John Lee. Vai ser precisa "arte" para vender "novo capítulo chinês"
Académicos ouvidos pela Lusa dividem-se entre o otimismo e a desconfiança nas capacidades do novo líder de Hong Kong em "vender" à população, mergulhada numa crise económica e social, o "virar de página" imposto por Pequim.
© Reuters
Mundo Hong Kong
O manifesto do único candidato às eleições de domingo para chefe do executivo da ex-colónia britânica, John Lee, intitula-se 'Começar juntos um novo capítulo para Hong Kong'.
Mas para o investigador Éric Sautedé, do Centro Francês de Investigação sobre a China Contemporânea, a desconfiança e a impopularidade de John Lee vão tornar "muito difícil vender o novo capítulo chinês a Hong Kong".
"É extremamente impopular. Foi o rosto da repressão do movimento [pró-democracia e antigovernamental de 2019], rosto da brutalidade policial. Foi ele que tentou fazer passar a Lei da Extradição, que desencadeou os protestos", lembra o académico.
"Tem como missão reinventar Hong Kong, com problemas de mobilidade social, de habitação, no setor financeiro, mas há muita desconfiança", sublinha.
Para Sautedé, a segurança está no topo da lista das prioridades de John Lee e aí, "terá melhores hipóteses", uma vez que o seu currículo e experiência política e nas forças de segurança "garantiram-lhe melhores canais e contactos com Pequim", assinala.
Nessa perspetiva, destaca, "até pela competência e confiança", será para Pequim "o homem certo" para ocupar o cargo de chefe do Governo de Hong Kong.
Já no contexto da miniconstituição de Hong Kong, a Lei Básica, que preconizava que se avançasse para o sufrágio universal nas eleições para chefe do Governo da região administrativa especial chinesa, "não é o caso", ainda para mais porque aparece como único candidato apoiado por Pequim, sem que se vislumbrem "eleições com escolhas reais".
Já eventuais fragilidades na área da economia e finanças apontadas em vários setores da sociedade de Hong Kong, o investigador desvaloriza.
"Muita gente tem falado dessa limitação, mas, para ser justo, depende da qualidade da equipa que escolha para o ajudar na tomada de decisões. É uma falsa questão", enfatiza.
O académico de Hong Kong Sonny Lo, por sua vez, concorda que Lee vai ser confrontado com "grandes desafios", em especial sociais e económicos.
No manifesto em que John Lee fala num "novo capítulo", frisa o especialista em ciência política, o único candidato procura dar resposta a temas que vão desde a habitação social, mobilidade jovem, mas também à competitividade interna e externa de Hong Kong, bem como ao acelerar dos ideais patrióticos.
Contudo, salienta, "o maior desafio está na escolha da equipa e na delegação de competências, do desempenho dos escolhidos e da capacidade de cooperação que garanta melhores políticas".
De uma forma global, Sonny Lo expressa "otimismo, a longo prazo" na capacidade de "estabilizar a economia e a sociedade", uma vez debelados os protestos e a maior vaga de covid-19, que criaram, respetivamente, em 2019 e neste ano, o caos no território.
O legado da chefe do Governo que cessa agora funções é extenso, mas o académico ressalva que Carrie Lam "teve um desempenho muito difícil, perante crises sem precedentes".
"Nenhum dos seus antecessores, desde 1997, encontrou tais dificuldades económicas, de saúde pública e políticas, mas a verdade é que conseguiu aguentar a situação com o apoio de Pequim, em especial durante as manifestações, quando a China teve de reagir aos movimentos radicais, razão pela qual a Lei da Segurança Nacional teve de ser implementada", sustenta.
Para Éric Sautedé, contudo, o facto de Carrie Lam ter procurado executar "um trabalho impossível", o de "servir dois patrões", nas suas próprias palavras, acabou por condicionar o seu único mandato, mas também de demonstrar "a falta de imaginação, de vontade e capacidade de todos os chefes do Executivo anteriores".
Com uma agravante, aponta: "Em março de 2019 [antes do início dos protestos], a sua popularidade era mais baixa do que qualquer outro chefe do Governo anterior".
Por isso, conclui, "é difícil comprar a ideia de que foi uma vítima ou refém de um cargo que a deixou presa entre Pequim e a população de Hong Kong".
As eleições de domingo em Hong Kong são apenas um pró-forma para designar o novo chefe do Governo, cuja tomada de posse está agendada para 01 de julho, dia em que se assinala o 25.º aniversário do regresso de Hong Kong à China.
O líder de Hong Kong é escolhido de cinco em cinco anos.
O chefe do Governo não é eleito por voto popular, mas por uma comissão eleitoral que este ano não chega a integrar 1.500 membros, todos eles leais a Pequim.
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