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2017. Entre o amargo dos fogos e o bombom Centeno, Passos fez as malas

Que momentos políticos marcaram o ano que agora finda?

2017. Entre o amargo dos fogos e o bombom Centeno, Passos fez as malas
Notícias ao Minuto

08:55 - 31/12/17 por Melissa Lopes e Inês André de Figueiredo

Política 2017 em Revista

António Costa apelidou-o de “um ano particularmente saboroso”. Tal frase, retirada do contexto – o dos triunfos orçamentais – gerou de imediato uma chuva de críticas. É que o ano do CR7 das Finanças, foi também o ano das tragédias mais negras de que há memória: os incêndios de Pedrógão Grande e os de 15 de outubro tiraram a vida a 110 pessoas e deixaram uma mágoa no país que o tempo jamais apagará.

O ano político ficou irremediavelmente afetado pelas tragédias vividas, a 17 de junho, e depois a 15 de outubro. Dois picos trágicos que culminaram com a demissão da então ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa.

O politólogo Carlos Jalali não tem dúvidas ao eleger os incêndios um dos momentos do ano. Já José Adelino Maltez considera que a tragédia tem vindo a ser esquecida e que ainda se esperam os seus efeitos políticos. 

O ano do melhor défice orçamental da história da nossa democracia e da recuperação de rendimentos mereceu destaque dos politólogos ouvidos pelo Notícias ao Minuto, sendo que Adelino Maltez acredita que a eleição de Mário Centeno para presidente do Eurogrupo foi o grande momento do ano. 

Não menos importante, no espectro político, foram as eleições autárquicas, que abriram caminho para a saída de Pedro Passos Coelho. As diretas do PSD, que se realizam logo no início do ano, valeram um comentário por parte dos politólogos, com Carlos Jalali a preferir realçar as eleições locais. 

A opinião do politólogo Carlos Jalali

Incêndios

"É evidente que uma tragédia com aquela magnitude, aquela mortalidade, tem consequências políticas. As responsabilidades não advêm unicamente deste Governo – a questão do ordenamento do território é muito antiga - , mas este é o Governo que está em funções e que é responsável por aquilo que acontece. A responsabilidade é para o bem e para o mal. Há aqui um aspeto importante que é o facto de a tragédia de Pedrógão, que se tinha avaliado como irrepetível, e depois acabar por haver uma nova tragédia em outubro. E isso acaba por marcar significativamente a imagem política do Estado e do Governo.

Há um novo ciclo político após o segundo incêndio e isso reflete, também, a relação entre o Presidente da República e o Governo. Há uma posição mais vigilante do Presidente. Marcelo em 2016 tinha dito que depois das autárquicas que ia haver um novo ciclo político. Não foram necessariamente as autárquicas que inauguraram esse ciclo, foram os incêndios que ocorreram duas semanas depois das eleições.

São tragédias que afetam a imagem do Governo. Obviamente que [a imagem] foi penalizada, como aconteceria com qualquer governo em funções. As dinâmicas da Geringonça não creio que tenham a ver diretamente com a questão dos incêndios. Há uma série de outras questões que têm influenciado a relação entre os parceiros da maioria parlamentar, mas não diria que tenham sido diretamente os incêndios. É mais um fator mas não é uma questão que gere divisões na maioria parlamentar.

O défice orçamental de 2%, o melhor da história da nossa democracia e, a partir daí, a subida do rating

É a face dourada do ano político para o Governo. O primeiro-ministro disse que este era um ano saboroso … bem, esta é a parte saborosa para o Governo. Depois há um lado amargo, também, que são os incêndios. Juntando os dois, [os incêndios e os triunfos económicos] se calhar, foi um ano agridoce.

Efetivamente, é o ano do melhor desempenho de consolidação orçamental, muito acima das previsões nacionais, a saída por procedimento por défice excessivo, o rating da dívida pública sobe. Isto num contexto em que, no início do ano, o debate político que se fazia era se ‘vinha aí o diabo’. O diabo não veio e, efetivamente, os resultados durante o ano de 2017 superaram as previsões iniciais do Governo. E isso acaba por acontecer apesar de haver algum alívio da austeridade com o fim da sobretaxa do IRS, algum aumento das despesas sociais, com uma queda do desemprego, com algum crescimento económico, fatores que ajudam. Há uma série de indicadores económicos positivos e que também acontecem com um contexto de exportações, com a balança comercial positiva, coisas que vêm, aliás, do governo anterior.

As boas notícias em termos económicos não significam que devamos estar inteiramente despreocupados em relação ao futuro, convém relembrar que este procedimento por défice excessivo, que agora terminou, foi o terceiro que Portugal teve desde 2002. Os outros dois, quando acabaram, dois anos depois iniciaram-se outros.

Além disso, continuamos a ter uma dívida pública muito alta, o que vai exigir um compromisso muito prolongado ao longo de vários ciclos políticos até que se consiga atingir níveis recomendados na União Europeia. De 120% para chegar a 60% vai demorar, de acordo com as previsões do Governo e mantendo este ritmo, até 2032. Vai ser um desafio importante no contexto em que estamos com um tipo de debate público bastante tenso. Depois, decorrente dos sucessos económicos, a eleição de Mário Centeno para o Eurogrupo.

As eleições autárquicas

As eleições autárquicas são importantes per si. Temos tendência para negligenciar o poder autárquico. Este poder é a dimensão política mais próxima dos cidadãos. No futebol, costuma dizer-se que a Taça de Portugal é a festa do futebol e as autárquicas são um bocadinho o análogo.

As autárquicas envolvem um grande número de cidadãos. Só para ter candidatos é preciso dezenas de pessoas mobilizadas. É um nível de participação que vale a pena destacar. Merecem destaque por aí e não tanto pelas leituras nacionais que acabam por acontecer. Lembramo-nos do poder local quando há eleições autárquicas, e acho que é importante lembrar-nos também pelas dinâmicas locais que acontecem nos vários concelhos e freguesias do país.

A demissão de Passos Coelho, que marca o fim de um período importante quer da nossa democracia quer do PSD

Vamos ver se é o adeus definitivo ou não. Eu suspeito que não. Pedro Passos Coelho ainda terá um futuro político depois desta saída. Vamos ver. É importante relembrar aqui a figura de Pedro Passos Coelho. 2017 marca o fim de um ciclo dentro do PSD e dentro da própria governação em Portugal. Dentro do PSD, Passos acaba por ser um líder que marca o partido pós Barroso, eventualmente pós Cavaco Silva, (Passos é o líder que mais tempo fica no PSD desde Cavaco Silva) e sobretudo depois de um o período de grande instabilidade no partido desde 2004, em que houve uma sucessão de líderes: Marques Mendes, Ferreira Leite, Menezes, etc.

Passos marca um ciclo importante também na política nacional. Foi primeiro-ministro numa altura particularmente difícil. Por fim, marca também o tipo de posição política que não sei se vamos ter a partir daqui com a nova liderança. O discurso do equilíbrio das contas públicas muito vincado, de, inversamente, redução das despesas sociais, é um discurso de posicionamento mais à Direita que não tivemos de forma tão vincada anteriormente. Será interessante ver até que ponto esse posicionamento se vai manter após Passos e que tipo de impacto deixa.

Há um fechar de um ciclo. O futuro político de Passos não acaba aqui. Todos os ex-primeiros ministros têm um futuro político potencial presidencial. Quando acabar o ciclo de Marcelo, não seria surpreendente ver Passos no lote de potenciais presidenciáveis ou num ciclo futuro.

Futebolização do discurso político em Portugal

Sabemos que os programas de análise de futebol têm um discurso extremamente sectário, com uma manipulação dos factos e dos dados que servem o autointeresse e com um discurso que é agressivo sem ser esclarecedor para o espectador. Mas isso é o futebol, que é das coisas não importantes da vida. Se calhar, a mais importante das não importantes, mas não é algo que determina decisões coletivas.

O que vemos é que o debate político está a ser permeado por esse tipo de discurso que é extremamente agressivo, que está suscetível a manipular elementos para servir interesses partidários próprios e que acaba por gerar uma tensão no debate coletivo que não esclarece os cidadãos e acaba por afastá-los ainda mais, acaba por ser regido não pela perspetiva do interesse coletivo mas sim pelos interesses partidários e/ou pessoais de curto prazo. Esta é uma tendência que deve ser tida em conta pela nossa classe política, até porque este tipo de debate pode servir para políticos de curto prazo mas a longo prazo o que faz é afastar os eleitores da política e isso não é um bom resultado para nenhum partido.

A opinião do politólogo José Adelino Maltez

Manutenção da 'Geringonça' e Centeno no Eurogrupo

Não há momentos, há processos. O que este ano aconteceu foi, sobretudo, a manutenção deste tipo de Governo, isto é, funcionaram os mecanismos do contrato que permitiu a manutenção do Governo de Costa com o apoio parlamentar do PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes.

Isso foi inserido num contexto ainda mais importante que é o sistema de vigilância europeia, face à execução do Orçamento do Estado, ter levado o ministro das Finanças português a um lugar de destaque no contexto do sistema do euro.

Não foi um momento, foi um todo e, como a nossa independência é uma gestão de dependências, correu muito bem em termos de política europeia. A eleição de Centeno foi o principal momento.

Incêndios

Já nos esquecemos [dos incêndios]. São flashs, porque o essencial na questão política é o que alteramos nesse processo e ainda estamos à espera.

Estamos numa comunidade nacional um bocado deslaçada e isso leva-nos a esquecer mesmo as tragédias como foram os incêndios.

Costa, Marcelo e... a Europa

Eu gosto de ver a médios e longos prazos e a médios prazos o que meditei foi a vitória política deste equilíbrio - Costa e Marcelo - duas maiorias que funcionaram.

O povo penetra no sistema político através das eleições presidenciais e do Parlamento, elas conjugaram-se e a Europa reconheceu esse valor. Saímos da depressão, este é o ano em que saímos da depressão. As pessoas sentem ou não sentem, vão ao IRS e veem quanto ganharam ou perderam no tempo da austeridade.

Tivemos um ano menos mau porque a Europa o permitiu e eu não sei prever a evolução da política europeia.

O futuro e as diretas do PSD

Quero saber quantos portugueses vão votar [nas diretas PSD]. Estou curioso para ver se há mobilização, qualquer um deles é aquilo que eles têm demonstrado. A expressão banal serve para qualificar esta disputa que não tem entusiasmado os portugueses.

A última disputa interna foi entre o Seguro e o Costa e teve muito mais dimensão. Tudo isto é reduzido a duas ou três conversas no ambiente ritual deles. Banal, banal. Não têm lançado uma ideia nova minimamente mobilizante.

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