Meteorologia

  • 05 MAIO 2024
Tempo
21º
MIN 16º MÁX 21º
Vozes ao Minuto

Vozes ao Minuto

Vozes com opinião. Todos os dias.

"Estamos a construir projeto aparentemente novo em cima de monte de lixo"

Carlos Pereira é o entrevistado desta semana do Vozes ao Minuto.

"Estamos a construir projeto aparentemente novo em cima de monte de lixo"
Notícias ao Minuto

07/02/17 por Inês André de Figueiredo

Política Carlos Pereira

Carlos Pereira é o responsável pelo Partido Socialista da Madeira, o homem que quer pôr fim a 40 anos de governação 'laranja' e que pretende construir uma alternativa fiável para o povo madeirense. Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o socialista acusa Miguel Albuquerque de não cumprir as promessas que fez na campanha e de não estar a contribuir para a melhoria das condições da população da Madeira. 

Como é ser líder do Partido Socialista num arquipélago onde o PSD tem 11 maiorias absolutas?

É um desafio grande. Isto não aconteceu de repente. Eu tenho tido uma participação crescente na vida pública regional e, portanto, estou a construir um projeto alternativo a essas tais maiorias absolutas. É fácil, é difícil? Eu diria que é complexo porque, de facto, essas 11 maiorias absolutas tiveram um impacto na sociedade madeirense.

A sociedade madeirense viveu nestes últimos quarenta anos sempre com uma maioria PSD e, portanto, não vou dizer que isso não tem impacto. Um dos objetivos do PS-Madeira e da minha liderança é contribuir para fazermos aquilo que é muito importante em democracia, porque a Madeira ainda não viveu e experienciou verdadeiramente aquilo que é a democracia, porque nunca teve a oportunidade de ter uma alternância na sua governação.

A Madeira ainda não viveu e experienciou verdadeiramente aquilo que é a democraciaO meu grande objetivo enquanto líder do PS-Madeira é levar o partido ao poder. Espero ser capaz de garantir que isso ocorrerá nos próximos anos.

De que forma explica a hegemonia 'laranja' na Madeira?

Há vários fatores que explicam essa hegemonia. O PSD construiu um poder tentacular na Madeira que capturou muita da sociedade e das estruturas da mesma. E, de alguma forma, espalhou o medo em muitas franjas da sociedade que condicionou a democracia. E isso levantou problemas à oposição. Aqueles que queriam e que tinham esse papel de contrariar essa hegemonia tiveram problemas porque a sociedade tinha dificuldades em expressar as suas opiniões, o que tem resultados e consequências na contabilidade dos votos no fim do dia.

Uma sociedade condicionada, instituições da sociedade capturadas e pessoas com medo de perderem o emprego, de serem perseguidas, de a sua família perder o emprego, de terem chatices e problemas numa região pequena, isso cria muitos problemas a uma atividade de oposição e julgo que teve consequências grandes nesta duração do PSD no poder.

Mas é ou não possível tirar o PSD do governo da Madeira?

Estou convencido de que é possível, desejável e que as pessoas na Região Autónoma da Madeira já compreenderam que a Madeira tem tudo a ganhar em fazer aquilo que a maior parte das regiões europeias já fez, que é ter experiência de alternativa de governação.

Não se consegue construir nada de novo em cima de um monte de lixo e é isso que o PSD-Madeira está a fazerAs pessoas começam a compreender que não é possível ter uma alternativa dentro do mesmo partido que governou durante 40 anos e que, na prática, apesar de aparentemente ter havido alteração de protagonistas, continuamos a ter as mesmas cumplicidades, problemas, ADN político e estamos a construir um projeto aparentemente novo em cima de um monte de lixo.

Não se consegue construir nada de novo em cima de um monte de lixo e é isso que o PSD-Madeira está a fazer. Tudo aquilo que fez mal ao longo dos últimos 40 anos, que tornou a Madeira absolutamente ingovernável, com uma crise económica e financeira, com uma dívida impagável de seis mil milhões de euros, o que o PSD está a fazer é esconder isso tudo debaixo do tapete e tentar construir uma coisa mais sólida em cima disso. O lixo está lá todo, as cumplicidades com a economia e com grupos económicos estão lá todas e quando tem de se decidir numa mudança efetiva, não decide.

Só alguém diferente e um partido diferente é que podem, de alguma forma, fazer essa rutura que é preciso fazer para termos uma coisa melhor. Às vezes temos de destruir algumas coisas para construir algo novo e sustentável.

Se fizermos uma comparação, o que é que os Açores têm de diferente para que o PS seja bem-sucedido?

Acho que não se pode comparar as duas realidades, são muitos distintas, desde logo porque os Açores têm nove ilhas e nove realidades diferentes. É um erro pensarmos que o que se passa em S. Miguel, por exemplo, é exatamente a mesma coisa do que o que se passa na Terceira. 

Isso permitiu que tivesse sido mais difícil ao PSD local construir aquele poder tentacular e de captura da sociedade, porque não é a mesma coisa quando temos 200 mil pessoas concentradas numa única ilha, do que quando ela está espalhada em nove ilhas. Naturalmente que é preciso não esquecer que surgiu uma figura como o Carlos César que teve a capacidade, o engenho e a habilidade para contornar esse poderio do PSD na Região Autónoma dos Açores.

Essa deve ser uma referência para o PS-Madeira e eu tenho no Carlos César uma referência nessa matéria e espero que possa seguir esses passos.

Miguel Albuquerque prometia uma liderança bastante diferente da de Alberto João Jardim. Está a cumprir?

Do ponto de vista de estilo é óbvio que sim. Miguel Albuquerque não é Alberto João Jardim e não tem a sua história. É, de facto, uma liderança diferente e nem sequer estou a caracterizar se é para melhor ou para pior.

Digamos que Miguel Albuquerque capturou o programa das oposições e apresentou-o como alternativa de governaçãoMiguel Albuquerque tinha tudo para ter feito, nestes últimos 20 meses, uma boa governação que viesse ao encontro daquilo que foram as promessas que fez em campanha eleitoral. E quero recordar que as propostas que fez na campanha foram basicamente as promessas que a oposição tinha vindo a fazer. Digamos que Miguel Albuquerque capturou o programa das oposições e apresentou-o como alternativa de governação. O povo deu-lhe maioria à tangente, por um único deputado, diz-se até que não foi totalmente transparente no final, mas isso já não interessa. A verdade é que essa vitória deu-lhe condições para implementar o seu programa e fazer um bom mandato.

Mas de que forma avalia esse mandato?

Acho que ao fim de 20 meses temos 20 meses perdidos na Região Autónoma da Madeira e que não corresponderam às expectativas, até da população em geral. Julgo que há uma forte frustração - não só naqueles que votaram em Miguel Albuquerque, mas também naqueles que não votaram – na forma como estão a ser conduzidos os destinos da Região Autónoma da Madeira.

E há três questões que me levam a dizer que estamos perante uma espécie de crise governativa. O primeiro são os resultados práticos da governação que podem ser vistos ao nível dos indicadores. Se olharmos para os indicadores hoje percebemos coisas que não nos deixam sossegados. Somos a região do país que menos cresce, a única cujo PIB diminuiu. Um dos objetivos desta governação era contrariar aquilo que era a crise económica que a Madeira tinha. Já passaram 20 meses e os resultados são os piores. O segundo indicador importante é o desemprego. Somos a região do país com maior taxa de desemprego e não fomos capazes de contrariar uma das coisas mais relevantes para a Madeira, que era a capacidade de criar emprego. Depois temos a questão da pobreza e a Madeira aparece sempre nos primeiros lugares como a região com maior risco de pobreza.

Estamos um bocadinho em contra-ciclo. Enquanto no país e nos Açores a ideia é transferir rendimentos para as pessoas, apoiar as empresas, estimular a economia, garantir a confiança das pessoas e das empresas, vemos na Madeira orçamentos que restringem essas aplicações de distribuição de rendimentos e só temos distribuição de rendimentos porque elas são obrigatórias no plano nacional.

Numa comparação adequada, os Açores têm uma política social própria, muitos milhões de euros que são distribuídos para os mais pobres, para o que os açorianos chamam o Complemento Solidário de Idosos, um subsídio de insularidade que é o dobro do nosso e em vigor. E os açorianos pagam, em média, menos mil euros de impostos do que cada madeirense.

Já estará a preparar as próximas eleições regionais. Qual é a sua maior 'arma'?

Temos duas etapas muito importantes e a primeira são as eleições autárquicas. Estas são muito importantes para o PS-Madeira porque vão permitir consolidar o papel do partido enquanto projeto alternativo. Temos hoje quatro câmaras do Partido Socialista, uma delas em coligação, e o que queremos é ter mais câmaras, vereadores, deputados municipais e juntas de freguesia. Achamos que com esses resultados que esperamos vir a ter possamos consolidar a ideia de que o PS é a única alternativa na Região Autónoma da Madeira e que está preparado para ser governo em 2019.

Tivemos crescimento económico e isso não foi feito à custa de um estrangulamento da economia conforme o PSD e o CDS advogavamAlém disso, estamos a fazer algo que julgo ser indispensável, que é credibilizar a ação política do PS, analisar os anseios, as dificuldades, os problemas, os fatores de esperança que os madeirenses têm e preparar a nossa ação política de acordo com esses mesmos indicadores.

Acredita que o trabalho feito pelo Governo nacional poderá ajudar o PS-Madeira a chegar à liderança?

Sim, porque nós [PS] somos Governo na Madeira também e com o bom trabalho que está a ser feito no plano nacional, e isso está mais ou menos claro, temos uma situação nacional de crescimento da economia e temos dado passos significativos e sólidos na gestão das contas públicas. Vamos ter o défice mais baixo dos últimos 40 anos em 2016, tivemos crescimento económico e isso não foi feito à custa de um estrangulamento da economia conforme o PSD e o CDS advogavam.

Muitas vezes os trabalhos da Assembleia regional ficam marcados por episódios insólitos, nomeadamente protagonizados por José Manuel Coelho. Estas questões descredibilizam a política que se faz na Madeira?

Descredibilizam, claro. Descredibilizam a política que se faz na Madeira, embora seja preciso compreender o que se passou na Madeira nos últimos anos. Aliás, eu fui líder parlamentar do PS na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, e fui protagonista de uma coisa que se chamava ‘Pacto para a Democracia’.

Tínhamos diplomas, processos e procedimentos que aconteciam na Assembleia, em que o Governo tinha de estar lá, e nunca ia. Nunca punha os pés na Assembleia. Pedíamos debates e eles nunca aconteciam, uma moção de censura ao governo e Alberto João Jardim não punha lá os pés. Ou seja, era um desrespeito sistemático das instituições.

Esse ‘Pacto para a Democracia’ foi uma espécie de grito, e foi visto por muitos colegas e deputados daqui como algo insólito e exótico, porque o que fizemos foi juntar a oposição e decidir que sempre que fosse um diploma à Assembleia em que era fundamental estar lá um membro do Governo, se ele não estivesse nós saíamos.

A situação era de tal forma inacreditável que isso aconteceu durante algum tempo em que o PSD aprovou propostas sem sequer discuti-las. O diploma ia à Assembleia e nós saíamos. O que é que eles faziam? Aprovavam os diplomas todos, sem discussão, sem nada.

Alberto João Jardim tinha uma qualidade, embora de um indivíduo que era um ditador, era que aplicava mesmo o poder que tinhaE é neste contexto que surge o José Manuel Coelho, em que a Assembleia funcionava assim, mas em que a sociedade no geral também funcionava desta forma. Havia uma opressão, uma captura da sociedade, as pessoas tinham medo. Alberto João Jardim tinha uma qualidade, embora de um indivíduo que era um ditador, era que aplicava mesmo o poder que tinha. Demonstrava que tinha mesmo poder, mostrava que influenciava e isso cria uma situação de instabilidade e medo.

José Manuel Coelho surge como uma espécie de caricatura de Alberto João Jardim. Entrou na Assembleia a fazer esse papel, o que teve o impacto que teve na fase inicial e que teve o mérito de chamar à atenção para aquilo que se passava na Madeira. Naturalmente que num Parlamento a atuar de forma adequada é desprestigiante continuarmos a ter aquele tipo de comportamento.

A Madeira vive muito do turismo, ainda assim muitas vezes parece subaproveitar o setor. Algarve e Lisboa são concorrência desleal?

Não, são mercados muito distintos. A Madeira é a região de turismo mais antiga do país e, portanto, tem uma tradição no turismo significativa. Os madeirenses são muito bons a receber as pessoas e reconhecem a importância que o turismo tem para eles. Haverá muito poucos madeirenses a ter qualquer tipo de observação negativa com a região se sentirem que isso pode pôr em causa a sua própria imagem turística.

Por outro lado, não devíamos concorrer com destinos como Lisboa - que é uma capital e uma cidade, que tem os seus próprios fatores de atração que não são os que nós temos - nem com o Algarve que é um mercado muito diferente do nosso.

Uma marca como Cristiano Ronaldo, que é uma marca mundial, sempre que falar no nome Madeira tem impactoSomos um destino que tem de primar pela sua singularidade e pela qualidade e excelência. Mas esse caminho está a ser feito de forma adequada? Acho que a Madeira fez um percurso do turismo que levou a obter uma maturidade no setor significativa, relevante e está numa fase em que tem de fazer uma reanálise do que quer ser no futuro. Infelizmente este governo também não está a dar estes passos.

É fundamental fazer uma aposta clara na excelência da Madeira, o que significava aumentar os preços por quarto, porque essa é uma das principais críticas que se pode fazer ao nosso turismo. Apesar do crescimento e da procura, continuamos a ter preços baixos e isso não é bom para a consolidação do destino turístico. Numa altura em que há muita procura, e em que temos uma oferta relativamente estável, possamos apostar no reforço da excelência e qualidade para podermos garantir melhorias.

Qual a relevância do vosso maior embaixador, Cristiano Ronaldo?

Acho que a relevância é muita. Tem impacto, desde logo, no nosso orgulho regional, mas, além disso, tenho reparado que tem havido uma tentativa de Cristiano Ronaldo promover o destino Madeira sempre que possível. Uma marca como Cristiano Ronaldo, que é uma marca mundial, sempre que falar no nome Madeira tem impacto. E, sendo a Madeira uma região turística, tem impacto nas decisões e opções das pessoas.

Por outro lado, a Madeira tem sido fustigada por fenómenos naturais, como incêndios e cheias. O que não nos mata torna-nos mais fortes?

Acho que temos sido fustigados por incêndios e cheias, mas não sei se temos sido capazes - aqueles que têm responsabilidades do ponto de vista da gestão e do planeamento da região - de aproveitar esses exemplos e essas situações.

Gostaria de acreditar que estamos mais preparados do que nunca para este tipo de fenómenos mas infelizmente acho que não, que não aprendemos nada com um conjunto de circunstâncias que nos ocorreram e que foram potenciadas por erros humanos e opções políticas que aconteceram na Madeira.

Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.

Campo obrigatório