"Não encontro explicação para só agora o Estado se mostrar disponível para assumir a responsabilidade", afirmou à agência Lusa Henrique Martins Gomes.
A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil pagou hoje a indemnização à família da bombeira, disse fonte do Ministério da Administração Interna, referindo que o pagamento foi feito por transferência bancária.
"Pese embora hoje não haja informação da realização do pagamento por parte do Estado e de um pedido de desculpas à família recebidos no escritório da sociedade Carlos Pinto de Abreu & Associados, no entanto, após o transito em julgado da decisão condenatória, o Estado deu início aos contactos para cumprimento da decisão", adiantou Henrique Martins Gomes.
Para o advogado, "não há qualquer tipo de justificação, muito menos processual, que permita ao cidadão comum de um país aceitar que, decorridos quase 15 anos desde a morte de um familiar, só hoje haja notícia de que o Estado assumiu responsabilidade por aquilo que sucedeu, sobretudo quando tem provas evidentes da responsabilidade em que incorreu".
"A delonga no caso concreto, e noutros casos similares, nunca pode ser imputada aos familiares", declarou o causídico, defendendo que deve ser o Estado a "tomar a iniciativa - e não esperar que sejam os familiares a instaurar um processo judicial -, à semelhança do que aconteceu recentemente com a morte um cidadão ucraniano", tendo o Estado assumido, ainda antes de haver decisão do processo-crime, "o ressarcimento do dano morte".
Salientando que "não pode haver desigualdade de tratamento em função da nacionalidade das vítimas", Henrique Martins Gomes acrescentou, por outro lado, que "nada substitui a vida de um ente querido e isto deveria ter sido ponderado pelo Estado" quando a bombeira morreu em serviço.
Esta ação foi intentada em 2009, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, que se declarou incompetente, em razão do território, no ano seguinte.
O processo foi remetido ao Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria que, em setembro de 2017, condenou o Estado a pagar uma indemnização global de 200 mil euros, acrescidos de juros, à família da vítima.
Da sentença, o Ministério Público (MP), em representação do Estado, recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul, sustentando que a morte da bombeira Viviana Dionísio se deveu "a um defeito do produto contratado - carroçamento e integração de gerador -- da exclusiva responsabilidade do seu produtor".
Para o MP, a aplicação do Decreto-Lei 383/89, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva da União Europeia em matéria de responsabilidade decorrente de produtos defeituosos, "determinaria forçosamente" a absolvição do Estado da indemnização e a adequada compensação "por quem é efetivamente obrigado a proceder à sua indemnização", os responsáveis pelo carroçamento e integração do gerador na viatura onde morreu a bombeira.
O TAF concluiu que a morte da bombeira "se deveu à inalação de monóxido de carbono proveniente do gerador".
O MP defendeu ainda a diminuição do valor da indemnização global de 200 mil para 110 mil euros, "mais justo, proporcionado e equilibrado", tendo em especial consideração "a situação de crise económica vivida" pelo país, que "esteve numa situação de falência, a inevitável necessidade de continuação da contenção das finanças públicas" e o nível de vida.
Nas contra-alegações, o advogado da família lembrou que na contestação o MP em momento algum aludiu ao diploma, inaplicável ao caso, e considerou "ultrajante o regateio de montantes indemnizatórios, em vez do cumprimento da decisão condenatória acompanhado de um pedido de desculpas formal do Estado".
Acusou ainda o MP de lhe interessar "números e não pessoas", classificando de mau gosto o argumento da sustentabilidade financeira do Estado.
O Tribunal Central Administrativo Sul não atendeu ao recurso do MP e confirmou a decisão do TAF de Leiria.
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