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Polónia. Uma massa de eleitores forçou a mudança e conseguiu-a à justa

Uma participação em massa, possivelmente recorde, forçou no domingo a mudança política na Polónia, após oito anos no poder dos conservadores populistas do Lei e Justiça (PiS), cuja vitória nas legislativas não deverá evitar uma "geringonça polaca".

Polónia. Uma massa de eleitores forçou a mudança e conseguiu-a à justa
Notícias ao Minuto

01:45 - 16/10/23 por Lusa

Mundo Polónia

À hora de encerramento das assembleias de voto, às 21:00 locais (20:00 em Lisboa) de domingo, a dimensão de filas de eleitores, muitos dos quais jovens, à espera de votar não diminuía em Varsóvia e noutras grandes cidades, pelo contrário, parecia crescer para lá da hora limite, sinalizando uma mobilização a exigir alternância.

As projeções apontam para uma participação nas legislativas de 73% dos cerca de 30 milhões de polacos recenseados, o que deverá constituir um recorde no país, e muito acima dos 61,7% registados em 2019, ano em que o PiS revalidou o seu domínio.

Enquanto os eleitores enfrentavam um vento gelado na gradação térmica do outono polaco, já noite cerrada, os líderes das maiores forças políticas não perderam tempo e reagiram de imediato às sondagens à boca das urnas.

Às 21:00 em ponto, o antigo primeiro-ministro e ex-presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, surgiu de sorriso rasgado junto dos seus pares, que gritavam o seu nome no Museu Nacional de Etnografia, a clamar vitória, apesar de a sua coligação, Plataforma Cívica (PO), ter ficado em segundo lugar nas projeções divulgadas pela tvn24 e preparadas pela Ipsos, com 31,6% e 163 mandatos num total de 460 lugares no parlamento, abaixo dos 36,8% do PiS e 200 assentos.

"A Polónia venceu. A democracia venceu. Nós expulsámo-los do poder", afirmou um emocionado Tusk aos apoiantes liberais progressistas e restantes candidatos, quase todos de camisa branca e coração vermelho ao peito, símbolo da força partidária.

"Sei que os nossos sonhos eram ainda mais ambiciosos. Estou na política há muito tempo. Nunca fui tão feliz em toda a minha vida", afirmou o antigo primeiro-ministro polaco e ex-presidente do Conselho Europeu, acrescentando: "Há um ano ninguém acreditava. Há três meses não tínhamos certezas".

O ambiente de euforia era alargado aos partidos emergentes -- Terceira Via e Lewica (Esquerda) -, que, com 13% e 55 mandatos e 8,6% e 30 lugares respetivamente nas projeções, foram os outros vencedores e que, unidos à PO, deverão alcançar a maioria parlamentar.

Em cinco minutos históricos na história democrática da Polónia, o primeiro-ministro Mateusz Morawiecki (ex-conselheiro de Tusk n Governo antes de mudar de lado), escrevia na rede social X que o "Lei e Justiça é o vencedor das eleições parlamentares de 2023", mas, tal como todos os dirigentes políticos, estava a par da evolução dos dados da participação e das sondagens, sendo incapaz de esconder uma expressão de desencanto.

Ao mesmo tempo, o líder do seu partido, o dirigente histórico Jaroslaw Kaczynski também exortava em clima patriótico os seus apoiantes de bandeiras polacas em punho a celebrarem a vitória nas legislativas, entre aplausos ruidosos que soavam a despedida.

"É a nossa quarta vitória numa eleição parlamentar e a terceira consecutiva. É um grande sucesso para o nosso partido e para o nosso projeto para a Polónia", declarou Kaczynski.

"A questão que permanece é se este sucesso se refletirá num novo governo nosso e ainda não sabemos, mas devemos ter esperança e saber que, quer estejamos no poder ou na oposição, defenderemos este projeto de qualquer forma que quisermos", proclamou o dirigente histórico dos conservadores populistas, repetindo a ideia deixada ao longo da campanha de que o partido não permitirá "traições à Polónia, nem que a Polónia perca o que há de mais valioso na nação, a sua independência".

Numa noite de vencidos sem o ser e de derrotados não assumidos, PO, Terceira Via e Lewica celebravam também a fraca prestação dos ultranacionalistas radicais da Confederação (extrema-direita), que não foram além dos 6,2% nas projeções, após as primeiras sondagens eleitorais os situarem acima dos 12%, e cujos 12 mandatos serão insuficientes para oferecer uma solução governativa ao PiS.

A noite de domingo marca o fim de uma prova de fundo numas eleições que muitos analistas consideram as mais importantes desde 1989 e do regime comunista, e também as mais polarizadas, incertas e agressivas, em que, de um lado, o partido no poder usou uma discurso de defesa da pátria contra os traidores vendidos a Bruxelas e Berlim, ou mesmo a Moscovo em plena guerra na Ucrânia, e, do outro, se propunha um travão na retórica antieuropeia e um apelo para se salvar a democracia enquanto era tempo.

Aparentemente, foi o segundo que triunfou e o desejo de mudança expressava-se de forma aberta por vários eleitores à porta do Liceu LXXXIII, indicando a consciência de um dia decisivo para o que o país quer ser nos próximos anos.

Numa manhã que começou soalheira no domingo, mas que depressa se tornou cinzenta e de vento gelado em Varsóvia, Jacob, de 44 anos, abandonava o prédio da assembleia de voto no centro da cidade, onde deixou o boletim de voto preenchido e a determinação de se livrar do partido no poder, que "não tem sido bom para o país".

Também Lukas, advogado de 47 anos, deixou evidente a sua vontade de alternância sobre "o futuro decisivo da Polónia e da escolha em termos da presença na UE ou... mais a Leste", numa alusão ao período comunista e supressão de liberdades, vincando que, por enquanto, a democracia ainda não está em causa, "mas tudo pode mudar no futuro".

Para o seu desgaste e incapacidade de alcançar um terceiro inédito mandato, o PiS não terá conseguido capitalizar como no passado a imagem de defensor férreo dos interesses nacionais acima do que é decidido em Bruxelas, como, já em pleno contexto eleitoral, fez em relação ao levantamento do bloqueio aos cereais ucranianos ou ao pacto migratório europeu.

A resposta musculada ao "papão" migratório, a construção de uma barreira de 186 quilómetros ao longo da fronteira com a Bielorrússia, enquadrado com um tom de alarme, as interferências no poder judicial, que levaram a União Europeia a cativar fundos comunitários por alegados desvios ao estado de direito, e uma postura ultraconservadora em relação a temas como o aborto, os direitos LGTB+ também foram receitas, ao que tudo indica, fora de prazo, sobretudo para o eleitorado jovem e do sexo feminino.

Em contraste, a oposição jogou nos antípodas ideológicos e sistémicos, numa campanha eleitoral dura e às vezes negativa, que praticamente deixou de lado temas concretos da vida dos polacos e nas suas carteiras com a inflação a dois dígitos e preços dos bens energéticos, deixando campo aberto à equação central de mais ou menos Europa, democracia e liberdades, independência judicial e direitos das minorias.

Em contraste com a participação nas legislativas, os 30 milhões de eleitores polacos foram igualmente chamados a votar em quatro referendos, mas todos deverão ser declarados inválidos, uma vez que, de acordo com as sondagens à boca das urnas, não foram além de 40% de participação, ficando aquém dos 50% necessários para serem vinculativos.

Em causa estavam duas perguntas sobre a política de imigração e asilo, em oposição ao pacto migratório aprovado pela União Europeia, e sobre o muro erguido na fronteira com a Bielorrússia, a subida da idade da reforma para os 67 anos e a privatização de ativos estatais.

Após amplo ruído sobretudo no alarmismo colocado em torno do debate sobre migração, a oposição apelou ao boicote nos referendos.

Findas as eleições, o dia de hoje deverá marcar o começo de uma maratona negocial, de forma a garantir que os resultados obtidos pela oposição se convertam em solução governativa a apresentar ao Presidente, Andrzej Duda, proveniente do PiS.

Leia Também: Líder de partido vencedor polaco reconhece que será difícil criar governo

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