Meteorologia

  • 26 ABRIL 2024
Tempo
13º
MIN 12º MÁX 17º

Mulheres pelo Ambiente: Quando "todos" colaboram, a natureza agradece

O ciclone Gong, em 2013, devastou parte da Mata do Buçaco e Milene Matos não ficou indiferente. Mas só com a ajuda de "todos" - desde crianças a idosos, de reclusos a empresas -, a recuperação de parte do nosso património natural foi possível. E o reconhecimento chegou. Primeiro com a conquista do prémio ‘Terre de Femmes’, e, mais recentemente, com a Bioliving, a associação que ‘nasceu’ do premiado (também) além fronteiras: ‘BIO, Somos Todos’.

Notícias ao Minuto

08:15 - 15/11/18 por Ana Lemos

País Projeto

Esta semana damos-lhe a conhecer mais uma mulher portuguesa que fez a diferença pelo ambiente e que, por isso, foi também reconhecida além fronteiras. Falamos da bióloga Milene Matos, vencedora do prémio ‘Terre de Femmes’ em 2015 e, até hoje, a única portuguesa a conquistar também o prémio internacional da Fundação Yves Rocher, cujo principal objetivo é premiar e distinguir mulheres com projetos de cariz ecológico e sustentável.

Num período em que as alterações climáticas se fazem sentir com cada vez mais frequência, recuamos a janeiro de 2013, quando o ciclone Gong ‘apanhou’ todos de surpresa, deixando um rasto de destruição de 40% de área da mata do Buçaco, na vila de Luso, no concelho da Mealhada. Na altura, já Milene Matos trabalhava na Mata Buçaco enquanto investigadora de pós-doutoramento da Universidade de Aveiro, e um dos seus objetivos “era não só dinamizar mas também valorizar” esse património natural.

Com as clareiras que o Gong abriu, com as árvores que derrubou e a “propagação de espécies exóticas invasoras” que potenciou, “foi necessário procurar mais apoios e reforçar a visibilidade da Mata do Buçaco para angariar apoios e promover o seu restauro ecológico”.

Mas para que esse trabalho – “recolha de sementes, replantação, e restauro natural” - fosse feito com sucesso foi necessária a colaboração de “todos”. Crianças, jovens, idosos, reclusos e empresas foram convocados a ajudar, não fosse “a natureza de todos e para todos”. Em ‘troca’, também a sociedade se ‘restaurou’, com a natureza a ajudar a transmitir a mensagem de que “mesmo os que se sentem um pouco à margem” são “necessários” e “têm um papel” a desempenhar.

Na opinião da bióloga e antiga professora universitária, este foi sem dúvida um dos aspetos diferenciadores do projeto ‘BIO, Somos Todos’ e que não só o fez ser reconhecido lá fora, como serviu de “alavanca” ao novo projeto que desde 2016 a bióloga tem em mãos: a associação Bioliving, que “no terreno” e fora dele, com a importante ajuda das autarquias, continua a provar a “todos” que a “natureza é integradora e muito mais do que animais e plantas”.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, Milene Matos contou como esta raiz, que perdura na Mata do Buçaco, se está a expandir a “um projeto europeu”, replicando um modelo que promove, cada vez mais, não só a participação de todos como a mudança de comportamentos ambientais.

Não é só a natureza que precisa de restauro, mas na sociedade também temos grupos que precisam de alento, de um ‘restauro’ individualComo nasceu este projeto vencedor?

Chamava-se ‘BIO, Somos Todos’ e nasceu na Mata Nacional do Buçaco. Na altura, eu era investigadora de pós-doutoramento na Universidade de Aveiro e trabalhava na Mata do Buçaco. No pós-doutoramento [o foco] já não foi em biologia, mas em comunicação de ciência e um dos objetivos era não só dinamizar mas também valorizar (…) não só do ponto de vista cientifico mas também do usufruto público, da educação ambiental, e da educação para a cidadania. E nesse âmbito criei o serviço educativo da Mata e essa iniciativa teve grande sucesso. Logo no primeiro ano de atividade recebeu mais de mil pessoas e não eram só atividades para as escolas, mas também muitas atividades inclusivas, com idosos, formação interna do staff e dos reclusos que trabalhavam à época na Mata. Portanto, utilizei todos os recursos naturais e todo o trabalho cientifico que se fazia na Mata, [para] promover a inclusão e, de certo modo, a educação no sentido lato para a cidadania e para valorização dos recursos nacionais. A par com o projeto de conservação da natureza.

Mas o ‘BIO, Somos Todos’ arranca mais a sério em janeiro de 2013

Sim, foi quando ocorreu o ciclone Gong que devastou muitas áreas da Mata do Buçaco e aí foi necessário procurar mais apoios e reforçar a visibilidade da Mata para angariar apoios e promover o seu restauro ecológico. O projeto já estava no terreno desde 2011, mas era mais informal, não estava tão bem estruturado.

Muitos idosos estavam condicionados não podiam, por exemplo, fazer caminhadas pela floresta. [Então] criámos atividades de inclusão que eram também muito úteis para nósComo conseguiu criar uma estrutura que envolveu desde crianças, a idosos, empresas, e ‘olear’ todos estes recursos?

A Fundação Mata do Buçaco teve um papel muito importante. Os reclusos já lá estavam, o serviço educativo dava-lhes formação, ou seja, eu e os colegas instruíamo-los [aos voluntários], em vez de dar só ordens de trabalho, digamos. Nós ensinávamos a biodiversidade, as boas práticas ambientais, e muito mais do que seria apenas necessário para o trabalho deles. De certo modo, o envolvimento de outros públicos, como por exemplo dos idosos, acabou por ser uma evolução natural da conjugação das duas coisas: da parte educativa e da parte técnica, em que nós a partir da adesão de muitas escolas começámos também a receber solicitações de IPSS que iam fazer atividades com idosos. Mas muitos estavam condicionados não podiam, por exemplo, fazer caminhadas, ou uma intervenção que envolvesse muito movimento pelo floresta. Então criámos algumas atividades de inclusão que eram também muito úteis para nós - como fazer sementeiras, cuidar das plantas em viveiro - , e que depois eram canalizadas para as ações de reflorestação da Mata. Portanto, a parte educativa e os conteúdos fui eu que fiz, mas havia toda a integração da equipa que trabalhava na Mata.

Todos foram convidados a participar. Mas, em concreto, que tarefas era destinadas às diferentes faixas etárias?

Por exemplo, para uma criança pequena, com menos de sete anos, para explicarmos conteúdos técnicos foi criada uma história à volta dos duendes da Mata, que dizíamos que tomavam conta da Mata e que precisavam da ajuda das pessoas. [Depois, já no terreno, essa criança] recolhia sementes. Depois tínhamos outra atividade, um pouco diferente, que era fazer o controlo de espécies exóticas invasoras. Era preciso ir removendo e controlando essas pequenas ervas, e as crianças podiam ajudar. No caso dos idosos, fazíamos [atividades de] envazamentos, sementeiras, estacaria, seleção de sementes. Tudo o que se possa fazer em viveiro, pode ser feito com idosos. [No caso] de idosos mais móveis podiam fazer mesmo o tratamento das plantas, das regas. Os adolescentes já com alguma força colaboravam em todos os trabalhados de gestão florestal, desde as plantações, regas, controlo de espécies exóticas de diferentes tipos. Há sempre o que fazer.

Em relação às empresas, o apoio foi mais financeiro, material ou também participavam em atividades no terreno?

O meu papel também passou, quando houve o ciclone Gong e para ajudar a entidade gestora a colmatar os danos que ascenderam a muitos milhares de euros, por ativar contactos que tinha no âmbito da minha atividade de investigação, nomeadamente alguns grupos económicos da indústria florestal, dos agroquímicos (fertilizantes, por exemplo) necessários para aplicação quer na Mata quer em viveiro. Outras entidades ofereceram plantas, outras [ainda] um patrocínio em combustível porque estávamos a gastar imenso dinheiro nas maquinarias de remoção das áreas caídas. Houve um pouco de tudo, assim como empresas que deram donativos em dinheiro, mas preferimos sempre os géneros porque não há forma de ativar nenhum tipo de desconfiança.

As maiores vitórias foram as parcerias, o envolvimento das pessoas, o reconhecimento do público daquele espaço de excelência que é a Mata do Buçaco e que até hoje perduraSe tivesse de identificar os principais obstáculos e conquistas, o que destacaria?

Os principais obstáculos creio que tenham a ver com o facto [de no início] ser apenas uma voluntária, uma investigadora que colaborava com a Fundação. Pelo que, não tendo um vínculo formal do ponto de vista político senti bastantes dificuldades de operacionalização. E o facto também de não ter apoios e verbas para fazer um produto educativo com mais qualidade. As maiores vitórias foram as parcerias, o envolvimento das pessoas, o reconhecimento do público em geral daquele espaço de excelência que é a Mata do Buçaco e que até hoje perdura. Mas a raiz teve a minha participação.

A Mata do Buçaco (...) não é o único sítio que necessita deste tipo de intervenção que dá a conhecer o património natural e usa a conservação da natureza como uma medida inclusiva, integradora, a todos os âmbitos da sociedade

Dois anos depois, em 2015, conquista o prémio ‘Terre de Femmes’. Que importância teve para si e para o ‘BIO, Somos Todos’?

Profissionalmente falando, houve um antes e depois do prémio. O reconhecimento público e a credibilidade ganha, foram muito importantes. Deu uma valorização ao trabalho que foi feito, e que até então não tinha sido sentida por mim, nem por nenhum elemento da equipa, e trouxe a independência financeira. A Mata é um património incrível mas feliz, e infelizmente, não é o único sítio que necessita deste tipo de intervenção no sentido de dar também a conhecer o património natural e usar a conservação da natureza como uma medida inclusiva, integradora, a todos os âmbitos da sociedade. E, entretanto, eu e outros colegas criámos uma associação nova de raiz. No fundo replicamos noutros locais aquilo que fazíamos na Mata do Buçaco. E o prémio foi fundamental para conseguirmos esta dinâmica.

Essa organização de que fala é a Bioliving, o seu novo projeto?

Sim, é a associação Bioliving que foi criada em 2016 e o prémio foi a alavanca necessária para permitir a organização da equipa, o financiamento de que necessitávamos. E também com alguns alunos meus, (…) mais interessados em matérias da conservação da natureza, criámos uma equipa de 13 pessoas de várias áreas (biologia, marketing, desporto, história, etc.). Isto sempre numa perspetiva de que a natureza é integradora e muito mais do que animais e plantas. Neste momento temos dois anos e alguns meses [de existência] e desde então a Bioliving tem crescido imenso e já estamos a ser poucos para dar resposta a todas as solicitações que temos.

Foi a única mulher portuguesa até hoje a ganhar também o prémio internacional da Fundação Yves Rocher. Como se sente por esta conquista?

Na verdade tenho sentimentos mistos. Claro que fico muito orgulhosa, não só por mim porque um trabalho desta dimensão não se consegue fazer sozinha. Embora seja uma espécie de mentora ou líder do projeto, devolvo muito esse reconhecimento à equipa. Foi um reconhecimento que mudou a minha vida. Sinto felicidade, mas também humildade porque sei que há muitas mulheres incríveis em Portugal e lá fora.

O projeto conseguiu transmitir que há um lugar em que todos são necessários e desejados. Todos têm um contributo importante a dar, não importa as limitações que tenhamAlém da preocupação ambiental houve a chamada de todos a intervir e todos foram importantes para chegar onde chegou. Acha que foi isso que fez com que o seu projeto se destacasse?

Acho que sim porque a ação ambiental está presente em inúmeros projetos, mas aqui houve um fator diferenciador: não é só a natureza que precisa de restauro, mas na sociedade também temos grupos que precisam de alento, de um ‘restauro’ individual. Os jovens com comportamentos desviantes, os reclusos, que se sentem um pouco à margem, e o projeto conseguiu transmitir que há um lugar em que todos são necessários e desejados. Todos têm um contributo importante a dar, não importa as limitações que tenham. Acho que foi esse o elemento diferenciador porque a natureza é de todos e para todos. E todos têm um papel. A natureza é inclusiva, não julga, não vai olhar de lado, devolve o que lhe damos.

E aqui chegados, qual é o próximo passo?

Creio que é também a internacionalização. Nós, Bioliving, já fazemos parte de um projeto europeu, conseguimos apoio direto da Comissão Europeia, e creio que faz sentido alargar esta rede de colaboração e tentar replicar este modelo (…) em Portugal, mas também no exterior. Quantas mais pessoas assimilarem esta mensagem. mais a sua mudança individual pode ser pertinente para as necessárias alterações de comportamento ao nível global. Portanto, defendemos muito a ação local, alargar a rede é fazer chegar esta mensagem a mais pessoas e a mais locais que necessitam de comunidades ativas e da valorização dos seus recursos.

Recomendados para si

;
Campo obrigatório