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Polónia. Votação é sobre o "tipo de sistema político", diz analista

O analista do Conselho Europeu para as Relações Externas (ECFR) Piotr Buras defende que os polacos não vão votar nas legislativas em propostas concretas, mas no sistema político que desejam, numas eleições tão incertas que podem ser antecipadas.

Polónia. Votação é sobre o "tipo de sistema político", diz analista
Notícias ao Minuto

13:58 - 08/10/23 por Lusa

Mundo Polónia

No próximo domingo, cerca de trinta milhões de eleitores são chamados às urnas para escolher entre a continuidade do partido conservador populista PiS, que procura um terceiro mandato consecutivo no poder, ou a alternativa liberal e progressista da coligação Plataforma Cívica (PO), liderada pelo ex-presidente do Conselho Europeu Donald Tusk.

Em causa estão duas visões antagónicas na formulação ideológica das duas forças e também a discussão sobre desvios ao estado de direito democrático, independência das instituições, imprensa livre, política de asilo e relações com a União Europeia (UE).

"[A votação] é sobre saber quem vai estar à frente do país nos próximos quatro anos e que tipo de sistema político vamos ter, e é assim também que é retratada por ambos os lados", considera em entrevista à Lusa o diretor do escritório do ECFR (na sigla em inglês) em Varsóvia e especialista em política europeia e relações da Polónia com Bruxelas.

Nesse sentido, Piotr Buras não fica surpreendido quando a principal narrativa da oposição não é, por exemplo, o aumento do abono de família ou outro em concreto, mas se os eleitores querem viver "numa democracia ou num sistema autoritário, se quererem pertencer à UE ou separar-se" e do lado oposto a votação é enquadrada da mesma maneira.   

O PiS tende a retratar a alternativa da oposição como uma ameaça à segurança da Polónia por causa da sua política de defesa alegadamente fracassada, faz-lhe colagens a Berlim ou Moscovo "e assim por diante, numa campanha muito polarizada, focada em assuntos centrais e não em qualquer proposta concreta".

Entre os grandes temas está a continuação do apoio à Ucrânia, em plena invasão russa, quando a Polónia tem sido o principal aliado europeu do país vizinho, tendo acolhido mais de dois milhões de refugiados ucranianos, e estado na primeira linha no apoio militar a Kiev.

Mas esta relação foi afetada nas últimas semanas pela recusa de Varsóvia em aceitar a importação de cereais ucranianos, com o argumento da defesa dos seus agricultores, motivando uma tensão sem precedentes com Kiev e também com a UE, numa retórica de parte a parte marcada por uma surpreendente agressividade a que não será estranho o período eleitoral na Polónia.

Para Piotr Buras, a parte da população polaca que não está satisfeita com o nível de apoio à Ucrânia, por considerar que não é realista nem serve o interesse nacional da Polónia, vai votar provavelmente à direita, no atual partido no poder ou na extrema-direita da Confederação, que é na verdade a única formação que desafia o 'mainstream'.

Essa ameaça leva o PiS a tentar travar a fuga de eleitores para a Confederação, "abordando de forma muito contundente a questão do orgulho nacional polaco", e, para o analista, essa tarefa parece ter sido bem-sucedida porque a extrema-direita desceu nas sondagens, ainda que se situe na casa dos 10%.

Em qualquer circunstância, independentemente do calor eleitoral e da guerra, os problemas entre Varsóvia e Kiev vieram para ficar e não há ponto de retorno ao "período romântico" das relações entre os dois países no inicio da invasão russa, o que se deve a razões estruturais ligadas a questões bilaterais por resolver e ao relacionamento com a UE.

As eleições do próximo domingo são aliás também uma escolha dos polacos em relação à UE, em questões como a imigração, justiça e direitos e comércio externo, tudo temas que têm sido "aquecidos" nas últimas semanas pela retórica eleitoral, e que na prática já levaram Bruxelas a congelar fundos para Varsóvia porque alegadamente os padrões democráticos estão a ser postos em causa.

"O governo foi muito, muito longe em basicamente minar o princípio da primazia do direito da UE e também na objeção à implementação de algumas das suas decisões", comenta o analista, mencionando que o executivo previu um tribunal constitucional sob o seu controlo, o que leva a que as decisões dos tribunais europeus possam não ter efeito na Polónia.

"Agora temos o desrespeito pela decisão da UE a esta questão do bloqueio dos cereais ucranianos. Acho que se o PiS for reeleito vai sentir-se encorajado e que a sua abordagem foi acertada. Isto seria um grande problema para a UE, porque os governos polaco, húngaro e talvez até eslovaco estariam prontos para enfrentar as instituições europeias e as suas decisões quando não gostam delas", alertou.

Entre os pontos de fricção entre Varsóvia e Bruxelas está a política de asilo, que levou o executivo a anunciar que a Polónia vai vetar o plano de migração proposto pela UE.

O primeiro-ministro, Mateusz Morawiecki, reiterou a sua posição contra "os burocratas de Bruxelas e os seus verdadeiros chefes, que estão em Berlim", arranjaram um "plano insano" que "inundará Varsóvia com migrantes ilegais", e este é o tema de um dos quatro referendos que estão previstos, a par das legislativas, para domingo.

Além de perguntas sobre privatizações de ativos estatais, aumento da idade de reforma para 67 anos e a construção já em curso de uma barreira na fronteira com a Bielorrússia, os polacos vão confrontar-se com a seguinte questão: "Apoia a admissão de milhares de imigrantes ilegais do Médio Oriente e de África, de acordo com o mecanismo de relocalização forçada imposto pela burocracia europeia?" Este enunciado, segundo Donald Tusk, é característico do discurso xenófobo do PiS e foi um dos assuntos que chamaram a um comício histórico há uma semana em Varsóvia centenas de milhares de apoiantes.

Piotr Buras desvaloriza no entanto o significado destes referendos, advertindo que eles não representam "as questões que ocupam as mentes da sociedade polaca nem estão no centro do debate público" e só serviriam para eventualmente aumentar o apoio ao partido no poder, mas até isso é duvidoso.

"Muita gente não vai participar nos referendos, porque podem recusar-se e mesmo assim votar nas eleições parlamentares, e é isso que muitos eleitores da oposição vão fazer", prevê o especialista, lembrando que é de resto esse o apelo da oposição, procurando tornar inválidos os resultados dos referendos, que só serão vinculativos com uma participação acima dos 50%, mesmo que, em qualquer resultado, o PiS se sinta tentado a usar um desfecho favorável se continuar no governo.

A maioria das sondagens independentes sugere que a disputa está muito próxima. Uma pesquisa realizada na semana passada pela agência Kantar, citada pelo jornal britânico The Guardian, colocou o PiS com 34% e a PO com 30%, o que significa que a capacidade de formar o próximo governo provavelmente dependerá dos resultados de vários partidos menores.

"É um cenário bastante provável um parlamento sem maioria clara, nem para o PIS nem para a oposição democrática", observa Piotr Buras, em que os três principais partidos de oposição poderão tentar fazer um alinhamento pós-eleitoral, mas ainda assim as contas são apertadas, podendo contribuir para se obter a margem decisiva o apoio da extrema-direita.

A Confederação apareceria assim como o "kingmaker" ou "influenciador" disputado pelas duas grandes formações partidárias, mesmo que não lhe sejam dadas cadeiras no governo, mas com propostas convincentes para aceitar um governo minoritário apoiado no parlamento.

Nesse cenário, o analista vê uma posição mais favorável para o PO de Tusk do que para os nacionalistas conservadores, "porque a extrema-direita quer tirá-los do poder, destruir o sistema e tornar-se no maior partido de direita polaco sobre as ruínas do PiS".

O próprio Tusk, comenta, teria interesse num acordo assente num denominador comum básico com a extrema-direita, também com o objetivo de afastar o PiS, remover as suas pessoas das instituições e criar condições de igualdade para eleições antecipadas em poucos meses.

Mas também pode dar-se o caso de ausência de maioria por uma estreita margem e, nessa altura, "nos primeiros dias caóticos após o escrutínio", as duas principais forças procurarem "comprar" os deputados remanescentes de partidos com maus resultados, oferecendo-lhes, por exemplo, cargos em empresas estatais, até obterem os 261 lugares para garantir uma maioria.

Leia Também: Polónia. Os principais temas de uma eleição decisiva

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