O antigo primeiro-ministro José Sócrates apresentou esta terça-feira, em Bruxelas, uma queixa-crime contra o Estado português no Tribunal dos Direitos do Homem.
Numa conferência de imprensa que teve início às 13h00, o ex-primeiro ministro começou por elencar os motivos pelos quais decidiu recorrer, "pela primeira vez", a um tribunal internacional no âmbito deste processo.
Sócrates, ladeado pelo advogado Christophe Marchand, decidiu começar pelo último dos motivos, referindo-se a um “lapso de escrita”.
“Em 2021, o Tribunal de Instrução considerou todas as alegações do processo Marquês como fantasiosas e especulativas. Foi essa a decisão do juiz Ivo Rosa. E considerou também que todos os crimes da acusação estavam prescritos. Quatro anos depois, em 2024, um Tribunal da Relação, com dois juízes, inventaram um lapso de escrita. Mudaram o crime de acusação e manipularam os prazos de prescrição”, lembrou, atirando em seguida: “O processo estava morto e foi trazido à vida por um lapso de escrita”.
Por outro lado, salientou, "o que é igualmente extraordinário é que o lapso de escrita demorou quatro anos a ser apresentado".
"Isso significa que o lapso de escrita nunca existiu, é uma fabricação do sistema judicial, é uma artimanha que serviu apenas para manipular prazos de prescrição e levar o caso a julgamento", criticou o socialista, principal arguido do Processo Marquês, concluindo que esta "foi a gota de água" que o levou apresentar queixa no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
O segundo ponto, fez saber, é o “direito de ter o seu caso julgado num tribunal previsto na lei”, acusando o Tribunal de Instrução Criminal de ter “manipulado a distribuição do processo Marquês”, tendo procedido à “falsificação da escolha do juiz Carlos Alexandre”.
“Só as ditaduras escolhem os tribunais para os processos”, acusou.
Por fim, o terceiro ponto que motivou José Sócrates a apresentar queixa contra o Estado português está relacionada com a “campanha mediática do caso e presunção de inocência”.
“Durante 10 anos, as autoridades promoveram uma campanha de difamação, contra o direito ao segredo de justiça”, disse, acusando que o “jornalismo português nunca foi isento neste caso”. E neste aspeto salientou o que considera ser o momento mais significativo: “A entrevista televisiva ao juiz Carlos Alexandre”.
“Essa entrevista diz tudo sobre a parcialidade do juiz e sobre a violação do princípio da presunção da inocência”, considerou, afirmando que “dez anos depois tudo continua igual, com a mesma campanha” contra si.
"Não querem aceitar um recurso, mas vão ter que aceitar. Isto é agir contra o Estado de direito", disse José Sócrates.
"A longa mão do Conselho Superior de Magistratura está por todo o lado no processo Marquês", comentou.
Vai a julgamento na quinta-feira?
O antigo primeiro-ministro garantiu que estará presente em tribunal se o julgamento do processo Operação Marquês começar na quinta-feira, advogando que "não tem pronúncia, nem tem acusação".
"Com certeza que comparecerei. Se houver julgamento, eu vou", disse José Sócrates, em conferência de imprensa, em Bruxelas. "Mas pode ser que não haja" julgamento, completou o antigo primeiro-ministro.
Dez anos de 'Processo Marquês'
José Sócrates foi detido na noite de 21 de novembro de 2014, no aeroporto de Lisboa quando chegava de Paris. Até hoje passou mais de uma década de um dos processos mais mediáticos de sempre em Portugal.
A situação tinha por base suspeitas de crimes de corrupção, fraude fiscal, branqueamento de capitais, confirmadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) nesse mesmo dia, em comunicado, no qual anunciou o inquérito da Operação Marquês, dirigido pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
O arrastar do processo deve ter esta semana um avanço importante, dado que se prevê que o julgamento comece esta quinta-feira, dia 3 de julho. A acontecer, tratar-se-á, de um momento inédito em Portugal que pela primeira vez senta no banco dos réus um ex-primeiro-ministro, mas já uma década depois de conhecida a investigação.
[Notícia atualizada às 14h16]
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