"A mesma perseguição que me colocou em cárcere é a mesma perseguição de que a companheira Cristina [Kirchner] foi vítima e é vítima na Argentina", afirmou Lula, durante um discurso na histórica Praça de Maio, naquele país, na noite de sexta-feira.
Lula participou na comemoração do Dia da Democracia e dos Direitos Humanos, promovida pelo Governo argentino para assinalar os 38 anos da recuperação da democracia no país.
A visita de Lula à Argentina acontece numa altura em que a atual vice-Presidente e ex-Presidente do país, Cristina Kirchner, enfrenta momentos cruciais nos processos em que é acusada de corrupção.
A história recente de Lula é uma peça fundamental para reforçar a teoria de "lawfare" (perseguição), de que a vice-Presidente diz ser vítima.
"Lawfare" é o termo usado pela esquerda latino-americana para definir uma guerra judiciária, criada pela direita, com o objetivo de intervir na política e destruir adversários.
"Lula querido, desta vez, não vieram com uniformes nem com botas", disse Cristina Kirchner, em referência às ditaduras militares que dominaram a América Latina nos anos 70.
"Desta vez, vieram com togas de juízes e meios [de comunicação] hegemónicos. Julgam primeiro nos meios e depois carimbam na Justiça", acusou, considerando que se trata de "um novo método de perseguição aos dirigentes populares e democráticos".
No discurso de Cristina Kirchner, que se seguiu ao de Lula, a vice-Presidente da Argentina concluiu que "já não é importante conseguir a desaparição física de um opositor, sendo suficiente a desaparição política".
"No nosso jantar de ontem, Lula enumerou a quantidade de horas que os noticiários [no Brasil] lhe dedicavam, chamando-lhe corrupto. Enumerou a quantidade de capas dos principais jornais do Brasil em que aparecia como ladrão. Enumerou as menções em rádios e em portais. Eu respondi-lhe que, [no meu caso], ele podia acrescentar cinco acusações de formação de quadrilha", contou Cristina Kirchner.
A vice-Presidente argentina chegou a ser acusada em dez processos, a maioria por corrupção. No entanto, desde que retornou ao poder, em dezembro de 2019, conseguiu livrar-se dos processos sem chegar a julgamento, através de votos favoráveis dos chamados "juízes militantes", uma ala da Justiça argentina, denominada "Justiça Legítima", alinhada com o Kirchnerismo, facção mais radical do Peronismo que governa o país. Atualmente, responde em quatro processos por corrupção.
"Com o seu caso no Brasil, Lula tem muitos atrativos para ser uma figura fundamental para Cristina Kirchner sustentar a tese do 'lawfare'. O caso Lula assenta-lhe perfeitamente, mas são situações bem diferentes", afirmou à Lusa o politólogo e diretor da consultora Synopsis, Lucas Romero.
"O caso Lula e os processos judiciais de Cristina Kirchner são incomparáveis. Os processos por corrupção de Cristina envolvem dezenas de propriedades e uma quantia astronómica, com muitos indícios. É uma assimetria absoluta. Por isso, ela faz seu o argumento de 'lawfare', porque lhe convém transmitir que o caso Lula é a mesma coisa", explicou à Lusa o analista político Sergio Berensztein.
A maioria dos processos contra Cristina Kirchner foram abertos durante o seu governo (2007-2015).
Em 2017, Cristina Kirchner foi eleita senadora, com o objetivo de obter imunidade parlamentar, para evitar a execução de cinco ordens de prisão preventiva, emitidas pela Justiça.
Em 2019, foi eleita vice-Presidente, cargo que, na Argentina, também assume a presidência do Senado.
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