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"O VAR é muito perigoso para os árbitros"

José Peseiro abordou, em entrevista ao Desporto ao Minuto, as polémicas que assolam o futebol português, mas também as possibilidades da equipa das quinas no Mundial de 2018.

"O VAR é muito perigoso para os árbitros"
Notícias ao Minuto

12/12/17 por Carlos Pereira Fernandes

Desporto José Peseiro

Ainda que esteja afastado do futebol português desde dezembro de 2016, quando foi afastado do comando técnico do Sporting de Braga no seguimento da eliminação dos oitavos de final da Taça de Portugal, diante do Sporting de Covilhã, José Peseiro continua bastante atento ao que por cá se passa.

Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, o técnico, que recentemente deixou o Al Sharjah, do Emirados Árabes Unidos, apela à “clarificação” dos regulamentos do vídeo-árbitro, sob o perigo de que se torne “uma arma muito perigosa contra os árbitros”.

Já a propósito do denominado caso dos emails, José Peseiro diz-se “perplexo como é que os diretores de comunicação dos clubes são mais importantes do que os treinadores e os jogadores”.

O treinador ribatejano anteviu, ainda, a presença de Portugal no Campeonato do Mundo de 2018, onde, na sua opinião, a equipa de Fernando Santos tem “obrigação de disputar” o troféu.

O VAR é uma arma contra os árbitros

Enquanto treinador, como vê a implementação do vídeo-árbitro no futebol português?

Neste momento, o vídeo-árbitro é muito perigoso para os árbitros, isso é que me entristece.

Perigoso em que sentido?

Há várias situações que convém clarificar. Acredito muito nos árbitros, é muito difícil ser árbitro, não têm massa associativa, a não ser que beneficiem sempre o mesmo. Os erros acontecem e nenhum árbitro pode apitar um jogo tentando equilibrar os erros. Antes do VAR, quando víamos um jogo, o senso-comum entendia que o árbitro errava, embora muita gente não seja assim. Os grandes são sempre os mais beneficiados pelos erros dos árbitros, mas queixam-se sempre, nunca admitem quando o são. Se, antes do VAR, se salvaguardava a idoneidade dos árbitros, agora não. Quando há um erro e ele não é emendado pelo VAR, levanta-se uma arma muito perigosa contra os árbitros. As pessoas começam a pensar que erram porque querem. Isto é gravíssimo.

Mas tem potencial para ser um elemento benéfico para o futebol?

Quem está a perder mais com o VAR são os árbitros. É bom que se resolvam estes problemas para não criar um problema ainda mais grave. Agora pergunta-me ‘Mas os árbitros têm culpa ou não têm culpa?’. Podem ter, mas são os menos culpados. O protocolo tem que ser melhorado. Se o árbitro não deve apitar se não tem a certeza, não apita dez ou 15 vezes num jogo. Se está regulado, não está bem explicado. E o mais grave é que há zonas cinzentas. O mesmo lance para ti é falta e para mim não é. E então? Como é que resolvemos isto?

É uma questão cultural que o VAR não vai resolver. Temos de nos adaptar e perceber que, em 70% dos casos, é normal que o VAR resolva a situação. Os restantes 30% são muito dúbios. O que é a intensidade? Ainda no Vitória de Setúbal-FC Porto [primeiro golo de Aboubakar], o que é a intensidade? Há intensidade no penálti ou na mão nas costas? Um é e o outro não? A sensação é que o problema é ver se não se prejudica os grandes. Não estou a dizer que os árbitros fazem isto de propósito, mas é o que as pessoas começam a pensar. Os clubes pequenos têm muito mais razões de queixa do VAR do que os grandes.

Já vários treinadores se queixaram de uma diferença de critérios...

Sempre houve. Vendo os jogos como vejo, parece que o VAR se está a preocupar pouco com as equipas pequenas. Não coloco em causa a idoneidade dos árbitros, mas parece. Tenho muito receio. As pessoas não têm paciência para se adaptarem a uma nova regra. Nem os media, nem os comentadores. É uma tecnologia nova, pode haver erros, mas ninguém se está a preocupar com isso. Os erros são conotados por serem daqui ou dali. O VAR já resolveu muitas situações, reduziu muitos erros, mas é uma arma contra os árbitros porque dá a sensação que as coisas não estão clarificadas. Parece evidente que, no meio disto tudo, os clubes pequenos são quem tem mais razão de queixa. Muitas vezes apita-se e não há VAR nem nada, não consigo perceber. Está tudo regulamentado, mas não parece que esteja.

Foi precipitado aplicar o VAR já esta temporada?

Alguma vez tinha que ser. A primeira vez carrega sempre estas questões. O VAR tem sentido, mas o protocolo tem de ser adaptado, o árbitro tem de ser defendido e tem de explicar às pessoas que é tudo feito com a máxima clareza.

Continuo a acreditar que é no campo que se ganham campeonatos

Todas essas dúvidas são determinantes para o clima que se criou no futebol português?

Não beneficia. Há países em que se discute o erro do árbitro, mas pouco mais do que isso. Estive em Espanha, vivi o clima entre Real Madrid e Barcelona, com diferenças culturais e sociais, e nunca vi o que se vê em Portugal. Isto não está a ajudar. Cada clube procura defender-se para não ser mais prejudicado do que os outros, mas parece que há uma luta quotidiana sobre o VAR.

Como é que um treinador olha para um caso como o dos emails?

Olha para isso, avalia e percebe que estamos num mundo de informação e contra-informação. Fico um bocado perplexo como é que os diretores de comunicação dos clubes são mais importantes do que os treinadores e os jogadores. Debitam mais opinião do que as pessoas mais importantes do futebol.

É nos bastidores que se ganham campeonatos?

Não. Continuo a acreditar que é no campo que se ganham campeonatos.

Ser campeão europeu dá obrigação de disputar o Mundial

Falando do futebol dentro das quatro linhas, que avaliação faz o grupo de Portugal no Mundial?

É acessível. Marrocos tem uma boa seleção, o Irão também. O nosso selecionador não pode dizer outra coisa, até porque não temos um historial assim tão bom quando jogamos contra equipas menos fortes. Mas temos de ser sinceros. Somos campeões da Europa, temos os jogadores que temos. O futebol tem imprevisibilidade, mas Marrocos e Irão são piores do que a nossa seleção. É verdade que estão no Mundial, mas se fôssemos escolher as melhores seleções não estavam lá. Somos melhores, mas há que ter cuidado. Não passa pela cabeça de ninguém não sermos apurados. Olhamos para a nossa seleção e vemos que não perdemos facilmente. Há uns anos, havia instabilidade, mas mesmo no Europeu, quando empatámos três jogos de seguida, estivemos sempre mais perto de vencer do que de perder. Somos bons, temos bons jogadores, temos um treinador que percebe o que é preciso saber.

Dá-lhe um gosto especial ver André Silva, que lançou no FC Porto, a titular na seleção?

O André Silva, o João Moutinho e o Nani, que também lancei. Dá-me satisfação. Se calhar, se nos últimos dez anos tivesse trabalhado em Portugal em vez de ter trabalhado fora, tinha lançado muitos mais. Não aconteceu, mas quer com esses, quero com outros, só tenho de dar os parabéns pela forma como promovem o nosso futebol.

Ser campeão europeu dá obrigação de apontar a que objetivo?

Dá obrigação de disputar o Mundial, assim como aconteceu com Espanha. A Grécia também ganhou o Europeu, mas não tinha comparação com esta seleção portuguesa. Ganhou num momento de felicidade extrema, uma equipa que passava o jogo a defender, ia lá à frente e marcava. Parecia que os deuses os ajudavam. Esta seleção portuguesa tem muito mais capacidade. Temos muitos jogadores que estão nos mais altos patamares do futebol mundial, o que nos dá muita consistência.

Conhecendo Carlos Queiroz como conhece, o que podemos esperar do Irão?

O Irão é, para mim, a melhor seleção do Golfo. Carlos Queiroz deu-lhes muita consistência, é a segunda vez que vai estar com eles no Mundial, se até lá não se chatearem com ele (risos). É uma seleção de qualidade, com boa organização de jogo, mas não tem os jogadores que Portugal tem.

Trabalhou Queiroz no Real Madrid. Consegue perceber a forma como os adeptos ainda vão criticando Cristiano Ronaldo?

Só quem não teve em Madrid não percebe. É um clube tremendo. Não acredito que haja clube com mais pressão do que o Real Madrid. Já vi jogos do Cristiano Ronaldo, que deu o que deu ao Real Madrid, é o melhor jogador da história do Real Madrid e pode ser o melhor do futebol mundial, e é assobiado porque erra. Mas não é só ele. Vi o Iker [Casillas], o Raul… O próprio Mourinho dizia que as pessoas estão ali para cobrar, não é para ver o espetáculo. Os próprios jornais vendem porque dizem mal. Além disso, é português.

É um fator que continua a pesar?

Custa muito a Espanha nós sermos quem somos. Ele com certeza também já percebeu que está num clube diferente, o clube com mais história no mundo e não vai mudar. Tenho muitos amigos espanhóis e são incapazes de admitir. Já lhes disse para tirarem a estátua de Cibeles e porem lá uma do Cristiano Ronaldo, e eles ficam em brasa. Mas é o que têm de fazer. Ele nunca vai sentir o que um jogador gostaria de sentir num clube. Mas é aliciante para ele. É um grande profissional, mas estar num clube que se deitasse aos seus pés era pior. Ele tem de ser picado. Com o estatuto que tem, sentir aquela pressão não é mau. O Zidane é quem é e qualquer dia já querem que vá embora.

*Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.

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