Quotas de pesca da sardinha ameaçam sobrevivência do setor conserveiro
Os industriais portugueses de conservas de peixe dizem ter "a sobrevivência em causa" devido às quotas atualmente "sem fundamento" impostas à pesca da sardinha, apelando à urgência de um "plano de salvação nacional" da fileira da pesca.
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Economia Sardinha
"A indústria portuguesa das conservas de peixe vive um paradoxo motivado pelas medidas precaucionárias impostas, sem qualquer fundamento atual, à pesca da sardinha", disse à agência Lusa Manuel Ramirez, membro da direção da Associação Nacional dos Industriais de Conservas de Peixe (ANICP).
É que se, por um lado, nos últimos anos, "nunca o setor teve um período (fevereiro e março) tão expressivo em volume de vendas -- com crescimentos de 400% em alguns segmentos" devido ao aprovisionamento feito com a pandemia --, o facto é que "vive na angústia" de saber que a sua matéria-prima, da qual garante existir atualmente "uma abundância cientificamente comprovada", não é pescada devido às quotas de pesca impostas a nível europeu.
Limites que -- acusa -- alguns Estados membros, entre os quais o português, "aceitam acriticamente", apesar do Ministério do Mar e do Instituto Português de Mar e da Atmosfera (IPMA) "bem conhecerem" a atual abundância do 'stock' de sardinha.
Segundo Manuel Ramirez, que preside à centenária fábrica de conservas Ramirez, em causa está o facto de as quotas de pesca da sardinha continuarem a ser "manifestamente escassas" para abastecer a indústria conserveira, apesar de, desde 2018, os diversos cruzeiros científicos demonstrarem "que os recursos aumentaram exponencialmente" e que "o mar está cheio de peixe".
"Em 2020, por enquanto, a quota de pesca da sardinha apenas aumentou 1.300 toneladas, quando, por oposição, os recursos cresceram 52% entre 2015 (117,9 mil toneladas) e 2019 (179,4 mil toneladas). A abundância de sardinha juvenil aumentou de 534 milhões de peixes, em 2018, para 5.452 biliões em 2019. E ainda nem sequer conhecemos os resultados do cruzeiro científico de 2020, que todos esperam revelar um contexto ainda mais otimista, de biomassa sustentada e sustentável", sustenta.
Com o arranque da pesca da sardinha novamente adiado em Portugal, este ano, para o mês de junho, a ANICP nota que os vizinhos espanhóis, pelo contrário, "já estão a pescar sardinha", enquanto "em Marrocos, onde esta atividade também já começou, está legalmente estabelecido que uma percentagem da pesca da sardinha se destina à indústria das conservas de peixe".
Segundo a associação, a quota de pesca de 6.300 toneladas de sardinha autorizada até 31 de julho em Portugal (de um total de 9.800 toneladas previstas para todo o ano 2020) é "manifestamente escassa" para abastecer a indústria conserveira nacional, que estima precisar de pelo menos 30 mil toneladas para honrar os seus contratos.
"Com o 'stock' de biomassa de sardinha de 400 mil toneladas que suspeito que vamos ter este ano -- o dobro do limite mínimo para se pescar com quase total liberdade -- as quotas têm de ser revistas para valores entre as 30 e as 40 mil toneladas", reclama Manuel Ramirez.
Acusando o Conselho Internacional para a Exploração do Mar (ICES), entidade de aconselhamento da União Europeia, de "continuar a ignorar nos seus relatórios periódicos" as evidências científicas de "brutal melhoria da abundância de sardinha", a ANICP critica o facto de este organismo "insistir num modelo matemático que só considera indicadores validados três anos antes".
"Esta arbitrariedade, que põe em causa a própria soberania nacional em virtude do alijar de responsabilidades do Estado no domínio científico em relação ao mar, tem graves consequências para o setor da pesca, para a indústria das conservas de peixe, para as indústrias confinantes, para Portugal e para milhares de famílias do litoral português", alerta.
Como resultado, recorda, várias associações representativas dos armadores da pesca do cerco em Portugal e Espanha "já admitiram publicamente que, a manter-se esta conjuntura, existe o sério risco de desaparecimento total do setor das pescas", ao que não seria imune a indústria portuguesa de conservas de peixe.
Segundo sustenta a ANICP, "além de profundamente negativa para a economia nacional, esta discricionariedade ameaça representar a ruína de um dos setores que, desde há mais de 100 anos, contribui ativamente para o equilíbrio da balança portuguesa de transações correntes".
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