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"Efeito Crimeia"de 2014 não será possível de repetir pela Rússia

 O Presidente da Rússia tem pouco a ganhar internamente com a crise nas relações com a Ucrânia porque o "efeito Crimeia" não pode ser repetido, mas manterá condições para permanecer no poder, afirmou à Lusa o investigador Arkady Moshes.  

"Efeito Crimeia"de 2014 não será possível de repetir pela Rússia
Notícias ao Minuto

10:03 - 12/02/22 por Lusa

Mundo Investigador

"Vladimir Putin possui uma grande flexibilidade a nível interno. As instituições estão sob controlo, a Rússia é um estado autoritário, e a sua manutenção no poder não depende muito do desfecho da atual crise", considerou Moshes, diretor do programa para a Europa de leste e Rússia do Instituto Finlandês de Assuntos Internacionais (FIIA), sediado em Helsínquia.

Apesar de considerar que o líder do Kremlin não pode extrair importantes proveitos políticos desta crise, mesmo que a sua estratégia seja bem-sucedida, o atual cenário é muito diverso do registado há oito anos, na sequência da "designada "revolução de Maidan" que levou ao poder um Governo "pró-ocidental" e a consequente anexação da península da Crimeia pela Rússia e o início do conflito no leste do país.

"O designado 'efeito Crimeia' foi um momento de euforia que não pode ser repetido. Há oito anos, quando a Rússia anexou a Crimeia, foi uma medida que agradou à população, a maioria dos russos considerou-a justa, legítima, que a população da Crimeia queria juntar-se à Rússia. Foi popular e basicamente não teve custos. Não houve guerra, não chegaram caixões com mortos à Rússia, foi rápido", assinalou o académico, também membro do Programa de Novas Abordagens sobre Pesquisa e Segurança na Eurásia (PONARS, Eurásia).

O impacto a nível interno de novos sucessos protagonizados pela Rússia no seu envolvimento político-militar além-fronteiras também acabou por ser mitigado, assinalou, apontando o exemplo da Síria.

"A atuação russa na Síria foi muito bem-sucedida. Em relação à situação no terreno e face ao ocidente, a Rússia não permitiu que o ocidente concretizasse a sua agenda na Síria, mas no interior do país teve um efeito quase nulo na popularidade do Governo de Putin", indicou.

No entanto, Arkady Moshes adverte que a atual situação na Ucrânia pode ser "mais complicada" para o Kremlin, pelo facto de uma eventual escalada implicar um conflito em larga escala, com fortes consequências.

"Ninguém pode considerar que será uma guerra fácil. Será uma guerra. E os custos serão significativos, haverá mortos, e não será particularmente popular num país onde existem muitos 'patriotas do sofá', como os designamos. Os que gostam de ver os sucessos na televisão, mas não necessariamente enviar os seus filhos para combater".

O analista, especialista nas relações União Europeia-Rússia e nas políticas interna e externa dos países desta região e ex-repúblicas soviéticas, admite que o foco deve continuar a ser dirigido para as negociações em curso, a vários níveis e com diversos protagonistas - em particular em torno das "garantias de segurança" emitidas por Moscovo - e que poderão mesmo implicar algumas concessões à Rússia.

"Também isso não alterará em muito a popularidade do Governo, mas é qualquer coisa. Em comparação com o risco de uma escalada, é uma estratégia de saída muito mais fácil no âmbito da atual crise. Espero que seja conseguida".

No atual contexto, frisa, a opinião pública russa "não está preparada para a guerra", mas no caso de um conflito admite que Putin permanecerá no poder.

Mas a opção pela ocupação e anexação de territórios, envio de tropas terrestres para os controlar, implicaria uma situação que se prolongaria por largos anos, e um exercício particularmente arriscado.

"No passado, a Rússia errou várias vezes nos seus cálculos, nas duas revoluções ucranianas e em 2014-2015, quando pensou que metade da Ucrânia estava simplesmente à espera de ver a libertação por parte dos soldados russos ou pró-russos. Na realidade isso não aconteceu e a maioria dos soldados na linha da frente e do lado ucraniano eram falantes de russo (russófonos)", assegurou.

"Os cálculos errados aconteceram e penso que neste momento uma análise sóbria supõe que a situação pende mais para a busca de um compromisso que para uma escalada. Caso se inicie será uma grande guerra, com baixas, e nesse caso não é possível analisar que impacto teria".

Na sua perspetiva, a perspetiva de uma invasão militar da Ucrânia - que tem frequentemente sido admitida no ocidente, em particular pelos Estados Unidos - "não é inevitável".

Numa referência ao "plano original" da liderança russa, Arkady Moshes, considera que se destinava essencialmente "a demonstrar a prontidão para impor pressão militar, mas não necessariamente uma invasão e que seria demasiado arriscado", apesar de considerar que ninguém pode excluir essa hipótese.

"Mas tenho verificado nos últimos meses que o desejo da Rússia consiste em prosseguir as negociações. Haverá encontros na base do formato da Normandia a nível de conselheiros [componente política do processo de paz que permanece bloqueado e com envolvimento da Rússia, Ucrânia, Alemanha e França], trocas de cartas entre a Rússia e os países europeus e NATO, visitas a Moscovo, algumas mais bem-sucedidas que outras, e que indicam a existência de uma vontade séria para prosseguir no caminho da diplomacia. Não penso que a invasão seja inevitável".

Moshes recordou ainda que em 2014 e 2015 a Ucrânia era um "Estado neutral", não alinhado militarmente, mas que se confrontou com a perda de território e um conflito no leste.

Neste contexto, considera que as posteriores emendas à Constituição ucraniana, com a consequente aproximação às estruturas euro-atlânticas, foi o resultado de uma experiência "muito negativa" como não-alinhado.

"Tinha procurado ser membro da NATO antes, procura agora o mesmo, mas em 2014 não procurava essa adesão. E iniciou-se a crise... Oferecer agora à Ucrânia o mesmo do que quando perdeu os seus territórios será impraticável, condenado ao fracasso, e é compreensível", num mundo "totalmente diferente e num sistema de segurança europeia totalmente diverso" do existente após a Segunda Guerra Mundial.

Uma situação que comparou à existente no seu país, e na vizinha Suécia, que após os tratados de Ialta e Potsdam viram negado o direito de optar a que aliança pertencer.

"Aceitar ou não um país na NATO é uma questão diferente, porque o caso tem de ser analisado. Mas negar a um país o direito de escolher a que aliança pertencer e pedir essa adesão é totalmente obsoleto e inaceitável no século XXI", concluiu.  

Leia Também: Rússia pretender converter a Ucrânia "numa Bósnia"

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