Sugestão de renúncia de Morales pode ter sido forjada, diz ministra
O ex-Presidente da Bolívia, Evo Morales poderá ter forjado o cenário de golpe de estado, envolvendo o então comandante das Forças Armadas, Williams Kaliman, e o governo mexicano, acusou, em entrevista à Lusa, a chefe da diplomacia boliviana.
© Reuters
Mundo Bolívia
"Não sabemos se a persuasão do comandante das Forças Armadas foi espontânea ou se foi planeada", questionou a ministra Karen Longaric.
A suspeita de Karen Longaric é que possa ter havido uma combinação prévia entre Evo Morales e Williams Kaliman ou mesmo uma indução por parte de Evo Morales para que o comandante das Forças Armadas "sugerisse" a renúncia do ex-Presidente no passado 10 de novembro.
Para a chefe da diplomacia boliviana, Evo Morales, encurralado pelos grande e participados protestos populares e ciente de que perderia numa nova eleição, teria criado o cenário de um suposto golpe de estado para justificar a sua saída do governo.
"O senhor Evo Morales, indubitavelmente, estava muito bem assessorado. Possivelmente planeou todo este cenário, inclusive o do México para que acontecesse esta situação tão penosa na Bolívia", desconfia a ministra.
Evo Morales vinha de três semanas de protestos que começaram por denunciar a fraude nas eleições presidenciais e exigiam a repetição do escrutínio, mas que terminaram por pedir a sua renúncia à medida que o então Presidente redobrava a aposta, declarando-se vencedor e cercando as cidades para sufocar as manifestações.
O empurrão final veio por parte do comandante das Forças Armadas, o general Williams Kaliman, que, apesar de aliado de Morales e de o tratar por "irmão Presidente", "sugeriu" publicamente que Evo Morales renunciasse como saída para pacificar o país.
Um artigo da Lei Orgânica das Forças Armadas diz que os comandantes têm o dever de avaliar os conflitos externos e internos para "sugerir" soluções. Essa "sugestão" foi o argumento perfeito para Morales denunciar um golpe de Estado, recebendo asilo no México.
"As próprias Forças Armadas sabiam que a pressão do povo seria impossível de parar, impossível de ser detida", argumenta Karen Longaric para explicar a declaração do general Kaliman, usada por líderes políticos no exterior para acusarem a realização de um golpe de Estado.
"De nenhuma maneira foi golpe de Estado. Essa é uma leitura muito forçada. É [uma leitura] ofensiva à decisão do povo boliviano, aos direitos do povo boliviano. A comunidade internacional, com esta atitude, está a ofender os direitos do povo boliviano. O povo saiu a marchar, pacificamente, a pedir que respeitassem o voto", defende a ministra.
Com a aparição de um general em cena, a comunidade internacional dividiu-se. Vários países governados pela esquerda endossaram a tese do golpe. Os governados pela direita preferiram o silêncio ou denunciaram a fraude eleitoral.
A fraude foi constatada pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
"A partir da fraude eleitoral escandalosa, a população civil saiu espontaneamente às ruas, sem a liderança de ninguém. Saiu espontaneamente a reivindicar o seu voto. Foi um protesto pacífico conformado por jovens com a convicção de rejeitar a fraude eleitoral", destacou a ministra.
"Essa pressão popular veio acompanhada pela auditoria da OEA. Evo Morales sabia que essas evidências já não o podiam sustentar nem mais um minuto no governo", explica Longaric, observando que certos países não veem o processo de fraude, detendo-se na "sugestão" de renúncia por parte do general.
"Efetivamente. Prendem-se a isso e, deliberadamente, ignoram outras evidências", admitiu.
"Na verdade, foi uma sugestão muito especial, mas foi uma sugestão. Um golpe de estado é uma imposição, é pressão, é coação. De nenhuma maneira, o que aconteceu pode ter uma leitura de golpe de estado. É por isso que estranho o comportamento de certos países da comunidade internacional que têm maior interesse em preservar a estabilidade e a paz da região, mas que estão a virar-nos as costas ou estão a adotar uma posição tímida", queixou-se a ministra.
Contra a tese do golpe estão os argumentos de que Evo Morales estava a apenas dois meses de terminar o seu mandato, de que o vácuo deixado no poder não foi ocupado por nenhuma força militar e de que a renúncia de Evo Morales não precisava de vir acompanhada de toda a linha sucessória como o vice-Presidente, Álvaro García Linera, e a presidente do Senado, Adriana Salvatierra, do Movimento Ao Socialismo (MAS), partido de Evo Morales que estaria agora a comandar o processo de transição.
"A senhora Adriana Salvatierra poderia estar a conduzir este processo. Talvez fosse necessário fazer uma análise muito mais profunda sobre qual foi a intenção de Morales de renunciar, o vice-presidente e Adriana Salvatierra. A comunidade internacional tem de ter a capacidade de fazer uma leitura correta", pediu Longaric.
"Este governo de transição não quer estender o seu mandato porque o país é uma batata quente se não conseguirmos a pacificação. As consequências podem ser alcances inimagináveis", advertiu a chefe da diplomacia Karen Longaric.
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