Após um fim de semana marcado por novos protestos por todo o país pelo direito à habitação e contra o aumento exponencial das rendas em Portugal, a ministra da Habitação defendeu, esta quarta-feira, o pacote 'Mais Habitação', o conjunto de medidas aprovado em setembro, e deixou em aberto a hipótese de um novo travão ao aumento das rendas no próximo ano.
Marina Gonçalves argumentou, no programa 'Grande Entrevista' da RTP3, que a oposição focou-se em críticas a medidas de forma individual, explicando que o pacote deve ser visto "na sua dimensão transversal".
"Se formos a olhar para alguns dos argumentos que estiveram na base de muitas das críticas, a avaliação foi sempre parcelar. E para nós é importante discutir o tema na sua dimensão transversal. Se isolarmos medidas, com certeza que vamos encontrar quem concorde e quem discorde. A grande questão do 'Mais Habitação' e a discussão, que não foi feita, é que deve ser visto em conjunto", disse Marina Gonçalves.
De recordar que o pacote foi aprovado apenas com os votos favoráveis do PS, com votos contra de, praticamente, toda a oposição e com a abstenção do Livre e do PAN. Algumas das medidas mais controversas, especialmente para a Direita, foram a suspensão do registo de novos Alojamentos Locais fora de territórios de baixa densidade, o arrendamento forçado de casas devolutas há mais de dois anos, a isenção da tributação de mais-valias aos proprietários que vendam casas ao Estado, ou o fim de novos 'vistos gold', entre muitas outras.
A ministra insistiu que o pacote foi evoluindo desde o dia 16 de fevereiro, quando foi aprovado, até à promulgação no final de setembro pelo Presidente da República (que chegou a vetar o diploma). E deixou claro que, apesar desse veto inicial de Marcelo Rebelo de Sousa, o Governo respeita os alertas do Presidente.
"A democracia tem convergências e tem divergências e, felizmente no pacote, também houve muita convergência, nomeadamente com o Presidente da República. Nós tivemos um conjunto de apoios ao arrendamento que foram promulgados pelo Presidente, tivemos um conjunto de novos apoios que agora terão um papel mais estrutural, que também foram promulgados pelo Presidente. Levantou questões e estamos a trabalhar nelas", garantiu Marina Gonçalves.
Manifestações? "Somos todos parte de um trabalho coletivo"
Sobre as manifestações do passado fim de semana, a segunda onda de protestos pelo direito à habitação no espaço de alguns meses, a ministra procurou mostrar-se solidária com os manifestantes, embora tenha aproveitado para vincar que a responsabilidade no problema da habitação não é apenas do Governo.
"Sem ser mal-entendida, é importante para nós ouvir a Sociedade Civil nas várias formas em que se organizam, seja na discussão muito ativa do 'Mais Habitação', seja também nestes protestos em prol da habitação. É importante para nós ouvirmos as preocupações e as reivindicações, mas também para a própria sociedade civil. Somos todos parte de um trabalho coletivo em matéria de habitação, onde o Estado tem uma responsabilidade obviamente direta, mas onde, num mercado habitacional maioritariamente privado, todos temos aqui um papel e um trabalho comum a fazer. Não é nenhum paternalismo, é empatia, temos de ter essa empatia por aqueles que se manifestam pela garantia de um bem fundamental para nós, que é a habitação", vincou.
Questionada ainda sobre se considera que os atuais problemas de habitação podem ser descritos num quadro de 'emergência', Marina Gonçalves preferiu destacar as respostas "imediatas" necessárias.
"Temos necessariamente de responder à emergência de quem procura acesso à habitação e de quem já está no mercado habitacional, com instabilidade da manutenção do seu contrato de arrendamento, embora também com a preocupação de quem tem habitação, com o aumento dos juros, com algo que não era expectável, com a necessidade de responder para quem não incumprimentos para manter a sua habitação", afirmou, reiterando que são necessárias respostas "que tenham uma maior eficácia a um problema que é imediato".
"Todos os cenários em cima da mesa" sobre travão ao aumento das rendas
Depois de António Costa ter avançado, na segunda-feira, que a medida do travão ao aumento das rendas terá de ser feita em moldes diferentes dos que foram aplicados em 2023, Marina Gonçalves deixou o assunto em aberto, remetendo qualquer proposta para depois das negociações com o setor.
A ministra da Habitação referiu que o Executivo realizou uma primeira ronda de auscultação, mas notou para as dificuldades de encontrar um consenso entre as exigências das famílias e dos inquilinos, e as exigências dos senhorios e proprietários.
Para já, o Governo está a "olhar para todos os cenários em cima da mesa".
"Se por um lado temos uma preocupação central em garantir que as famílias não tem um esforço acrescido que torne insustentável a manutenção da sua habitação e do seu arrendamento, é para nós também fundamental, e sobretudo depois da densa discussão que tivemos, dar uma estabilidade ao mercado", disse Marina Gonçalves, notando que "estes equilíbrios e convergências determinam que tenhamos de perceber onde é que esse esforço pode ser partido".
Na segunda-feira, António Costa afirmou à CNN Portugal que para 2024, não será repetido o travão do aumento das rendas a 2% adotado para 2023.
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