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Sapato pequeno, meia de palha e o menino Jesus. O Natal dos nossos avós

Antes de o Pai Natal deixar prendas no sapatinho ou debaixo da árvore de Natal, Portugal era um outro país.

Sapato pequeno, meia de palha e o menino Jesus. O Natal dos nossos avós
Notícias ao Minuto

07:31 - 25/12/16 por Notícias Ao Minuto

País Natal

Os brinquedos eram poucos, quando os havia, e era o menino Jesus quem deixava as prendas. Na manhã do dia 25 não havia caixotes do lixo atolados de embrulhos rasgados. As cidades não estavam cheias de luzes de Natal. O país conhecia a miséria de perto. Apesar de tudo, havia família, a comida possível à mesa e amor.

O Notícias ao Minuto esteve à conversa com avós para falar desse outro Natal diferente do que vemos hoje, um Natal que nos revela também o país de então.

A dona Margarida tem 77 anos, feitos no último dia 23 de dezembro. Cresceu na aldeia de Salvador, no distrito de Castelo Branco. “Com cinco ou seis anos deixávamos o sapatinho ao pé da lareira no dia 24 e, no dia 25 de manhã, assim que acordávamos, a primeira coisa que íamos fazer era ir a correr ver o que tinha trazido o Menino Jesus”.

O menino Jesus, neste caso, era um tio que “lá deixava uma moeda, uns dez ou cinco tostões, às vezes um rebuçadinho”. A generosidade nunca esteve em causa. É que “também não cabia muita coisa. O sapato era pequeno”.

Ainda assim, o sapato tinha tamanho suficiente para que o tio da dona Margarida, traquina, aproveitasse para arreliar o sobrinho mais velho. “Metia-lhe também uma cebola dentro do sapato, que ele tinha de tirar primeiro, só depois encontrava a moeda na pontinha”. Já “aqueles que andavam descalços nem sei como faziam”.

O Natal do antigamente

Na casa onde a dona Nair Teixeira nasceu e cresceu, na aldeia transmontana do Bustelo, no concelho de Vila Real, os pés estavam aquecidos mas a pobreza não se escondia. Agora com 71 anos, Nair recorda esse “antigamente” português.

“Não recebíamos prenda nenhuma. Nem havia árvores, nem mesmo pinheiros. Nada. Na aldeia antigamente não se fazia nada”, conta.

Nada mesmo? “Fazia-se o bacalhau, filhoses de abóbora e acabou. Nem luz tínhamos, quanto mais. Estávamos um pouco à lareira a apanhar um calorzinho, mas não havia prendas. A primeira prenda recebi quando já estava casada e já tinha filhos. Era uma tristeza mas era assim. Fomos criados naquilo, nem prendas de anos, nem nada”.

Pés quentes, mesa cheia

Seguimos agora para outros ‘pés’, mais rochosos, numa das aldeias cuja sombra é dada pela Serra da Estrela. Estamos em Gonçalo, no distrito da Guarda, onde o senhor António, agora com 88 anos, cresceu.

“Já lá vão muitos anos”, é a primeira coisa que o senhor Manuel nos diz quando lhe perguntamos pelo Natal. Mas é apenas a primeira, que a conversa flui à medida que a memória daqueles outros ‘natais’ vai chegando.

“A minha mãe punha uma peça de fruta na chaminé e dizia que era do menino Jesus e eu acreditava”. Na noite de Consoada, à mesa colocava-se “um prato grande e toda a gente comia do mesmo prato”.

Tinha alguns oito anitos ou nove quando recebeu as primeiras meias a sério. É que as que se davam naquele tempo “eram de palha, aquela palha do centeio que se cortava e metia-se dentro do sapato. Eram as meias que havia na altura, a miséria era muita”, recorda.

“Faziam-se filhoses e lembro-me de a minha mãe fazer arroz. Não havia brinquedos naquela altura mas fazíamos jogos na rua”.

“Há muitas coisas que não me lembro”, hesita mais uma vez. “Mas quando tinha 20 e tal anos já havia brinquedos para os mais novos, carrinhos e assim”. Hoje em dia, “o Natal é diferente”.

Lições de Natal

Hoje em dia é diferente, com certeza, concorda Benvinda Pereira, de 73 anos, a mais de 300 quilómetros de distância da Serra da Estrela. Estamos na capital, numa outra Lisboa e com uma família que também não tinha por hábito trocar prendas no Natal.

“A minha mãe era avessa a esse hábito de dar prendas no Natal”. “Parece que as pessoas só se vestem e comem bem no Natal”, dizia ela aos filhos. As prendas davam-se quando as coisas eram necessárias. Ponto.

A lição da mãe durou até hoje. Ao Natal aponta alguns vícios de consumismo. Mas não se pense que isto é sinal de que as prendas não são bem-vindas. Os netos da dona Benvinda não têm razões de queixa. “Ainda há uns dias comprei uns ténis a um porque precisou e a outro um pijama", conta-nos.

Benvinda tem também “lembranças de receber presentes que a avó lhe comprava na Feira da Luz, em Carnide”. Mas lembra-se da primeira prenda que recebeu. Foi num aniversário, que por acaso até é no primeiro dia do mês de dezembro. “Foi uma boneca de porcelana”. Tinha uns sete ou oito anos e quem lha deu “foi um casal de vizinhos muito amigo dos pais” que naquele tempo ainda não tinha filhos e que lhe reservava a atenção especial que damos aos mais novos nesta altura do ano.

O pouco que era tanto

A dona Ermelinda, de 79 anos, viveu igualmente tempos modestos mas também nunca esqueceu a primeira prenda que recebeu.

“Tinha sete anos”, recorda com uma precisão a toda a prova. Afinal de contas, o assunto é o Natal. “Vivíamos no Porto da Carne, distrito da Guarda” e “no sapatinho do menino Jesus” que viu logo de manhã cedo, havia “uma fita vermelha de cetim para o cabelo”.

Uma fita para o cabelo pode parecer pouco nestes tempos modernos mas para a dona Ermelinda foi uma prenda estimada. Uma que a apresentou também a esse pequeno luxo da vaidade. “Com a fitinha fazia depois um laço que prendia duas tranças”, conta-nos sobre um Natal que não foi parco em presentes. É que além da fita que a deixou orgulhosa recebeu um “saquinho com rebuçados”.

*[Com exceção de Benvinda Pereira, todos os depoimentos são de avós de jornalistas da redação do Notícias ao Minuto. Texto de Pedro Filipe Pina com Ana Lemos, Carolina Rico, Goreti Pera e Patrícia Martins Carvalho]

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