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Há vida sexual além do cancro da próstata. As explicações de um médico

O urologista José Palma dos Reis desmistifica algumas ideias erradas que ainda persistem.

Há vida sexual além do cancro da próstata. As explicações de um médico
Notícias ao Minuto

08:50 - 02/01/23 por Ana Rita Rebelo

Lifestyle Entrevista

O número de doentes com cancro na próstata tem disparado nos últimos anos. É a terceira principal causa de morte por cancro no homem e representa mais de 10% das mortes por doença oncológica a nível global. Em Portugal, é o mais frequente em indivíduos com mais de 50 anos, afetando cerca de seis mil portugueses por ano. E muito se fala sobre os tratamentos a fazer, do medo associado, o cansaço, enjoos e vómitos, das dores insuportáveis e do impacto na família, mas pouco de intimidade.

Perante um diagnóstico de cancro da próstata, os momentos que antes eram de prazer deixam muitos homens receosos com a vida sexual pós-doença. Porém, "não há nenhuma razão comum para a doença em si provocar disfunção eréctil", esclarece o urologista José Palma dos Reis, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto

A incidência de cancro da próstata aumenta com a idade. Desta forma, à medida que aumenta o tempo de vida da população, forçosamente aumentará a incidência da doença

Na doença localizada, quando se opta pela cirurgia aberta, também conhecida por prostatectomia radical aberta, "o doente perderá forçosamente a ejaculação", mas "isso não quer dizer que não possa manter a ereção e o orgasmo", afirma. O especialista lembra que "quanto mais cedo for diagnosticada a doença, maiores serão as probabilidades de a conseguir curar preservando a função eréctil".

Notícias ao Minuto © José Palma dos Reis

O que é exatamente o cancro da próstata?

O cancro da próstata é, na esmagadora maioria dos casos, um adenocarcinoma. Isto é, um tumor maligno com origem nas células glandulares da próstata. É uma doença extraordinariamente heterogénea, que vai desde formas extremamente agressivas a relativamente indolentes e que poderão, inclusivamente, nunca colocar em risco a vida do doente. 

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Em Portugal, afeta cerca de seis mil portugueses por ano. A que se deve este número? Será por falta de conhecimento e literacia sobre a doença? Um inquérito realizado a doentes com este tipo de cancro, promovido pela Associação Portuguesa de Urologia e pela Associação Portuguesa de Doentes da Próstata, com o apoio da Bayer, mostra que cerca de metade dos inquiridos (46%) avaliaram o seu nível de informação no momento do diagnóstico como sendo bastante reduzido, sendo que 26% dos doentes afirmaram que não sabiam nada sobre a doença.

A incidência de cancro da próstata aumenta com a idade. Desta forma, à medida que aumenta o tempo de vida da população, forçosamente aumentará a incidência da doença. No entanto, nem sempre um aumento do número de novos casos se faz acompanhar de uma subida da mortalidade. Por exemplo, nos primeiros anos, após a vulgarização dos testes sanguíneos de doseamento do PSA (antigénio específico da próstata), registou-se um pico de incidência que não teve, de todo, um aumento da mortalidade. Na realidade, alguns anos depois chegou a registar-se uma diminuição da mortalidade, embora muito modesta, relacionada com o diagnóstico mais atempado dos tumores. Talvez mais importante do que o número de diagnósticos em si, porque muitos deles serão potencialmente curáveis, seja o número de casos que são diagnosticados tardiamente, já em fase avançada e sem possibilidade de serem tratados com intuito curativo. E infelizmente, este número continua demasiado elevado e, aqui sim, a literacia sobre a doença é importante.

De que forma é que o contexto pandémico afetou estes doentes?

O carcinoma da próstata não foi uma excepção e, como outras patologias, viu o seu diagnóstico ser atrasado pela dificuldade de acesso aos cuidados de saúde. Neste caso em particular, considerando a população relativamente idosa em que ocorre, registámos um efeito cumulativo entre a real inacessibilidade dos profissionais e o receio de ir às consultas por parte dos próprios doentes, que muitas vezes cancelaram as visitas ao médico.

O mesmo inquérito revela que cerca de 50% dos doentes com cancro da próstata nunca falam ou passam vários meses sem falar com a família sobre a doença. Como comenta estes dados? 

Há diversas realidades culturais que podem justificar estes dados. Por um lado, esta é uma área ainda algo 'reservada', considerando as implicações que a doença e, especialmente, alguns tratamentos podem ter na sexualidade. Por outro lado, nem todos os doentes discutem as questões de saúde, de uma forma geral, com os familiares. As razões podem ser as mais variadas, desde logo não querer preocupar os familiares.

Mas procuram mais ajuda e o diagnóstico?

Penso que sim. Talvez não tanto como desejaríamos, mas temos notado algum aumento do alerta dos doentes em relação a esta patologia. É importante realçar que, dada a evolução tipicamente longa desta doença, qualquer alteração no nível dos cuidados e dos tempos para o diagnóstico só se vai repercutir na morbilidade e mortalidade muitos anos mais tarde.

Dados recentes mostram também que a enzalutamida, um dos fármacos utilizados no tratamento do cancro da próstata, pode estar a encontrar resistência e a não atuar. O que se prevê? E que soluções estão em cima da mesa?

A enzalutamida é um dos novos fármacos na panorama de tratamento destes doentes, em fase avançada, e pertence a um grupo dos chamados agentes hormonais de segunda geração. Estes agentes foram inicialmente introduzidos apenas na falência da quimioterapia, que era realizada após os doentes terem entrado em resistência à castração convencional ou em doentes sem condições para a quimioterapia. Progressivamente, estes agentes tem vindo a ser empregues em fases mais precoces da doença, havendo neste momento já sólida evidência clínica da sua eficácia no prolongar da sobrevivência livre de metástases e mesmo da sobrevida global. Desde o início que a questão da sequenciação entre os diferentes agentes deste grupo e destes com a quimioterapia tem sido objecto de debate. As conclusões não são absolutamente claras ou taxativas e, à medida que mais variáveis – novos fármacos introduzidos - 'entram na equação', mais difícil será ter indicações específicas sobre que sequenciação de fármacos utilizar.

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O cancro da próstata não tem sintomas associados? Quais as principais queixas?

Ao não dar sintomas - exceto em fases muito avançadas - muitas vezes as queixas são as de um valor alterado de PSA em análises de rotina. Os doentes procuram o urologista em função de sintomas relacionados com a Hiperplasia Benigna da Próstata (HBP), situação muito frequente no mesmo grupo etário e, essa sim, frequentemente causadora de sintomas e é no decurso da investigação da HBP que é detectado um foco de carcinoma da próstata, para além da HBP. Ainda assim, é importante realçar que a HBP, isto é, o aumento de volume da próstata, não é, de todo, um fator de risco para o desenvolvimento de carcinoma da próstata.

Os doentes que mais podem beneficiar [do rastreio] são aqueles com idade superior a 45 anos ou até mesmo 40 nos casos em que exista uma história familiar 'pesada' de cancro da próstata

Qual a importância do rastreio? É recomendado para quem?

Na realidade, não existem verdadeiros programas de rastreio que, por definição, são iniciados pelas autoridades de saúde. Este assunto estará a ser discutido a nível das autoridades de saúde europeias, mas, para já, não existem programas estruturados de rastreio na acepção estrita do termo. O que fazemos é uma deteção chamada oportunística dos casos, de forma que permita tratar a doença ainda na fase em que a mesma está localizada na próstata e é potencialmente curável. Neste caso, os doentes que mais podem beneficiar são aqueles com idade superior a 45 anos ou até mesmo 40 nos casos em que exista uma história familiar 'pesada' de cancro da próstata, particularmente com fatores de risco como a história familiar já referida e a etnia negra a viver em países ocidentais, o equivalente europeu dos afro-americanos que constituem um dos grandes grupos de risco. Muitos estudos têm-se debruçado sobre a dieta, exposição solar e diversas outras variáveis, mas os dados não são muito consistentes. A idade é, sem dúvida, o primeiro fator, porém a hereditariedade, particularmente nos casos de doença ocorrida em idade jovem, sempre de maior agressividade e que tem um ainda maior risco heredo-familiar, assume o papel principal em termos de importância clínica.

Se for diagnosticado cedo, o tumor pode ser eliminado?

Sim, sem dúvida. Costumo explicar que em medicina não existe 100%, mas as probabilidades de cura da doença localizada são muito elevadas.

Quanto mais cedo for diagnosticada a doença, maiores serão as probabilidades de a conseguir curar preservando a função eréctil

Ou seja, o cancro da próstata tem cura?

Tem cura, quando diagnosticado em fase de doença localizada e tratado atempadamente. Nas fases mais avançadas, tal como para muitos outros tumores, o nosso objetivo, felizmente já muitas vezes conseguido, passa a ser não curar o doente mas sim transformá-la numa doença crónica a que o doente consiga sobreviver. São os casos em que costumamos referir que o doente vem a falecer com o carcinoma da próstata, mas não do carcinoma da próstata.

Existe um tabu associado a este tumor?

Talvez ainda um pouco, mas talvez também ainda haja igualmente algum tabu, por exemplo, em relação ao cancro da mama ou do colo do útero na mulher.

Cancro da próstata é sinónimo de impotência?

Não, de todo. Primeiro, não há nenhuma razão comum para a doença em si provocar disfunção eréctil (DE). É este o termo que hoje utilizamos em vez de impotência. Alguns tratamentos da doença poderão, esses sim, provocar DE. Mais uma vez, quanto mais cedo for diagnosticada a doença, maiores serão as probabilidades de a conseguir curar preservando a função eréctil.

Como fica a vida sexual depois do cancro da próstata?

Dependendo da modalidade terapêutica utilizada, poderão existir algumas limitações na vida sexual após os tratamentos, mais importantes na doença mais avançada. Na doença localizada, quando se opta pela cirurgia radical (prostatectomia radical, que pode ser realizada por vários métodos, nomeadamente convencional, aberta e laparoscópica com ou sem assistência por robot, o doente perderá forçosamente a ejaculação porque as vesículas seminais são retiradas. Mas isso não quer dizer que não possa manter a ereção e o orgasmo. É possível preservar o feixe vasculo-nervoso que passa para o pénis muito junto à próstata e cuja lesão é a principal causa de DE após a cirurgia, desde que a doença esteja suficientemente localizada e se utilize a técnica apropriada chamada de 'nerve sparing' ('preservação do nervo', à letra). Na doença avançada, frequentemente coexistem efeitos nefastos de eventuais terapêuticas anteriores com os efeitos da terapêutica farmacológica, habitualmente dirigida ao eixo hormonal e que funciona como uma castração, sendo os seus efeitos sentidos mais no eixo da libido, ou seja, no desejo sexual.

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