Uma suspeita de corrupção na cúpula do Partido Socialista espanhol (PSOE) abriu uma crise em Espanha que analistas, dirigentes partidários e imprensa consideram quase unanimemente colocar em risco a sobrevivência política do primeiro-ministro, Pedro Sánchez.
Abaixo, estão alguns pontos essenciais do caso judicial que envolve dois dos homens de maior confiança de Sánchez no partido, assim como do debate político em curso em Espanha.
Já esta terça-feira, Sánchez anunciou que vai apresentar na quarta-feira no parlamento um pacote de medidas contra a corrupção, para tentar responder às exigências avançadas pelos partidos que apoiam o Governo.
Eis os pontos essenciais:
As suspeitas de corrupção e os protagonistas
A justiça espanhola anunciou em 12 de junho haver "indícios consistentes" de corrupção contra o então "número três" do PSOE e deputado Santos Cerdán, que foi ouvido por um juiz na semana passada e ficou em prisão preventiva.
O caso envolve também um antigo ministro dos Transportes de Sánchez (José Luis Ábalos) e estão em causa alegadas comissões na adjudicação de obras públicas.
Ábalos foi ministro entre 2018 e 2021. Santos Cerdán era o "número três" do PSOE desde 2017, quando sucedeu no cargo a Ábalos. Os dois foram os maiores e mais reconhecidos apoiantes de Sánchez nas primárias do PSOE de 2014 e no caminho que depois o levou a liderar o Governo pela primeira vez, em 2018.
Cerdán foi também o homem que negociou com os independentistas catalães a amnistia que assegurou a reeleição de Sánchez como primeiro-ministro em 2023.
Um caso especialmente delicado para Sánchez
Sánchez chegou a primeiro-ministro em 2018 ao conseguir apoios suficientes para fazer aprovar uma moção de censura ao Governo do Partido Popular (PP, direita) liderado por Mariano Rajoy.
A moção mobilizou diversos partidos, de quadrantes distintos, e teve como fundamento derrubar um Governo envolto em vários casos de corrupção, incluindo financiamento ilegal do PP, confirmados já então com sentenças de tribunais.
A moção de censura liderada por Sánchez foi então defendida no parlamento por José Luis Ábalos e a promessa foi a da "regeneração democrática" e de combate à corrupção.
Corrupção, machismo e assédio
Na investigação deste caso, foram apreendidas pela polícia gravações de telefonemas entre Ábalos e um assessor, Koldo García, com conversas sobre mulheres e recurso à prostituição que o próprio Sánchez qualificou, no fim de semana passado, como repugnantes e não compatíveis com os princípios e compromissos do PSOE e do Governo, que se definem, nos dois casos, como feministas.
Sánchez substituiu Cerdán e a sua equipa na cúpula do PSOE no sábado e sofreu nova polémica e revés nesse dia, por um dos primeiros nomes que tinha escolhido, Francisco Salazar, que trabalhava também no Governo, não sequer chegado a assumir o cargo, por denúncias (anónimas) de machismo e de assédio de várias mulheres com quem trabalhou, no partido e no executivo, divulgadas pelo jornal digital ElDiario.es
O partido aprovou nesse mesmo dia regras para expulsar militantes que recorram à prostituição, assim como reforço dos mecanismos de deteção e denúncia de assédio sexual e de combate à corrupção.
Outros casos sob suspeita
Primeiro-ministro desde 2018, Sánchez voltou a ser eleito para o cargo pelo parlamento espanhol em novembro de 2023, por uma geringonça de oito partidos.
Desde que foi reinvestido, pessoas próximas do primeiro-ministro, como a mulher ou o irmão, e antigos membros do Governo e da direção PSOE, foram envolvidos em processos judiciais por suspeitas de corrupção.
Até agora, Sánchez e a direção do PSOE tinham negado qualquer acusação e atribuíram os sucessivos casos a manipulações e a campanhas de desinformação e 'fake news' alimentadas pela oposição de direita e extrema-direita.
No caso Cerdán, Pedro Sánchez não usou estes argumentos pela primeira vez, reconheceu haver "indícios muito graves" de corrupção envolvendo o então "número três" do PSOE e pediu desculpa e perdão aos espanhóis e aos militantes do partido.
Nem eleições antecipadas, nem moção de confiança
Sánchez já disse várias que não se vai demitir, nem submeter-se a uma moção de confiança, nem antecipar as eleições, previstas para 2027. Pediu, sim, para ir ao plenário dos deputados esta quarta-feira dar explicações, numa jornada em que vai apresentar um pacote de medidas para combater a corrupção e que integra exigências e propostas dos partidos da geringonça que o investiram primeiro-ministro, em novembro de 2023.
O líder do Governo tem garantido que o PSOE é "uma organização limpa", que submete as contas a auditorias externas independentes e ao Tribunal de Contas, e que não há suspeitas de financiamento ilegal do partido.
Para já, a geringonça que o reelegeu não lhe retirou o apoio, mas tem-lhe pedido continuamente mais explicações e medidas "contundentes" contra a corrupção. E a voz mais dura tem sido a do partido Somar, que está na coligação de governo com os socialistas, que diz que "a situação é grave" e que "há um problema político" em Espanha neste momento.
Quanto às estruturas do PSOE, só um "peso pesado" tem assumido críticas duras a Sánchez, o presidente do governo regional de Castela La Mancha, que já pediu, pelo menos, uma moção de confiança e/ou eleições antecipadas.
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