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Menopausa. "É só mais uma fase da vida da mulher, não é doença"

Raquel Vareda, médica interna de saúde pública, partilha algumas estratégias para que o fim da idade fértil, motivo de constrangimento para muitas mulheres, seja encarado com naturalidade e vivido da forma mais tranquila possível.

Menopausa. "É só mais uma fase da vida da mulher, não é doença"
Notícias ao Minuto

13:30 - 08/03/23 por Ana Rita Rebelo

Lifestyle Entrevista

A vilã à espera de todas elas e o fim da linha. A menopausa ainda é vista assim na nossa sociedade, inclusive pelas mulheres, que sentem a mente e o corpo a envelhecer a ritmos diferentes. As angústias corroem e vivem-se em silêncio os afrontamentos, a irritabilidade, a perda de libido e outras mudanças que fazem parte de um processo biológico natural por que todas passam, como explica Raquel Vareda, médica interna de saúde pública, ao Lifestyle ao Minuto, no dia em que se assinala o Dia da Mulher.

"É um processo biológico, fisiológico, natural e perfeitamente normal da vida da mulher, o que não significa que seja sempre fácil passar por ele", afirma a médica. Raquel Vareda lamenta "o 'gap' de conhecimento" sobre a saúde da mulher. "Até há algumas décadas nem sequer percebíamos exatamente o que era a menopausa e existia muito mistério associado", o que "gerou estigma e inibiu ao longo de muito tempo as mulheres de falarem da menopausa e da fase que se segue". Mesmo assim, importa lembrar que "é só mais uma fase da vida da mulher, não é doença".

Salientando que ainda há "um longo caminho a percorrer", a médica refere que "ainda se associam à menopausa vários mitos e conceções erradas". "É para contrariar esse fenómeno que temos de trabalhar" e "sem dúvida que as novas gerações vão fazer parte desse progresso".

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O que é a menopausa? 

A menopausa corresponde ao fim da fertilidade feminina e pode ser confirmada após 12 meses consecutivos sem qualquer menstruação. Quando uma mulher começa a ter irregularidades menstruais - ou seja, menstrua mais tempo, mais vezes, menos vezes... Depende da mulher! -, por volta dos 45-58 anos (a idade média da menopausa em Portugal é de 51 anos), dizemos que está a 'entrar na menopausa' (medicamente, chamamos a esta fase de climatério). Mas na prática apenas podemos dizer que alguém está efetivamente na menopausa depois de um ano sem menstruações, ou seja, é um diagnóstico retrospetivo, e este processo pode demorar alguns anos. É um processo biológico, fisiológico, natural e perfeitamente normal da vida da mulher, o que não significa que seja sempre fácil passar por ele.

O que acontece realmente ao organismo?

Quando nascemos, temos uma quantidade finita de óvulos, que vamos desenvolver e utilizar ao longo da vida, em cada ciclo menstrual. Na prática, aquilo que está a acontecer no nosso organismo no momento da menopausa é que os nossos ovários estão a chegar ao final dos óvulos disponíveis. Quando deixam de existir óvulos para desenvolver, os nossos ovários entram em 'falência' e produzem quantidades de estrogénios e de outras hormonas inferiores. É essencialmente a diminuição desta hormona que causa a maioria dos sintomas associados à menopausa.

Verificam-se alterações físicas e psíquicas na mulher? Ao longo deste processo, quais os sintomas habitualmente associados à menopausa?

Existem três grandes conjuntos de sintomas quando falamos de menopausa: os vasomotores, os genito-urinários e os psicológicos. A maioria das mulheres vai sofrer de sintomas vasomotores (calores ou afrontamentos), especialmente nos primeiros anos... A mulher não consegue controlá-los e são basicamente uma 'onda de calor' que atravessa o corpo da mulher - essencialmente na metade superior, daí que sejam mais visíveis para as outras pessoas - durante alguns minutos e que depois são seguidos muitas vezes por suores frios. Algumas mulheres sentem também náuseas, mal-estar, tonturas, dores de cabeça... Pode ser bastante chato!

Relativamente aos sintomas genito-urinários, estamos a falar essencialmente de atrofia da mucosa vaginal, isto é, das células das paredes da vagina. O estrogénio é essencial para a lubrificação e saúde das paredes vaginais e estas ressentem-se um bocado na sua ausência. Isto significa que relações sexuais podem ser mais dolorosas e que a mucosa pode mesmo sangrar mais facilmente (em 'mediquês', chamamos a isto de friável). Obviamente, isto vai reduzir a libido da mulher e também pode afetar a autoestima e ter como consequência uma patologia psicológica. Além disso, porque a uretra também atrofia um pouco, é mais frequente voltarem a surgir infeções urinárias nestas idades.

No que diz respeito aos sintomas psicológicos, além de todas estas mudanças corporais da mulher poderem ter um grande impacto na sua saúde mental e que não deve ser desvalorizado, a própria alteração hormonal pode causar ainda insónias. Tem também vindo a ser sugerida uma associação entre menopausa e síndromes depressivas. Ainda não está bem estabelecido que exista uma relação direta, mas efetivamente parece existir um aumento da sintomatologia ansiosa e da tristeza, e também muitas oscilações de humor auto-reportadas.

Cerca de 85% das mulheres vai ter algum sintoma

E o que não é 'normal'?

Todos estes sintomas que descrevi são expectáveis, mas não são necessariamente 'normais', no sentido em que, embora saibamos que vão provavelmente acontecer a um elevado número de mulheres na menopausa (especialmente os vasomotores), devemos prestar cuidados às utentes e ajudá-las a ultrapassar esta fase da forma mais plena possível. Na prática, isso significa que mulheres com sintomatologia mais grave e que condicione muito a qualidade de vida vamos obviamente tratar, geralmente, com terapêutica hormonal de substituição, seja em comprimidos ou em gel vaginal, e tentar recomendar outras terapêuticas, de acordo com os sintomas, e um estilo de vida saudável.

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Além da menopausa propriamente dita, existem outras fases até à cessação da capacidade reprodutiva? 

No que diz respeito à vida reprodutiva da mulher, podemos dividir em algumas fases, que são úteis do ponto de vista essencialmente médico, porque cada fase traz-nos problemas/desafios diferentes no que diz respeito à saúde das mulheres: a menarca (é aquilo que chamamos à primeira menstruação, que nos indica que a jovem entrou no período fértil, e geralmente acontece entre os 10-15 anos); o período fértil propriamente dito (em que consegue engravidar, durante a vida adulta); o climatério e menopausa (basicamente, os anos de irregularidades menstruais em que a fertilidade reduz bastante até deixarmos mesmo de ser férteis e termos menstruação); e a fase pós-menopausa até eventualmente à morte da pessoa.

Dizia que a idade média da menopausa em Portugal é de 51 anos. Mas há uma idade certa para receber um diagnóstico clínico de menopausa? Que fatores podem, por exemplo, condicionar uma menopausa mais precoce?

Não existe propriamente uma idade certa para uma mulher saudável receber um diagnóstico clínico de menopausa, mas definimos como qualquer mulher com idade superior a 45 anos que não tem menstruações espontâneas há mais de 12 meses, sendo a idade média de 51 anos. Pode acontecer que a mulher tenha alguma doença mais cedo e tenha de retirar os ovários e, nesse caso, estaríamos perante uma menopausa induzida medicamente. Mas numa mulher saudável, a idade da menopausa depende essencialmente de fatores genéticos. E, por isso, a idade em que a mãe e avó tiveram menopausa vai ser um indicador importante; a idade em que a própria mulher teve a menarca também teve um impacto, porque quanto mais cedo, mais provável é a menopausa ser mais cedo também. Depende ainda de alguns fatores comportamentais. Sabemos que fumar causa em muitas mulheres uma menopausa mais precoce. Curiosamente,  índices de massa corporal (IMC) mais elevados (obesidade) parecem associar-se a menopausas mais tardias, e IMC mais baixos (peso em falta) a menopausas mais precoces. O ideal é mesmo um IMC normal.

Qual a relação entre a menopausa e a alimentação? 

Não existe necessariamente uma relação direta, no sentido em que não existem propriamente alimentos específicos que nos vão ajudar a adiar a menopausa. No entanto, a alimentação pode ter um grande impacto na vivência de uma menopausa mais tranquila, de um ponto de vista médico e também dos sintomas da mulher. Sabemos que mulheres com peso saudável (IMC normal), praticantes de atividade desportiva e com vidas menos stressantes, têm mais provavelmente menopausas mais tardias e menos sintomas. Neste sentido, não existe um alimento específico recomendado, mas uma dieta variada e equilibrada, essencialmente baseada em vegetais, leguminosas, frutas e oleaginosas, com baixo consumo de proteínas vegetais e lacticínios, baixo consumo de álcool e com muito consumo de água. Além disso, défices de vitamina B12 já foram associados a menopausa precoce, por isso é uma vitamina importante.

Só muito recentemente começámos a estudar a fundo a fisiologia da mulher e reconhecemos a importância das mudanças hormonais e das fases da sua vida

Porque é que algumas mulheres atravessam esta etapa da vida com mais queixas, transtornos e sintomas que outras? 

Cerca de 85% das mulheres vai ter algum sintoma, mais frequentemente vasomotor, e felizmente a maioria atravessa estes anos (regra geral, dois-três anos de transição com alguns sintomas) sem demasiadas queixas. Algumas sortudas não têm queixa nenhuma e outras mulheres têm mesmo muitas queixas e durante anos e anos. Parece estar muito dependente da nossa genética.

Se a menopausa é algo natural, porquê o estigma? A que se deve o tabu que persiste ainda nos dias de hoje e porque é que esta fase da vida da mulher ainda é alvo de tanto constrangimento?

Como em inúmeros outros temas, a vida e saúde das mulheres não tem sido um foco particularmente grande da medicina. Só muito recentemente começámos a estudar a fundo a fisiologia da mulher e reconhecemos a importância das mudanças hormonais e das fases da sua vida. Até há algumas décadas nem sequer percebíamos exatamente o que era a menopausa e existia muito mistério associado. Por isso, este 'gap' de conhecimento gerou estigma e inibiu ao longo de muito tempo as mulheres de falarem da menopausa e da fase que se segue. Adicionalmente, a velhice é por si só um estigma. Envelhecer ainda é visto como negativo nas nossas sociedades modernas e estas coisas acabam por estar naturalmente relacionadas. No entanto, é só mais uma fase da vida da mulher, não é uma doença, e é uma oportunidade para empoderarmos as utentes para conhecerem melhor o seu corpo e poderem usufruir dele ao máximo.

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Cerca de um terço da vida de cada mulher é passado na menopausa. Como tal, é uma fase que não deve ser negligenciada. Assim sendo, há que procurar formas de atenuar os sintomas, como os afrontamentos, oscilações de humor, secura vaginal, dor durante as relações sexuais e suores noturnos, para lidar da melhor forma com esta fase. Que recomendações deixa a estas mulheres? Que comportamentos devem adotar?

A melhor recomendação possível será mesmo a procura de um médico para se aconselharem. O tipo de terapêutica vai depender da gravidade dos sintomas e existem muitas mulheres que beneficiam, pelo menos transitoriamente, de terapêutica de substituição hormonal ou de outras medicações não-hormonais. No entanto, é claro que podem e devem adotar comportamentos autonomamente, porque o nosso interesse é mesmo capacitar as mulheres para controlarem a sua própria saúde.

Que soluções naturais, - isto é, não hormonais - existem para prevenir ou gerir os sintomas da menopausa, de forma a que estes não interfiram com a vida diária da mulher?

Sabemos que a meditação, ioga, pilates e exercício físico de uma forma geral são aliados importantes nesta fase da vida. Também está provado que uma alimentação saudável, que evitar o excesso de peso (dificulta ainda mais o funcionamento dos músculos pélvicos e bexiga) e que alimentos muito picantes e cafeína podem não contribuir para a nossa saúde urinária. Beber água é essencial para prevenir infeções urinárias, tal como uma limpeza adequada e não-excessiva da vulva. Nesse sentido, existem inúmeras soluções de higiene íntima de venda livre em farmácias e parafarmácias, com o objetivo de hidratar a mucosa vaginal e tentar ajudar a prevenir a atrofia e secura e comichão/ardor que frequentemente acaba por acontecer associada. Além disso, nunca é demais lembrar que a solidão é também uma das principais causas de morbilidade e mortalidade em idades tardias e que a nossa vida social tem um papel importantíssimo na manutenção de uma vida plena. É mesmo importante mantermo-nos ativos nas nossas comunidades e criarmos redes de suporte, não só para quando precisarmos de ajuda por sintomas da menopausa, mas porque resiliência social reduz a própria sintomatologia.

Alguns casais podem não compreender ou saber lidar com as mudanças que o corpo da mulher está a passar, nomeadamente a dificuldade de lubrificação vaginal. Nesse sentido, que adaptações devem ser feitas neste momento de redescoberta da vida sexual?

Para além da terapêutica hormonal de substituição (seja em comprimidos, como em gel vaginal, por exemplo), que pode mesmo ser útil e necessária em algumas situações, existem algumas coisas que os casais podem tentar para facilitar a entrada nesta nova fase. Além das soluções de higiene íntimas de hidratação de que falava, durante a própria relação sexual é recomendada a utilização de lubrificantes à base de água. Adicionalmente, é importante também retirar o foco da relação sexual apenas da penetração vaginal. Existem inúmeras formas de obter prazer e experienciar sexualidade. Em casal é importante que redescubram aquilo que gostam de formas que seja prazerosas para ambos.

Ainda persiste o mito de que menopausa é sinónimo de fim de vida?

Honestamente, penso que não. Mas ainda se associam à menopausa vários mitos e conceções erradas que podem até limitar a procura de cuidados de saúde pelas mulheres portuguesas e é para contrariar esse fenómeno que temos de trabalhar. 

Considera que a mulher portuguesa está consciencializada sobre este tema?

Acho - ou melhor, espero - que cada vez mais exista uma boa consciência sobre a menopausa no nosso país, mas diria que ainda temos um longo caminho a percorrer e sem dúvida que as novas gerações vão fazer parte desse progresso.

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