Etiópia e Eritreia terão cometido crimes contra a humanidade em Tigray
As autoridades etíopes e eritreias poderão ter cometido crimes de guerra e contra a humanidade em Tigray, alerta hoje a Human Rights Watch (HRW), que fala em limpeza étnica, massacres em larga escala e violência sexual generalizada.
© AMANUEL SILESHI/AFP via Getty Images
Mundo Direitos Humanos
No seu 32.º relatório anual, em que descreve as suas preocupações com os direitos humanos em 100 Estados, praticamente todos os países onde trabalha, a HRW inclui 24 países da África subsaariana e em quase todos conta que a situação dos direitos humanos se manteve preocupante ou piorou no último ano.
A guerra na região etíope de Tigray, que começou em novembro de 2020 e já merecia destaque no último relatório da HRW, no ano passado, provocou "nova deterioração" da situação humanitária e dos direitos humanos na Etiópia, avisa a organização.
Em Tigray, sublinha-se no relatório, "as forças governamentais [etíopes] cometeram limpeza étnica, massacres em larga escala, violência sexual generalizada, bombardeamentos indiscriminados, pilhagens e ataques a escolas e hospitais".
Até meados de 2021, estes abusos terão deixado 350 mil pessoas à beira da fome extrema e o cerco imposto pelas forças governamentais após sair do território em junho "impediu virtualmente qualquer assistência humanitária de chegar à região, violando a lei internacional humanitária e possivelmente cometendo o crime de guerra de usar a fome como arma de guerra", escrevem os autores do relatório.
O conflito teve também consequências fora da região de Tigray, com as autoridades etíopes a deterem arbitrariamente pessoas de etnia tigray em Adis Abeba, onde também terão provocado desaparecimentos forçados e encerrado negócios de muitos cidadãos daquela etnia.
Além das forças etíopes, também as forças governamentais eritreias cometeram crimes de guerra e possivelmente crimes contra a humanidade e outras violações graves contra civis de Tigray no conflito, alerta a HRW.
Segundo o relatório, as forças da Eritreia, que se envolveram no conflito ao lado do Exército federal etíope, executaram massacres em larga escala, execuções sumárias e violência sexual generalizada, incluindo violações, violações em grupo e escravatura sexual.
Foram ainda responsáveis por desaparecimentos forçados de dezenas de refugiados eritreus que viviam em Tigray, tendo repatriado coercivamente centenas deles e destruído dois campos de refugiados eritreus.
As forças eritreias também cometeram pilhagens generalizadas, tendo a maioria dos bens pilhados sido levados para a Eritreia.
O conflito em Tigray alastrou às regiões de Amhara e Afar, provocando deslocamentos em larga escala, e as forças de Tigray foram também implicadas em graves violações dos direitos das pessoas de Amhara, acrescenta-se no documento.
A HRW recorda que uma investigação conjunta da Comissão de Direitos Humanos da Etiópia e do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos concluiu que houve violações generalizadas dos direitos humanos, da lei humanitária internacional e da lei internacional dos refugiados cometidas por todas as partes no conflito de Tigray, algumas das quais poderão ser consideradas crimes de guerra e contra a humanidade.
A guerra no Tigray eclodiu em 04 de novembro de 2020, quando o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, enviou o Exército federal para a província no norte do país, com a missão de retirar pela força as autoridades locais da Frente Popular de Libertação de Tigray (TPLF, na sigla em inglês), que há meses desafiavam a autoridade de Adis Abeba.
Abiy Ahmed declarou vitória três semanas depois da invasão, quando o Exército federal capturou a capital, Mekele.
Em junho deste ano, porém, as forças afetas à TPLF já tinham retomado a maior parte do território do Tigray, e continuaram a ofensiva nas províncias vizinhas de Amhara e Afar.
Em novembro, as forças de Tigray e forças insurgentes aliadas da Oromia (outra província etíope) começaram a retirar das áreas ocupadas para a região de origem. Em contrapartida, o poder em Adis Abeba comprometeu-se a não voltar a invadir a província rebelde.
O Exército federal está nas fronteiras de Tigray e retomou o controlo de várias posições anteriormente nas mãos das forças da TPLF em Amhara e Afar.
O conflito na Etiópia provocou a morte de vários milhares de pessoas e fez mais de dois milhões de deslocados, deixando ainda centenas de milhares de etíopes em condições de quase fome, de acordo com a ONU.
A ONU estima, por outro lado, que entre novembro e dezembro tenham sido detidas entre 5.000 e 7.000 pessoas, incluindo membros do seu pessoal, sobretudo de etnia tigray.
Os intensos esforços diplomáticos, incluindo os da União Africana, para alcançar um cessar-fogo, não produziram até agora qualquer progresso decisivo.
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