"A França perdeu uma batalha, mas não perdeu a guerra", é assim que começa o apelo feito por De Gaulle há 80 anos a partir de Londres, aos microfones da BBC, dirigido à França livre.
Mas, na verdade, não há registo desta primeira mensagem e só a gravação do apelo de 22 de junho chegou aos nossos dias.
"O 18 de junho tornou-se uma data emblemática para a França e símbolo de que houve uma oposição ao Armistício, mas isso foi tudo construído no pós-guerra", explicou à agência Lusa Sylvie Zaidman, diretora do Museu da Libertação de Paris.
O ano de 2020 é considerado marco da memória de De Gaulle.
É neste período que se celebram os 120 anos do seu nascimento, os 50 da sua morte e os 80 do seu apelo histórico, levando mesmo o Presidente da República, Emmanuel Macron, a declarar 2020 como o ano do general.
Mas em 1940, poucos sabiam quem era este jovem general de 49 anos que entrou no Governo como subsecretário de Estado da Defesa Nacional a 05 de junho de 1940 só para ver a França capitular onze dias depois à ocupação alemã quando o marechal Philippe Pétain assume as rédeas do novo Governo.
"A construção da resistência ficou a dever-se à habilidade de De Gaulle. Uma habilidade política única. Conseguiu impor a ideia que ele encarnava a verdadeira França e que ele não era nada nem legalmente nem juridicamente. E que essa verdadeira França não estava em Vichy, mas foi muito difícil impor-se", continuou Sylvie Zaidman.
Na verdade, sabe-se agora que o apelo de 18 de junho foi muito pouco escutado pelos franceses. Em pânico devido à invasão alemã e assustados com os bombardeamentos de Paris a 03 de junho, dois milhões de parisienses - dos três milhões que viviam na capital nessa altura - puseram-se em fuga sem saber onde ir.
"É um movimento de refugiados. As pessoas não sabiam para onde ir, só queriam fugir daqui. Há, no total, 8 milhões de pessoas nas estradas em França e todas as categorias sociais partiram. É um caos indescritível", descreveu Zaidman, que é também co-comissária da exposição "1940, os parisienses em êxodo" que começou a 27 de fevereiro e foi prolongada devido à pandemia até 13 de dezembro.
Assim, segundo a historiadora, De Gaulle foi "pouco escutado" num primeiro momento e, aos poucos, tornou-se numa figura reconhecida pelos franceses.
"A grande vantagem de De Gaulle foi que ele tinha muito tempo de antena na rádio. Primeiro na BBC, que era controlada pelos ingleses, mas depois quando foi para África, pôde dizer tudo o que queria. E os franceses começaram a ouvi-lo, porque apesar de ser proibido, preferem ouvir outra rádio para além da rádio oficial", sublinhou.
Esta capacidade de reunir os franceses à sua volta foi lembrada a 17 de maio, de forma simbólica, pelo Presidente Emmanuel Macron.
"De Gaulle disse-nos que a França é forte quando conhece o seu destino, quando se une e quando procura a coesão à volta de uma ideia nacional que nos reúne e onde as discórdias se tornam algo acessório", disse o líder francês durante a cerimónia em La-Ville-aux-Bois-les-Dizy, num discurso que se adapta também aos tempos de pandemia.
Para Sylvie Zaidman, o 18 de junho de 1940 resta como um momento da memória coletiva e algo "construído depois dos factos".
"É a memória dos vencedores, que, em França, foi o General de Gaulle", concluiu.