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Encostaram a bicicleta para levar bens essenciais a idosos que estão sós

Encostaram a bicicleta que em tempos levava os idosos a passear e, agora, é passo a passo que tentam ganhar a confiança dos que estão sós, levando-lhes bens essenciais e, ainda que a dois metros de distância, "calor humano".

Encostaram a bicicleta para levar bens essenciais a idosos que estão sós
Notícias ao Minuto

09:43 - 02/04/20 por Lusa

País Covid-19

Os passeios à beira-mar e por entre as sombras das árvores do Parque da Cidade, no Porto, foram suspensos. A bicicleta, ou 'ventoleta', como carinhosamente a apelidam, abrandou o ritmo. E os pilotos do Pedalar Sem Idade vestem, agora, a camisola de voluntários.

"Retiro disto um prazer egoísta de me sentir útil por estar a fazer algo de bom, numa situação que de bom, tem pouco". É assim que Pedro Amendoeira, de 45 anos e consultor, descreve à Lusa aquela que tem sido, por estes dias, a sua missão.

A conciliar com o teletrabalho, Pedro está, desde a semana passada, a auxiliar duas senhoras e um casal da zona do Bonfim. Todos rondam a "casa dos 80 anos" e todos precisam, no meio "desta adversidade", de ajuda.  

Restringidos às paredes das suas casas e sem poderem sair à rua para ir à mercearia ou à farmácia, Pedro deixou-lhes, numa primeira visita, o número de telefone, e com ele, um aviso: "Podem ligar a qualquer hora".

Não o fizeram, talvez por desconfiança ou insegurança. Por isso, Pedro resolveu ser a ele a ligar-lhes e fá-lo quase que religiosamente.

"Isto não se trata só de fazer as compras, ir à farmácia ou levar os óculos a arranjar. Não é só o ato em si que é útil, mas o facto de se sentirem acompanhados, que um desconhecido os ajuda e está lá para dar esse calor humano ainda que a dois metros de distância", confessou.

É precisamente pela farmácia, mercearia, padaria e quiosque da zona do Bonfim que os 10 pilotos, agora voluntários, do Pedalar Sem Idade, recorrem para amparar, numa iniciativa em colaboração com a Junta de Freguesia do Bonfim, 30 idosos.

Se Pedro fá-lo a pé, já Paulo Sobral, de 55 anos, apesar de não ter a 'ventoleta', fá-lo de bicicleta.

Paulo trabalha por conta própria o que, por "natureza", lhe permite ter um horário flexível e trocar o passeio na marginal da Afurada por prestar auxílio aos que mais precisam nesta altura.

"Se cada cidadão fora do grupo de risco se voluntariasse para ajudar um ou dois idosos da sua rua, não teríamos tantos mortos acima dos 70 anos. Se os protegêssemos responsavelmente, a quarentena não teria de ser tão dura e a economia não sofreria tantos danos", confidenciou à Lusa.

Paulo presta apoio a uma senhora de 82 anos e a um casal com "80 e pico". À porta das suas casas, entrega os sacos com aquilo que, por telefone, lhe pediram. E para sua casa, leva as preocupações de quem se "dedica de alma e coração".

"Preocupo-me se eles se estão a alimentar bem ou não. No outro dia, até levei um bocadinho de peru que a minha mulher tinha cozinhado à senhora. Acabei por perceber que ela se desenrascava", desabafou.

Liga-lhes dia sim, dia não, simplesmente para saber se está tudo bem e para sentirem que "alguém está por perto". Se da senhora de 82 anos até emails agora recebe, do casal recebeu um pedido inesperado: "queriam duas máscaras".

"Queriam ir ver o filho que saiu do hospital e a nora que está grávida. É um dilema, porque eles não podem ir. Tentei explicar, disse que não deviam, que era proibido. Mas não adianta de nada estar a proibir", contou.

Paulo mora perto do Palácio de Cristal, da sua casa à zona do Bonfim, por estes dias, "é um tirinho", mas ainda assim, tem de se deslocar a Aveiro, pois, ao contrário do que faz, não há ninguém que leve as compras e "pequenas falhas" ao seu pai e à sua tia.

Encostar a 'ventoleta' e passar de "pilotos" a voluntários "foi um processo muito rápido", explicou à Lusa, Sílvia Freitas, que gere a iniciativa do Pedalar Sem Idade.

"Fizemos uma reflexão de como é que poderíamos contribuir para que os idosos ficassem um pouco menos sós nesta crise e começamos a enviar emails às instituições com quem trabalhamos e às juntas de freguesias da cidade", disse.

Das instituições não obtiveram resposta, mas da Junta de Freguesia do Bonfim, sim.

"A junta decidiu telefonar aos 700 idosos do Bonfim a perguntar se precisavam de ajuda, para fazerem um levantamento das necessidades", referiu.

Sílvia é também voluntária. A seu encargo tem dois casais e uma senhora de 86 anos doente oncológica que necessita, com regularidade, de medicamentos.  

Duas das senhoras que visita habitualmente "desataram a chorar" a primeira vez que a viram e, uma outra, diz-lhe que foi "um anjo que lhe apareceu".

"Já estão sós e ainda veem a rua vazia. Já não visitam a padaria ou a farmácia onde iam todos os dias porque isso não lhes é permitido. É triste", lamentou Silvia, que acredita que "há medida que o tempo de confinamento aumentar, vão também aumentar os pedidos de ajuda".

Para combater esta "realidade da solidão", Silvia e os restantes voluntários tentam estabelecer com quem acompanham uma relação de confiança e amizade, pois não é só a "saúde física que fica afetada, mas também a saúde mental".

Ainda que venham à janela apanhar ar, pelas ruas do Bonfim, já nada é a mesma coisa. Estão confinados às suas casas e, assim vão permanecer, até a pandemia durar.

Segundo o balanço feito na quarta-feira pela Direção-Geral da Saúde, em Portugal registaram-se já 187 mortes, mais 27 do que na véspera (+16,9%), e 8.251 casos de infeções confirmadas, o que representa um aumento de 808 em relação a terça-feira (+10,9%).

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