No próximo domingo, cerca de trinta milhões de eleitores são chamados às urnas para escolher entre a continuidade do partido conservador populista PiS, que procura um terceiro mandato consecutivo no poder, ou a alternativa liberal e progressista da coligação Plataforma Cívica (PO), liderada pelo ex-presidente do Conselho Europeu Donald Tusk.
Em causa estão duas visões antagónicas na formulação ideológica das duas forças e também a discussão sobre desvios ao estado de direito democrático, independência das instituições, imprensa livre, política de asilo e relações com a União Europeia (UE).
"[A votação] é sobre saber quem vai estar à frente do país nos próximos quatro anos e que tipo de sistema político vamos ter, e é assim também que é retratada por ambos os lados", considera em entrevista à Lusa o diretor do escritório do ECFR (na sigla em inglês) em Varsóvia e especialista em política europeia e relações da Polónia com Bruxelas.
Nesse sentido, Piotr Buras não fica surpreendido quando a principal narrativa da oposição não é, por exemplo, o aumento do abono de família ou outro em concreto, mas se os eleitores querem viver "numa democracia ou num sistema autoritário, se quererem pertencer à UE ou separar-se" e do lado oposto a votação é enquadrada da mesma maneira.
O PiS tende a retratar a alternativa da oposição como uma ameaça à segurança da Polónia por causa da sua política de defesa alegadamente fracassada, faz-lhe colagens a Berlim ou Moscovo "e assim por diante, numa campanha muito polarizada, focada em assuntos centrais e não em qualquer proposta concreta".
Entre os grandes temas está a continuação do apoio à Ucrânia, em plena invasão russa, quando a Polónia tem sido o principal aliado europeu do país vizinho, tendo acolhido mais de dois milhões de refugiados ucranianos, e estado na primeira linha no apoio militar a Kiev.
Mas esta relação foi afetada nas últimas semanas pela recusa de Varsóvia em aceitar a importação de cereais ucranianos, com o argumento da defesa dos seus agricultores, motivando uma tensão sem precedentes com Kiev e também com a UE, numa retórica de parte a parte marcada por uma surpreendente agressividade a que não será estranho o período eleitoral na Polónia.
Para Piotr Buras, a parte da população polaca que não está satisfeita com o nível de apoio à Ucrânia, por considerar que não é realista nem serve o interesse nacional da Polónia, vai votar provavelmente à direita, no atual partido no poder ou na extrema-direita da Confederação, que é na verdade a única formação que desafia o 'mainstream'.
Essa ameaça leva o PiS a tentar travar a fuga de eleitores para a Confederação, "abordando de forma muito contundente a questão do orgulho nacional polaco", e, para o analista, essa tarefa parece ter sido bem-sucedida porque a extrema-direita desceu nas sondagens, ainda que se situe na casa dos 10%.
Em qualquer circunstância, independentemente do calor eleitoral e da guerra, os problemas entre Varsóvia e Kiev vieram para ficar e não há ponto de retorno ao "período romântico" das relações entre os dois países no inicio da invasão russa, o que se deve a razões estruturais ligadas a questões bilaterais por resolver e ao relacionamento com a UE.
As eleições do próximo domingo são aliás também uma escolha dos polacos em relação à UE, em questões como a imigração, justiça e direitos e comércio externo, tudo temas que têm sido "aquecidos" nas últimas semanas pela retórica eleitoral, e que na prática já levaram Bruxelas a congelar fundos para Varsóvia porque alegadamente os padrões democráticos estão a ser postos em causa.
"O governo foi muito, muito longe em basicamente minar o princípio da primazia do direito da UE e também na objeção à implementação de algumas das suas decisões", comenta o analista, mencionando que o executivo previu um tribunal constitucional sob o seu controlo, o que leva a que as decisões dos tribunais europeus possam não ter efeito na Polónia.
"Agora temos o desrespeito pela decisão da UE a esta questão do bloqueio dos cereais ucranianos. Acho que se o PiS for reeleito vai sentir-se encorajado e que a sua abordagem foi acertada. Isto seria um grande problema para a UE, porque os governos polaco, húngaro e talvez até eslovaco estariam prontos para enfrentar as instituições europeias e as suas decisões quando não gostam delas", alertou.
Entre os pontos de fricção entre Varsóvia e Bruxelas está a política de asilo, que levou o executivo a anunciar que a Polónia vai vetar o plano de migração proposto pela UE.
O primeiro-ministro, Mateusz Morawiecki, reiterou a sua posição contra "os burocratas de Bruxelas e os seus verdadeiros chefes, que estão em Berlim", arranjaram um "plano insano" que "inundará Varsóvia com migrantes ilegais", e este é o tema de um dos quatro referendos que estão previstos, a par das legislativas, para domingo.
Além de perguntas sobre privatizações de ativos estatais, aumento da idade de reforma para 67 anos e a construção já em curso de uma barreira na fronteira com a Bielorrússia, os polacos vão confrontar-se com a seguinte questão: "Apoia a admissão de milhares de imigrantes ilegais do Médio Oriente e de África, de acordo com o mecanismo de relocalização forçada imposto pela burocracia europeia?" Este enunciado, segundo Donald Tusk, é característico do discurso xenófobo do PiS e foi um dos assuntos que chamaram a um comício histórico há uma semana em Varsóvia centenas de milhares de apoiantes.
Piotr Buras desvaloriza no entanto o significado destes referendos, advertindo que eles não representam "as questões que ocupam as mentes da sociedade polaca nem estão no centro do debate público" e só serviriam para eventualmente aumentar o apoio ao partido no poder, mas até isso é duvidoso.
"Muita gente não vai participar nos referendos, porque podem recusar-se e mesmo assim votar nas eleições parlamentares, e é isso que muitos eleitores da oposição vão fazer", prevê o especialista, lembrando que é de resto esse o apelo da oposição, procurando tornar inválidos os resultados dos referendos, que só serão vinculativos com uma participação acima dos 50%, mesmo que, em qualquer resultado, o PiS se sinta tentado a usar um desfecho favorável se continuar no governo.
A maioria das sondagens independentes sugere que a disputa está muito próxima. Uma pesquisa realizada na semana passada pela agência Kantar, citada pelo jornal britânico The Guardian, colocou o PiS com 34% e a PO com 30%, o que significa que a capacidade de formar o próximo governo provavelmente dependerá dos resultados de vários partidos menores.
"É um cenário bastante provável um parlamento sem maioria clara, nem para o PIS nem para a oposição democrática", observa Piotr Buras, em que os três principais partidos de oposição poderão tentar fazer um alinhamento pós-eleitoral, mas ainda assim as contas são apertadas, podendo contribuir para se obter a margem decisiva o apoio da extrema-direita.
A Confederação apareceria assim como o "kingmaker" ou "influenciador" disputado pelas duas grandes formações partidárias, mesmo que não lhe sejam dadas cadeiras no governo, mas com propostas convincentes para aceitar um governo minoritário apoiado no parlamento.
Nesse cenário, o analista vê uma posição mais favorável para o PO de Tusk do que para os nacionalistas conservadores, "porque a extrema-direita quer tirá-los do poder, destruir o sistema e tornar-se no maior partido de direita polaco sobre as ruínas do PiS".
O próprio Tusk, comenta, teria interesse num acordo assente num denominador comum básico com a extrema-direita, também com o objetivo de afastar o PiS, remover as suas pessoas das instituições e criar condições de igualdade para eleições antecipadas em poucos meses.
Mas também pode dar-se o caso de ausência de maioria por uma estreita margem e, nessa altura, "nos primeiros dias caóticos após o escrutínio", as duas principais forças procurarem "comprar" os deputados remanescentes de partidos com maus resultados, oferecendo-lhes, por exemplo, cargos em empresas estatais, até obterem os 261 lugares para garantir uma maioria.
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