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Vozes ao Minuto: "Os polícias não são racistas, pautam-se pelo cumprimento da lei"

Vozes ao Minuto: O presidente do Sindicato Unificado de Polícia, Ernesto Peixoto Rodrigues, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

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Patrícia Martins Carvalho
16/04/2019 09:30 ‧ 16/04/2019 por Patrícia Martins Carvalho

País

Peixoto Rodrigues

A falta de atenção dada aos problemas dos polícias levou Ernesto Peixoto Rodrigues, presidente do Sindicato Unificado de Polícia, a fazer uma greve de fome no passado mês de março.

Apesar de ter sido hospitalizado na sequência desta atitude "radical", Peixoto Rodrigues não se arrepende, pois, afirma, é preciso alertar a sociedade para aquelas que são as condições em que os agentes trabalham diariamente.

Esquadras com ratos e baratas, viaturas paradas e falta de apoio legislativo são apenas alguns dos problemas que o sindicalista aponta em entrevista ao Notícias ao Minuto.

De referir que a presente entrevista foi realizada na semana anterior a saber-se que Peixoto Rodrigues integraria a lista da coligação Basta às eleições europeias de 26 de maio, razão pela qual o tema não foi abordado.

No entanto, em declarações posteriores ao nosso site, o sindicalista explicou que decidiu aceitar o convite de André Ventura porque os "polícias não se sentem representados" pelos eurodeputados que atualmente compõem o Parlamento Europeu que, na sua opinião, "fazem parte de um grupo elitista".

"É altura de o povo estar representado no Parlamento Europeu", explicou

Fez uma greve de fome que o levou a ser hospitalizado. Conseguiu ser recebido pelo ministro da Administração Interna? 

Não. Fui contactado pelo gabinete do ministro com vista ao agendamento de uma reunião, mas ainda não há datas. 

Como é que surgiu a ideia de fazer uma greve de fome? 

Há muito tempo que pensávamos em tomar uma medida mais radical. 

Neste momento não sabemos se temos um ministro da Administração Interna ou um ministro dos Bombeiros e da Proteção Civil 

Por que razão sentiu a necessidade de tomar esta medida? 

Porque desde que este ministro tomou posse só nos reunimos uma vez e foi para apresentação de cumprimentos. Deixámos o nosso caderno reivindicativo, fomos enviando ofícios e o ministro pura e simplesmente ignorou. Neste momento não sabemos se temos um ministro da Administração Interna ou um ministro dos Bombeiros e da Proteção Civil. 

As estruturas sindicais da polícia estão a ser “ignoradas”? 

Claramente e o ministro não se pode esquecer que sob a sua tutela existem outras entidades que precisam de ver os seus problemas resolvidos. 

Que problemas são estes? 

Por exemplo, e o que me levou a fazer a greve de fome, é o facto de o Governo ignorar a decisão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) que reconhece aos polícias o pagamento dos suplementos no período de férias. E o Governo até reconhece essa decisão porque está prevista para o ano de 2019, mas desde 2010 que devia ter sido aplicada e não foi. Nós só queremos que o Governo reconheça o direito de os polícias receberem os suplementos no período de férias desde 2010. 

Os polícias reveem-se na luta dos professores? 

Sim, porque o congelamento do tempo de serviço também afeta os polícias. Há a perspetiva de que o Governo possa vir, eventualmente, a reconhecer esse tempo perdido, mas também não queremos que sejam apenas dois anos e nove meses. Nós estamos a falar de um período de congelamento desde 2005. 

Que mais reivindicações faz o sindicato? 

Temos também o problema dos nossos colegas que se aposentaram entre 2014 e 2015 e a quem foi aplicado o fator de sustentabilidade numa percentagem de 13,74% o que, em termos práticos, provoca uma diminuição efetiva da pensão. Antes e depois desse período não foi aplicado esse fator de sustentabilidade e o Tribunal Constitucional (TC) já reconheceu essa norma como inconstitucional e que o Governo deve, desde 2013, recalcular as pensões destes profissionais. 

Os polícias estão diminuídos em relação a outros setores da administração pública que têm direito à greve. Os polícias são tratados como cidadãos de terceira classe

Mas já uma indicação do Executivo à Caixa Geral de Aposentações nesse sentido. 

Pois já, mas se o Governo acatou a decisão do TC, porque é que não acata a decisão do STA relativamente aos suplementos dos polícias? 

Porquê? 

Não sei. Será porque esta é uma decisão que diz respeito apenas aos polícias e a do TC é mais abrangente e haverá pessoas com alguma importância noutros setores da sociedade que estejam a ser abrangidas por esta decisão? É uma questão que fica no ar… Mas o que eu digo é que o Estado, como pessoa de bem, deveria acatar a decisão do STA sem que os polícias tenham que intentar ações judiciais para conseguirem reaver um direito que já lhes é reconhecido. 

Considera que o poder reivindicativo dos polícias fica reduzido uma vez que estão impedidos por lei de fazerem greve? 

Claro, teríamos outra força na mesa de negociações. E mais. Os polícias estão diminuídos em relação a outros setores da administração pública que têm direito à greve e que através desse exercício têm conseguido alcançar os seus objetivos. Os polícias não, são tratados como cidadãos de terceira classe. 

Mas podem manifestar-se, desde que não estejam fardados. 

Sim, mas mesmo nessa questão há pontos de vista distintos. A lei diz que os polícias não se podem manifestar uniformizados em manifestações de cariz político. O nosso entendimento é que as nossas manifestações são de cariz sindical, não político. 

Não foi esse o entendimento do Tribunal Cível de Lisboa relativamente à última manifestação. 

Pois não e nós sabemos que se pudéssemos fazê-lo fardados o impacto seria outro. O que lamentamos é que os sucessivos governos, através de mecanismos legislativos, têm bloqueado de alguma forma as ações das associações sindicais dos polícias, tal como está a acontecer agora. 

Ao que se refere? 

Ao facto de estar em cima da mesa uma proposta do PS – que foi ‘cozinhada com o PSD’ – para limitar ainda mais a atividade sindical. 

Limitar em que medida? 

O que o PS pretende é limitar o direito aos créditos sindicais. Se os dirigentes de uma estrutura sindical não tiverem direito a créditos praticamente é a mesma coisa que dizerem ‘fechem a porta’. 

A verdade é que os polícias são discriminados, mesmo em relação a outros elementos das forças de segurançaEstes créditos são o que permite a atividade sindical? 

Em boa medida sim. A lei estipula que cada dirigente sindical tem direito a quatro créditos mensais remunerados [quatro dias de ausência na função policial que não são descontados do salário] e os delegados sindicais têm direito a 12 horas mensais. Se tivermos uma estrutura sindical sem direito a créditos a nossa capacidade de ação vai diminuir ou praticamente deixar de existir. A verdade é que os polícias são discriminados, mesmo em relação a outros elementos das forças de segurança. 

Discriminados? 

Sim, os polícias recebem o suplemento das forças de segurança, os profissionais da PJ e do SEF recebem um suplemento equivalente mas que tem outro nome. O problema aqui é a diferença monetária. 

Estamos a falar de que valores? 

Para os polícias, este suplemento é de 20% sobre o salário de cada agente. Para o SEF é de 25%. O que o MAI diz é que o do SEF é de 25%, mas é sobre o salário mais baixo. Eu sei disso. O problema é que o salário mais baixo de um inspetor do SEF é de 1.618 euros, ou seja, estamos a falar de um suplemento de 404 euros. 

Os polícias arriscam diariamente a sua vida, são diariamente agredidos e depois não há reconhecimento da sua importância por parte do Estado  Qual é o salário mais baixo de um elemento da PSP? 

É de 789 euros, ou seja, aplicando o suplemento de 20% estamos a falar de 157 euros. É uma grande disparidade e um enorme tratamento desigual se tivermos em conta que os polícias arriscam diariamente a sua vida, são diariamente agredidos e depois não há reconhecimento da sua importância por parte do Estado. 

Que suplementos recebe um polícia? 

Recebe o de turno e o de patrulha que, cumulativamente, são de cerca de 200 euros. Mas se estivermos a falar dos inspetores do SEF o valor é de, no mínimo, 400 euros. Aí está mais um tratamento desigual para com uma força que tem a importância que tem para a segurança do país. 

No seu entender, por que razão existe esta “desigualdade”? 

Porque os polícias, como não têm direito à greve, não têm a mesma força reivindicativa e, por isso, não conseguem que o Governo olhe para eles como cidadãos de primeira e sejam vistos como mão-de-obra barata. 

Hoje os polícias só se reformam aos 60 anos. Quem trabalhou uma vida inteira por turnos e sujeito ao desgaste de uma profissão como esta não tem condições para exercer funções aos 60 anosFace a tudo isto, o que move um polícia? O amor à camisola? 

Antigamente sim, porque os polícias tinham regalias que hoje já não têm. Quando eu entrei para a PSP disseram-me que me podia reformar ao fim de 36 anos de serviço, independentemente da idade. Hoje os polícias só se reformam aos 60 anos. Quem trabalhou uma vida inteira por turnos e sujeito ao desgaste de uma profissão como esta não tem condições para exercer funções aos 60 anos. 

Mas não é isso que o estatuto prevê. 

Em termos estatutários está previsto que aos 55 anos de idade e 36 de serviço se possa passar à pré-reforma, mas isto é só na teoria, porque na prática não há nenhum polícia que passe à pré-aposentação nestes termos. Aliás, atualmente só se passa para a pré-aposentação em duas situações: ou por motivos de saúde ou por limite de idade que é os 60 anos. 

Temos viaturas paradas e instalações que não oferecem condições nem aos polícias, nem aos cidadãos que lá se deslocam… recentemente a esquadra de Carnide foi encerrada por ter baratas e ratosO estatuto não está a ser aplicado porquê? 

Porque os sucessivos Orçamentos do Estado têm bloqueado essa situação. Para o OE deste ano foi cativado 30% do orçamento para a polícia. 

Esta cativação dificulta aquele que é o trabalho diário dos polícias? 

Tendo em conta que temos viaturas paradas e instalações que não oferecem condições nem aos polícias, nem aos cidadãos que lá se deslocam… recentemente a esquadra de Carnide foi encerrada por ter baratas e ratos. Já para não falar que em termos legislativos não há uma proteção eficaz aos agentes que continuam a ser diariamente agredidos. 

É um problema de legislação? 

Sim, porque a legislação que pune os agressores é demasiado branda e não é dissuasora. O que as pessoas têm de perceber é que quando um agente é agredido é o Estado de Direito que é agredido e, por isso, é preciso uma ação mais punitiva para com os que prevaricam. 

Isto leva à existência de um sentimento de impunidade? 

Claro, os polícias sentem-se de alguma forma impotentes porque veem que existe um setor da sociedade que os agride, os enxovalha e nada acontece. É desmotivante. 

Muitas vezes os polícias são chamados a determinados bairros naquilo que são armadilhas e acabam agredidos, apedrejados e filmados quando reagem para depois os vídeos circularem nas redes sociais e passarem a imagem de que as pessoas dos bairros são vítimas Refere-se a situações como a que teve lugar no Bairro da Jamaica? 

Essa foi só mais uma das situações que existem diariamente nos diversos bairros em que a polícia é chamada a intervir. É preciso que se diga que muitas vezes os polícias são chamados a determinados bairros naquilo que são armadilhas e acabam agredidos, apedrejados e filmados quando reagem para depois os vídeos circularem nas redes sociais e passarem a imagem de que as pessoas dos bairros são vítimas. 

À semelhança do chamado caso da esquadra de Alfragide, os polícias foram, mais uma vez, acusados de racismo. Os polícias são racistas? 

Não. O que acontece é que as pessoas de determinada etnia que cometem crimes acusam os polícias de serem racistas para, assim, menorizarem os seus erros. A atuação da polícia não se pauta pelo racismo, mas sim pelo cumprimento da lei. 

O que houve foi um aproveitamento político por parte do Bloco de Esquerda que, não sabemos porquê, mas parece ter algo contra os polícias

Mas algumas das críticas que foram feitas, inclusivamente por alguns setores da política, apontavam uma diferença na intervenção policial quando esta é feita em bairros como o da Jamaica. 

A atuação da polícia é igual seja num bairro onde a maioria das pessoas é negra, como no Bairro da Jamaica, seja num outro bairro qualquer onde a maioria das pessoas seja branca. O que houve foi um aproveitamento político por parte do Bloco de Esquerda que, não sabemos porquê, mas parece ter algo contra os polícias. Aliás, por parte deste partido os polícias nem sequer andavam armados. 

Seria uma opção viável? 

Claro que não. Em qualquer momento há necessidade de uma intervenção armada e um polícia desarmado era ineficaz, servia só de figura decorativa. As pessoas não podem e não devem ter medo do polícia armado. Aliás, por norma, quem tem receio da presença do polícia são as pessoas que não querem cumprir as leis e as normas do país. Um cidadão de bem quer, de facto, a polícia por perto. 

O senhor Presidente é livre de ir onde quiser, mas a verdade que se pôs ao lado de pessoas que cometem crimes

Como é que os polícias viram a ida do Presidente da República ao Bairro da Jamaica? 

O sinal que o senhor Presidente deu, não o deveria ter dado. 

Que sinal foi esse? 

Foi um sinal de distanciamento em relação a quem devia estar próximo, que são as forças de segurança. 

Os polícias viram a atitude do Presidente como uma tomada de posição? 

O senhor Presidente é livre de ir onde quiser, mas a verdade que se pôs ao lado de pessoas que cometem crimes. 

E os agentes ressentiram-se… 

Sim, de facto. Os polícias também precisam do apoio do Presidente da República. Também gostariam que o senhor Presidente se deslocasse a algumas esquadras para ver as condições em que eles trabalham.  E isso não acontece. 

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