Sócrates: Tribunal arrasa investigação, defesa pede libertação imediata
Um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa permite à defesa de José Sócrates, no âmbito da Operação Marquês, aceder a toda a prova testemunhal e documental recolhida pelos investigadores. Entretanto, a defesa fez saber que pedirá hoje a libertação imediata do ex-primeiro-ministro.
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País Acórdão
Na sequência deste acórdão, os advogados de José Sócrates anunciaram que vão pedir hoje que sejam levantadas de imediato todas as limitações impostas à liberdade do ex-primeiro-ministro e que seja entregue à defesa cópia integral dos autos da investigação.
O acórdão da Relação, que teve Rui Rangel como relator, refere que a 'Operação Marquês' decorreu com "grave violação das garantias da defesa" e do Estado de direito e que os elementos do processo foram "escondidos" à defesa de "forma ilegal" desde 15 de abril, razão pela qual a defesa entende agora que os atos praticados desde então devem ser declarados nulos.
A defesa do ex-primeiro-ministro justifica o pedido de libertação imediata, que será formulado hoje, com o teor do acórdão.
No entender de João Araújo e Pedro Delille, após o acórdão da Relação, o procurador Rosário Teixeira e o juiz de instrução Carlos Alexandre deviam declarar nulos todos os atos praticados desde 15 de abril, incluindo as medidas de coação privativas de liberdade aplicadas ao ex-líder do PS.
João Araújo classificou a decisão de quinta-feira do Tribunal da Relação de Lisboa como uma "vitória" e "um grande ganho" para a defesa do ex-primeiro-ministro, sendo ao mesmo tempo uma "derrota absoluta para a investigação".
Segundo o advogado, o acórdão veio confirmar que toda a atividade processual relativa à 'Operação Marquês' passou "à margem da lei".
Eis alguns excertos do acórdão:
"O Ministério Público (MP) em nenhum momento tem o cuidado de fundamentar de forma adequada o seu pedido de prorrogação do prazo do segredo de justiça"
"...mas nada justifica que uma investigação que iniciou em 2013 se tenha mantido todo o tempo em segredo. Este é o pecadilho da promoção causadora da prorrogação do segredo de justiça: a ausência de fundamentação. De facto, o Ministério Público aponta justificações genéricas, vagas e indeterminadas para formular o seu pedido. Nestas justificações cabe tudo e não cabe nada. Desta indicação genérica, pouco específica e precisa não se consegue saber, com rigor da real necessidade do processo continuar em segredo interno."
"Como advertia o nosso Padre António Vieira, "quem levanta muita caça e não segue nenhuma, não é muito que se recolha com as mãos vazias."
"O Ministério Público é, como sabemos, o dono do inquérito! Ser o dono do inquérito não significa que se pode tudo, mesmo fazendo coisas sem qualquer fundamentação legal. O nosso processo penal tem que ser democrático não só nos seus princípios, por isso é que se trata de um processo de direito constitucional aplicado, mas sobretudo no exercício constante da sua prática, da sua 'legis artis'." "Quer a promoção do MP, quer o despacho do senhor juiz de instrução, não cumpriram os ditames legais, porque para além de não se encontrarem fundamentados, assentam num pressuposto errado que fere a lei e os princípios gerais de direito, a intenção cautelar para justificar a prorrogação por mais três meses do prazo do segredo de justiça."
"Outro dos problemas que pode gerar, não menos importante, para além de um eventual boicote à investigação criminal, é o de afastar de forma grave o arguido do conhecimento dos factos incriminatórios que lhe são imputados, fazendo com que jogue um jogo no escuro e na ignorância, não se podendo defender de forma eficaz e adequada."
"Como sabemos, a regra atualmente é a publicidade do inquérito, sendo que o segredo de justiça apenas pode vigorar, com a concordância do juiz, durante os prazos estabelecidos na lei para a realização do inquérito. Fora desses prazos o segredo de justiça pode manter-se, a requerimento do Ministério Público, por um período máximo de três meses, que pode ser prorrogado por uma só vez e, mesmo depois desta prorrogação - numa exigência de uma interpretação conforme ao artigo 20.º, n.º 3, da CRP, - quando o acesso aos autos puser em causa gravemente a investigação, se a sua revelação criar perigo para a vida, integridade física ou psíquica ou para a liberdade dos participantes processuais ou vítimas do crime."
"É pena que entre nós não exista a cultura de que uma acusação será mais forte e robusta juridicamente, e, sobretudo, mais confiante, consoante se dê uma completa e verdadeira possibilidade ao arguido de se defender. E que não seja vítima dos truques e de uma estratégia do investigador. O mesmo se diga do conhecimento cabal dos factos e das provas que lhe são imputados, em sede de investigação, não fazendo com que o segredo de justiça sirva de arma de arremesso ao serviço de ignorância e do desconhecido."
"A virtude e as razões do segredo de justiça não podem ficar prisioneiras de uma estratégia que o transforme numa regra quando o legislador quis que fosse uma exceção e por isso é que revogou o sistema legal anterior que blindava o inquérito sempre ao regime de segredo de justiça. Mas o legislador democrático, com a legitimidade que tem, quis conscientemente que a regra não se transformasse em exceção."
"Confesso que nunca tínhamos visto um pedido de prorrogação de segredo de justiça, como medida cautelar, baseando-se num outro processo que está a correr os seus termos no Tribunal da Relação. Não foi isto que o legislador pretendeu quando alterou o regime jurídico do segredo de justiça, nem esta invocação cautelar se enquadra no espírito e na letra da lei."
"Ou existem razões plausíveis de direito que mexem com a investigação, designadamente, que a publicidade poderá comprometer a investigação, a aquisição e a conservação das provas, atenta a natureza das infrações, cometidas e a qualidade dos intervenientes, sendo o segredo imprescindível para a realização de diligências, ou não faz qualquer sentido, sendo ilegal, abrir esta 'autoestrada', de um segredo, sem regras e sem 'portagem'. E o que é grave é que esta 'autoestrada' do segredo, sem regras, passou sem qualquer censura pelo Sr. juiz de Instrução, desprotegendo de forma grave os interesses e as garantias do arguido, que volvido tanto tempo de investigação, desde 2013, continua a não ser confrontado, como devia, com os facto e as provas que existem contra si. "
"Nestes termos acordam os juízes que compõem esta secção criminal, em julgar parcialmente provido o recurso, e em consequência, altera-se o despacho recorrido - quanto à manutenção do segredo de justiça - assim se declarando o fim do segredo de justiça interno desde a data de 15 de abril de 2015."
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