudosistas, a derradeira cruzada do "Grande Timoneiro" tratou-se mesmo de um "período extraordinário".
"Pela primeira vez na História, a classe explorada derrubou os seus exploradores", aponta Zhang Hongliang.
Já a destruição de relíquias culturais e o espancamento arbitrário, purga e humilhação pública de "elementos burgueses", são "acontecimentos sobrevalorizados", considera.
"Se hoje existe uma perceção negativa sobre a Revolução Cultural é porque, durante aquele período, as elites perderam os seus privilégios", aponta.
As mesmas elites que, segundo Zhang, ensinam a História e dominam os meios de comunicação.
"Se ouvíssemos o que têm os trabalhadores chineses a dizer sobre a Revolução Cultural, a perceção seria outra", defende.
Em 1979, a China aderiu à globalização e é hoje a segunda maior economia do mundo, após três décadas a crescer, em média, quase 10% ao ano.
Desde então, centenas de milhões de chineses saíram da pobreza extrema, num "milagre" sem precedentes na História moderna.
Zhang Hongliang prefere apontar, no entanto, para o elevado número de acidentes laborais fatais e as sucessivas violações dos direitos humanos no país.
Segundo contas da Organização Internacional do Trabalho, o operariado chinês regista, em média, cerca de 70.000 baixas por ano, devido a acidentes no trabalho - 192 óbitos por dia.
Zhang lamenta que estas centenas de milhares de "vítimas mortais da exploração" sejam "ignoradas".
"Ainda hoje se fala da morte de Lao She [um proeminente escritor chinês, que se suicidou durante a Revolução Cultural]. Mas ninguém se importa com as dúzias de camponeses e trabalhadores que todos os dias morrem", acusa.
Mao morreu a 09 de setembro de 1976.
O seu sucessor designado, Hua Guofeng, não conseguiu manter-se no poder e alguns dos seus mais fiéis seguidores, incluindo a mulher, Jiang Qing, acabaram na prisão.
Numa biografia publicada em 2005, a escritora chinesa Jung Chang e o historiador britânico Jon Halliday responsabilizam Mao pela morte de "mais de setenta milhões de pessoas em tempo de paz".
Para Zhang Hongliang, contudo, este derramamento de sangue foi apenas o resultado de uma "necessária intervenção cirúrgica na sociedade chinesa".
"É como se tivéssemos um tumor e sangrássemos ao removê-lo", compara. "Foi o preço a pagar".
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