"Estão a atravessar. São entre 20 e 30 pessoas diariamente", revela à Lusa Mario Medina, coordenador operacional do albergue El Barretal, onde acampam 3.000 migrantes.
"De repente, na manhã seguinte, aparecem espaços vazios onde antes havia uma família. Pergunto o que aconteceu. Os vizinhos de acampamento respondem que já atravessaram. Como para cá não voltam, concluo que conseguiram entrar nos Estados Unidos", explica Medina.
Segundo a mesma fonte, essa tendência começou há uma semana, pouco depois de os migrantes chegarem ao albergue. "Todos os dias, umas duas famílias partem para cruzar a fronteira", calcula.
Até ao dia 30 de novembro, cerca de seis mil migrantes acampavam em Benito Juárez, uma unidade desportiva próxima da fronteira.
A falta de condições do espaço, onde os migrantes estavam confinados e amontoados, expostos ao lixo e ao esgoto, levou as autoridades municipais de Tijuana a adaptar 'El Barretal', um espaço para espetáculos ao Leste de Tijuana.
Cerca de 500 pessoas resistiram à mudança e continuam a acampar em frente a Benito Juárez.
Um número indeterminado temeu que a mudança significasse um plano oculto de deportação e procurou refúgio em casas para migrantes e igrejas.
Atualmente, em El Barretal há metade do número de migrantes que havia em Benito Juárez. Três mil migrantes simplesmente desapareceram.
"É possível que parte desses já tenham cruzado a fronteira ou até procurado outras regiões de fronteira para a travessia", diz Mario Medina, coordenador de El Barretal.
Segundo o Departamento de Alfândega e Proteção de Fronteira (em inglês, Customs and Border Protection), neste setor da fronteira Tijuana-San Diego, as prisões de famílias migrantes que tentam cruzar a fronteira de forma ilegal aumentaram 601% em novembro em relação ao mesmo período do ano passado. Foram 4.574 pessoas, incluindo 311 menores que viajavam sozinhos.
Em toda fronteira México-Estados Unidos, a média diária ficou em 135 detenções, mais 59 do que a média diária de novembro do ano passado.
Uma nova coluna com 2.000 pessoas sobe pelo México. Vai alcançar Tijuana nesta semana.
"Acreditamos que a maior parte ficará pelo caminho. Calculamos que aqui a este albergue cheguem umas 500 pessoas", prevê Medina.
Segundo o Instituto Nacional de Migrações do México, 9.471 migrantes centro-americanos entraram no país desde 19 de outubro. Desses, sete mil pessoas chegaram à Baixa Califórnia, principalmente a Tijuana e, em menor medida, a Mexicali, também na fronteira, a 200 quilómetros de Tijuana.
A partir das 17:00, quando a noite invade o albergue El Barretal, surgem círculos de conversa com um líder no centro. As conversas são em baixo volume de voz como se um plano estivesse a ser traçado.
"Sim, conversam sobre como atravessar a fronteira. Esse é o objetivo final deles. É evidente que há grupos de migrantes com lideranças", diz à Lusa Rodulfo Figueroa, atual coordenador geral da caravana migrante em Tijuana e ex-delegado do Instituto Nacional de Migração no estado da Baixa Califórnia.
"O nosso maior desafio aqui é impor a ordem. São pessoas que não reconhecem a autoridade. Vêm de países com ausência do Estado", explica.
Em El Barretal, três organizações dos Estados Unidos, com advogados norte-americanos, dão assessoria legal aos migrantes sobre como obter asilo do outro lado da fronteira.
"O nosso objetivo aqui é orientar as pessoas sobre os direitos que têm quando se apresentam aos agentes da fronteira. Explicamos o que esses agentes procuram quando as entrevistam, que requisitos precisam para o pedido de asilo e qual parte de cada caso é forte ou fraca", indica à Lusa Jaime Melo, advogado nascido em Los Angeles, filho de pais mexicanos que cruzaram a fronteira há 50 anos.
Melo recorda que, embora exista uma lei escrita, os migrantes dependem da interpretação de cada juiz e de cada tribunal.
"É um enredo complicado: existem os tribunais de migração e os tribunais federais. Cada um tem a sua interpretação que também varia em cada região. É comum não estarem de acordo entre si. O pedido pode chegar ao Tribunal Supremo. Assim, um pedido de asilo pode levar anos", descreve Melo.
Fernando e Douglas, que não revelam os apelidos nem permitem fotos, vêm de El Salvador. Não podem pedir asilo porque têm antecedentes. Foram deportados dos Estados Unidos. A única alternativa é a ilegalidade. Aproveitaram a caravana para tentar voltar.
Fernando foi deportado há nove anos, deixando em Los Angeles a mulher, uma filha (hoje com doze anos) e um filho (com nove anos), recém-nascido quando foi deportado.
Douglas foi deportado por conduzir embriagado, depois de ficar preso e de pagar 10 mil dólares de fiança. Os dois querem voltar para trabalhar na construção civil que paga em dinheiro vivo, sem formalidades. A única saída será pagar pelos serviços de algum coiote (nome que se dá no México aos passadores de migrantes) e atravessar o deserto durante dois dias.
Para juntar o dinheiro, conseguiram "vistos humanitários" do México e vão trabalhar em Tijuana.
"Vamos entrar por Mexicali porque um coiote lá cobra 4.500 dólares enquanto aqui em Tijuana cobram entre 8 e 10 mil dólares. Vamos trabalhar até juntar esse dinheiro. Vale a pena o esforço porque recuperamos o dinheiro trabalhando lá", diz Douglas com palavras do português que aprendeu em Nova Jérsia com as comunidades portuguesa e brasileira.