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A relação com Marcelo, a pergunta não respondida e o que é "urgente"

O primeiro-ministro António Costa concedeu, na última noite à cadeia de televisão de Queluz, a primeira grande entrevista após mais uma tragédia provocada pelos incêndios e que vitimou mais de 40 pessoas.

A relação com Marcelo, a pergunta não respondida e o que é "urgente"
Notícias ao Minuto

20:45 - 29/10/17 por Pedro Filipe Pina

Política António Costa

A partir do quartel de bombeiros de Pampilhosa da Serra, o chefe do Governo foi entrevistado nesta noite de domingo, na antena da TVI.

António Costa falou sobre o Presidente da República, sobre a tragédia dos incêndios, sobre a "urgência" na resposta a dar a quem foi afetado pela tragédia, mas também sobre os "riscos" que ainda há e o que há a fazer a longo prazo.

E deixou ainda uma questão sem resposta. A razão? "O primeiro-ministro deve dar para um bom relacionamento institucional e não comentar a atividade do Presidente da República".

O Notícias ao Minuto acompanhou a entrevista, destacando os momentos e as frases mais marcantes.

"Mãos à obra"

"O que acho absolutamente prioritário é o esforço para reconstruir estes territórios, em toda a sua dimensão". "Nós só podemos reconstruir a esperança se conseguirmos realizar a obra" e "concretizar o esforço de reconstrução" que está a ser feito. O que temos a fazer, resumiu Costa, é pôr mãos à obra".

Questionado sobre o que há a dizer a quem perdeu tanto na sequência das tragédias, o primeiro-ministro respondeu que acha que “o que as pessoas hoje exigem é respostas concretas, mais do que palavras. As palavras estão ditas. Aquilo que é necessário fazer é o que ficou por fazer", nomeadamente "nos diferentes tempos em que é necessário intervir".

"Para já", acrescentou, ao nível da "emergência": "Acorrer a pessoas que ficaram sem meios de subsistência e que é preciso assegurar o apoio, a emergência relativamente ao socorro das pessoas que estão feridas, emergência na construção da habitação, a urgência no alimento para os animais que perderam o pasto, a emergência para que as empresas que foram afetadas se possam reconstruir e manter os postos de trabalho, essa é a emergência".

"Revolta" e "determinação"

António Costa foi igualmente questionado sobre o momento vivido pelas pessoas afetadas na sequência dos incêndios. A este propósito, o governante admitiu "que as pessoas estão obviamente revoltadas relativamente a tudo o que aconteceu", mas, revelou, tem sentido em todas as populações "sobretudo determinação" em "fazer face a esta situação e em resolvê-la para melhor".

A este propósito, acrescentou ainda Costa, que "hoje há uma consciência muito grande de que não podemos voltar a reconstruir fazendo o território como ele estava". Caso contrário criam-se "condições" para que outras tragédias sucedam.

"O que temos de fazer é o que é urgente no imediato, mas também fazer a reforma que é difícil fazer", destacou.

O que falhou

O jornalista da TVI confrontou de seguida o chefe do Executivo sobre "o recuo" ao nível dos meios de combate a incêndios disponíveis para responder aos fogos de outubro, que precipitaram a morte de 45 pessoas e resultaram na segunda grande tragédia vivida após Pedrogão. 

"É manifesto hoje que houve uma subestimação dos riscos da primeira quinzena de outubro e que, aliás, se mantêm até este momento. Nós estamos com as temperaturas que estamos. Os meios entretanto foram reforçados. E houve seguramente carência de meios", garantiu.

Porém, ouvindo populações, autarcas e responsáveis de corporações de bombeiros, "também todos temos bem a noção da excecionalidade do que aconteceu na noite de dia 15 de outubro", vincou, aludindo ao impacto do furacão Ofélia e aos ventos que se fizeram então sentir.

Como figura de Estado, e perante "a escalada do número de mortes, ponderou demitir-se", questionou o jornalista. "Não", respondeu Costa, justificando que "aquilo que tem estado no centro das minhas preocupações desde o dia 17 de junho [altura da tragédia de Pedrógão Grande] é precisamente responder a esta situação".

Sobre Marcelo, "da minha parte não há crispação nenhuma"

A relação entre o Governo e o Presidente da República, que na última semana valeu troca de palavras à volta do "choque" provocado pela tragédia, foi também focada na entrevista.

Sobre isto, e questionado sobre se se sentiu traído, António Costa defendeu-se, deixando uma achega a um outro Presidente da República: "O primeiro-ministro, como é evidente, não faz análise política. E, como eu já disse várias vezes, e como ele [Marcelo] tem dito, as minhas conversas com o Presidente da República são conversas entre nós e que não são para ser tornadas públicas, nem agora nem em futuro livro de memórias", no que pode ser lido como uma crítica ao livro de Cavaco Silva sobre o seu tempo no cargo, e no qual são reveladas conversas que manteve com José Sócrates.

"Da minha parte não há crispação nenhuma", disse ainda, acrescentando: "Este é aliás o segundo Presidente da República com quem este Governo trabalha. Com o anterior Presidente as coisas até começaram de uma forma muito difícil. Como é sabido, o professor Cavaco resistiu bastante a empossar este Governo. Mas a partir do momento em que o Governo entrou em funções, tivemos uma relação institucional de excelência", salientou.

Instado a comparar as relações com o atual e o anterior chefe de Estado, Costa admitiu que a atual até será "melhor". "Ao fim de dois anos em convívio e trabalho em conjunto, obviamente que as pessoas vão estreitando relações". Além do mais, "é público, conhecemo-nos há muitos anos", relembrou sobre a sua relação pessoal com Marcelo.

"Chocado" com o discurso de Marcelo?

"Um dos bons contributos que o primeiro-ministro deve dar para um bom relacionamento institucional é não comentar a atividade do Presidente da República. Não me compete a mim fazer. Não o irei fazer (...). Sinceramente o que acho que interessa ao cidadão é que o primeiro-ministro tenha com o Presidente da República uma relação franca, leal, de cooperação institucional, que tem sido muito saudável para o país e que seria uma enorme perda caso fosse prejudicada", respondeu, sustentando que terá com qualquer Presidente "sempre essa relação de lealdade".

"O país já tem um excesso de problemas para acrescentar problemas institucionais ao que já existe. Já chega o que há", defendeu Costa.

Questionado sobre a intenção de manter a ex-ministra Constança Urbano de Sousa no cargo e se não foi mesmo o discurso de Marcelo a precipitar o pedido de demissão da governante, o primeiro-ministro foi taxativo: "Não lhe vou responder a essa pergunta".

A demissão da ministra, "não é o tema relevante hoje em dia"

"Acho que a senhora ministra da Administração Interna fez o trabalho que tinha combinado fazer, que era preparar as reformas e os documentos que foram aprovados no Conselho de Ministros [extraordinário] no sábado seguinte". 

Constança Urbano de Sousa, frisou Costa, "entendeu, numa circunstância própria, que não tinha mais condições para exercer as suas funções, e em termos em que não pude negar-lhe o direito de ser libertada das suas funções. E assim foi", resumiu.

Perante segunda insistência do jornalista, sobre se o discurso de Marcelo precipitou, ou não, a demissão da ministra, Costa voltou a reafirmar que não respondia à questão, tendo acrescentado que considera que este "não é o tema relevante hoje em dia".

Marcelo diferente com mudança na liderança do PSD à vista?

O jornalista da TVI questionou ainda se haveria alguma "coincidência" entre uma eventual mudança de relações entre o Governo e Marcelo e a corrida à liderança do PSD, agora que Passos Coelho está de saída. "Acho que seria absolutamente impensável estabelecer qualquer relação entre a ação do Presidente da República e o que é que se passa na vida interna do PSD", respondeu.

"Não me passa sequer pela cabeça tal hipótese. Acho que devemos todos fazer um grande esforço de nos concentrarmos sobre a realidade e perdermos menos tempo na ficção política", advogou.

Dar resposta às empresas e ao despovoamento

"Faltando as empresas, falta o emprego. E, faltando o emprego, faltam as condições para as pessoas se fixarem no território. Se nós queremos não só travar como inverter a lógica do despovoamento, a primeira resposta tem de ser o apoio às empresas, a par do apoio à habitação" e aos agricultores, destacou Costa, lembrando que há linhas de apoio abertas de 25 milhões de euros abertas até janeiro.

Apoios serão problema para o défice?

"Estamos convencidos que não", não só porque se trata de uma situação "excecional", que merecerá um tratamento diferente por parte de Bruxelas porque estão em causa "mecanismos de apoio que não contam para o défice" e porque o Governo tem feito "um esforço acrescido na gestão orçamental em outras áreas para poder responder" à situação.

Mas "claro que não podemos abandonar o objetivo de ter finanças públicas sãs, felizmente estamos a conseguir alcançar os nossos objetivos, mas não podemos em nome do défice e em nome de uma obsessão relativamente às garantias do défice, não fazer o que é necessário fazer". 

Sobre o SIRESP e as suas falhas

As falhas no sistema de comunicações foram, desde Pedrógão Grande, uma das matérias que mais críticas e apreensão suscitou. Costa afirmou que o Executivo "não nacionalizou o SIRESP. Nós decidimos tomar uma posição acionista para criarmos melhores condições" para os investimentos que há a fazer para evitar as falhas.

"Como é evidente, toda aquela rede de comunicações assenta muito na rede fixa da PT. Ora, sobretudo em zonas de risco de incêndio e perante calamidades destas, quando colapsa a rede fixa, colapsam as comunicações suportadas naquela rede", realçou, justificando a importância de redundância e admitindo também a eventual modernização tecnológica.

É possível garantir que não voltamos a ter uma tragédia como a deste verão?

"É possível garantir que vamos todos fazer tudo para que nada se repita. E a melhor forma de o cumprir é assegurar o compromisso para que nada fique como antes. Agora ninguém pode responsavelmente desvalorizar o risco que existe, e que é importante que os cidadãos tenham consciência do risco que existe".

A este respeito, Costa lembrou ainda os vários "problemas" que existem: O desordenamento da floresta, o despovoamento do interior, as alterações climáticas "e temos também, como o relatório da comissão técnica independente enunciou bem, um problema relativamente ao nosso sistema de prevenção e combate aos incêndios".

"Nós temos de conseguir aquilo que leva tempo a produzir efeitos, tomando também as medidas imediatas que reforcem desde já a segurança". Há, portanto, "áreas prioritárias onde para o ano nós já temos de ter o novo sistema a funcionar, de forma a aumentar a resistência e a diminuir o risco de podermos ter tragédias como esta", concluiu António Costa, na primeira grande entrevista após mais uma grande tragédia que vestiu o Centro do país de negro e deixou, infelizmente, um rasto de 45 vítimas mortais.

[Notícia atualizada às 22h00]

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