'Perdão fiscal': "Esmagadora maioria das dívidas fiscais é incobrável"
O antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Vasco Valdez considera que "a esmagadora maioria" das dívidas fiscais que podem beneficiar do perdão fiscal é "incobrável", na medida em que não haverá ativos que permitam recuperar essa dívida.
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Economia Vasco Valdez
Em causa está o regime especial para reduzir as dívidas fiscais e contributivas que foi aprovado na quinta-feira em Conselho de Ministros e que permite aos contribuintes ficarem isentos de juros se pagarem toda a dívida ou beneficiarem de reduções se optarem pelo pagamento em prestações, que podem ir até 150 parcelas mensais.
Este regime aplica-se aos contribuintes cujas dívidas não tenham sido pagas nos prazos normais, tendo o Governo adiantado que o 'stock' da dívida fiscal acumulada é de cerca de 25 mil milhões de euros.
Em entrevista à Lusa, o secretário de Estado dos governos de Cavaco Silva de 1991 a 1995 e posteriormente do executivo de Durão Barroso de 2002 a 2004, Vasco Valdez, afirma que "a esmagadora maioria dessa dívida fiscal de 25 mil milhões corresponde a dívida incobrável, no sentido de que já não há ativos subjacentes que permitam recuperá-la".
O advogado descreve a máquina fiscal como sendo "já muito sofisticada, que penhora a torto e a direito, que trucida os contribuintes em todos os aspetos e que lhes saca tudo aquilo que pode sacar em tempo útil".
"Tenho alguma dúvida de que aqueles valores não correspondam já a valores verdadeiramente incobráveis, ou seja, há uma muito maior dificuldade de cobrabilidade daquelas dívidas porque, se existissem [meios de pagamento dos contribuintes], o Estado já lhes tinha deitado a mão", concluiu.
"Se eu tiver uma dívida fiscal, o Estado penhora-me os créditos, as contas bancárias e o diabo a sete. De alguma maneira, já se apropriou dos valores necessários para pagar a dívida. Por isso, a esmagadora maioria desse dinheiro é verdadeiramente incobrável", disse ainda, admitindo, no entanto, que seja possível que "haja mil ou dois mil milhões que possam ser recuperados".
O antigo governante diz que a sua "perplexidade maior" não é tanto com a medida em si, mas "com o 'timing'" em que ela surge, levantando dúvidas sobre se o Governo não estaria já a contar com esta "medida extraordinária" para reduzir o défice para menos de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano.
O Conselho da União Europeia cancelou as sanções financeiras a Portugal por não ter reduzido o défice para menos de 3% do PIB em 2015 (ficou nos 4,4% incluindo o Banif), mas estabeleceu uma nova meta orçamental: uma redução do défice para os 2,5% este ano excluindo eventuais apoios ao setor bancário.
Depois disto, o primeiro-ministro, António Costa, veio publicamente garantir que o défice deste ano ficará "confortavelmente abaixo de 2,5%", embora a meta que foi fixada no Orçamento do Estado para 2016 (OE2016) tenha sido de 2,2% do PIB.
"Se o Governo estava tão seguro de que o défice orçamental ia ficar confortavelmente abaixo de 2,5% [em 2016], vai gastar este ano essa arma? Para quê? Para ficar com 2% ou 1,5% de défice? Não percebo, sinceramente", lançou.
Sublinhando que "o discurso reiteradamente apresentado pelo Governo" nos últimos meses foi de que "isto está tudo muito bem", Vasco Valdez estranha que "a dois meses e meio do final do ano apareça um perdão fiscal", um instrumento que "poderia ser utilizado num momento crítico".
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