"A grande maioria dos médicos sabe que não poderá cumprir o seu juramento perante os doentes num regime que não aceita o papel da razão", declarou Hagai Levine, presidente da Associação Israelita de Saúde Pública, que representa a quase totalidade dos médicos do país.
Levine referia-se à lei aprovada na segunda-feira que impede o Supremo Tribunal de utilizar o critério da "razoabilidade" para anular decisões governamentais.
"Esta revisão vai prejudicar a saúde pública e o sistema de saúde em Israel", disse Levine, acrescentando que mais de mil médicos já pediram para abandonar o país e ir trabalhar para o estrangeiro,
Apenas as urgências e os cuidados intensivos estarão em funcionamento durante a greve dos médicos.
Por outro lado, o maior sindicato de Israel, o Histadrut, que representa cerca de 800.000 trabalhadores, disse hoje que vai reunir-se nos próximos dias para planear uma greve geral a nível nacional.
A votação parlamentar de segunda-feira -- a primeira de uma série de medidas que compõem a reforma judicial do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu -- ocorreu apesar dos sete meses de forte resistência popular, das promessas governamentais de um eventual compromisso e de um raro aviso contra a reforma por parte do aliado mais próximo de Israel, os Estados Unidos, e repercutiu-se em todo o país.
O projeto de lei foi aprovado no Parlamento por unanimidade pela coligação governamental, que inclui partidos ultranacionalistas e ultra-religiosos, depois de a oposição ter abandonado a sala aos gritos de "Vergonha!".
Mas os opositores dizem que ainda não terminaram a luta, tendo criado "grupos de defesa dos direitos civis", e apresentaram petições ao Supremo Tribunal, pedindo a anulação da nova lei, com os protestos a agitar as ruas do país durante a noite.
Paralelamente, milhares de oficiais das reservas militares anunciaram que deixarão de se apresentar para o serviço voluntário - um golpe que pode comprometer a prontidão operacional do país -- e os líderes de empresas de alta tecnologia estão a considerar a possibilidade de mudarem para outro país.
Cinco dos principais jornais de Israel imprimiram hoje um fundo negro na capa das publicações com a frase "um dia negro para a democracia israelita" num protesto contra a aprovação da reforma judicial.
A iniciativa foi organizada por um movimento de manifestantes que trabalham em empresas de tecnologia de ponta que se opõem frontalmente à aprovação, na segunda-feira, da lei que reforma o sistema judicial de Israel.
As capas de protestos foram publicadas nos jornais, Yediot Ahronot, The Marker, Haaretz, Calcalist e no jornal conservador Israel Hayom.
A agitação social centrou-se sobretudo em Telavive, por onde se espalharam milhares de pessoas, que queimaram pneus, lançaram fogo de artifício e agitaram bandeiras nacionais.
No centro de Jerusalém, a polícia lançou canhões de água contra os manifestantes, prendendo cerca de 40 pessoas. Pelo menos 10 polícias foram agredidos e feridos, segundo as autoridades.
Segundo analistas políticos citados hoje pela agência noticiosa Associated Press (AP), a revisão também ameaça comprometer as relações com a administração norte-americana de Joe Biden, pôr em risco a aproximação em curso do país aos Estados árabes e aprofundar o conflito de Israel com os palestinianos.
"Penso que este país se vai dividir em dois ou acabar por completo", disse à AP Yossi Nissimov, um manifestante numa 'cidade de tendas' montada por manifestantes à porta do Knesset, o Parlamento, em Jerusalém.
A presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Esther Hayut, juntamente com outros cinco juízes mais antigos, interromperam uma viagem à Alemanha para lidar com a crise, disse o porta-voz do tribunal.
Espera-se que os juízes analisem as petições contra a revisão, mas qualquer iniciativa do tribunal no sentido de anular a nova lei de Netanyahu poderá conduzir a uma crise constitucional e colocar os magistrados numa rota de colisão sem precedentes com o governo israelita.
Os manifestantes temem também que a revisão seja alimentada pelas queixas pessoais de Netanyahu, que está atualmente a ser julgado por acusações de suborno, fraude e quebra de confiança.
Embora os manifestantes representem vastos sectores da sociedade, provêm em grande parte da classe média do país. Os apoiantes de Netanyahu tendem a ser mais pobres, mais religiosos e a viver em colonatos da Cisjordânia ou em zonas rurais periféricas.
A reforma judicial, ao aprofundar as divisões sociais e religiosas de Israel, pôs a nu "uma luta pelos valores básicos de Israel", disse o historiador israelita Tom Segev.
"Nunca na história de Israel tivemos um governo tão perigoso para os próprios fundamentos democráticos da sociedade", opinou.
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