Revolução, pratos de bacalhau e a lei de Miranda que não foi necessária

O constitucionalista Jorge Miranda preparou a lei que daria à Assembleia Constituinte plenos poderes, caso se consumasse uma divisão no país no Verão Quente de 1975 e fosse necessário o parlamento transferir-se de Lisboa para o Porto.

Notícia

© Blas Manuel

Lusa
28/10/2023 14:51 ‧ 28/10/2023 por Lusa

Política

Política

O episódio é narrado ao pormenor no livro "Passos da Vida, Passos da Constituição -- Uma autobiografia" (ed. Almedina) pelo próprio Jorge Miranda, deputado do PSD à Assembleia Constituinte, saída das primeiras eleições livres em Portugal, em abril de 1975, com a missão única de redigir e aprovar uma Constituição para o país, depois da revolução de 25 de Abril de 1974, que pôs fim a 48 anos de ditadura.

Conta que o país vivia em turbulência a revolução, com manifestações quase diárias e até um cerco ao parlamento, em 12 de novembro de 1975, por trabalhadores da construção civil.

Jorge Miranda estava lá e recorda que foram horas e horas de tensão e uma noite mal dormida e quase sem comer, nos corredores São Bento.

Quando o cerco acabou, a meio da tarde de dia 13, Jorge Miranda saiu debaixo de apupos, que contratavam, conta, com os aplausos aos deputados do PCP. Apanhou um táxi, chegou a casa em "péssimo estado, sujo e faminto": "Lancei-me a comer sofregamente dois pratos de bacalhau que me pareceram deliciosos."

Com a revolução a guinar à esquerda, Jorge Miranda conta que, ainda estava a tentar descansar, quando foi chamado à sede do PS, em Lisboa, para uma reunião com deputados do PS, PSD e CDS. Temiam-se graves perturbações nos dias seguintes, manifestações da esquerda e até "uma tentativa de golpe de Estado".

Os líderes do PS, Mário Soares, do PSD, Sá Carneiro, e CDS, Freitas do Amaral, já tinham acordado que "o melhor era os deputados dos três partidos irem para o Porto". "Angustiado", Miranda seguiu, num avião da TAP, até ao Porto.

Como PS, PSD e CDS representavam a maioria absoluta, a tese é que o parlamento podia transferir-se para o Porto, no caso de uma eventual tomada do poder pela esquerda militar, em Lisboa. Mas faltava fazer a lei que permitia a Assembleia tomar plenos poderes. Foi António Macedo, deputado e presidente do PS, a pedir-lhe que o fizesse. E fez.

"Era um texto curto, com poucos artigos", descreve, em que a Assembleia se declarava "dotada de poder legislativo e de fiscalização e em que o Governo passava a responder perante ela e o Presidente da República", descreve.

Nada disso foi preciso. Passados pouco mais de 10 dias, aconteceu o 25 de Novembro, que o autor apelida de "tentativa insurrecional da extrema-esquerda", o confonto militar entre a esquerda militar e os "moderados", do PS ao CDS, e que ditou a normalização democrática em Portugal.

Jorge Miranda regressou a casa, para junto da família, acompanhou os acontecimentos pela TV e escreve como ele a mulher ficaram "menos preocupados e felizes" ao assistir à transferência da emissão da RTP para os estúdios do Porto -- em vez da intervenção do capitão Duran Clemente, o que apareceu no ecrã foi um filme do comediante norte-americano Danny Kay.

Leia Também: BE alerta para "ataque" em benefício de grupos económicos na Madeira

Partilhe a notícia

Escolha do ocnsumidor 2025

Descarregue a nossa App gratuita

Nono ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.

* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com
App androidApp iOS

Recomendados para si

Leia também

Últimas notícias


Newsletter

Receba os principais destaques todos os dias no seu email.

Mais lidas