A opinião de Gonçalo Almeida: Muito mais que futebol

O espaço de opinião de Gonçalo Almeida no Desporto ao Minuto, no qual o ex-advogado FIFA analisa os temas que marcam a atualidade do ponto de vista do direito desportivo.

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Notícias ao Minuto
02/07/2021 18:43 ‧ 02/07/2021 por Notícias ao Minuto

Desporto

Gonçalo Almeida

De há muito a esta parte que o desporto e a política caminham lado a lado, ora por iniciativa de um, ora por reação do outro. Com efeito, as diversas entidades desportivas e governos, ora nacionais, ora regionais, tendem a trabalhar, de forma cada vez mais acentuada e em sintonia, na defesa dos ideais basilares caracterizadores das sociedades modernas e dos Estados democráticos, dos quais destaco o humanismo, a igualdade e a solidariedade, assim contribuindo igualmente para o debate de ideias e consequente progresso civilizacional. Sendo certo que, não raras as vezes, tal conjugação de esforços resulta em benefícios com forte impacto social, é igualmente certo que também por vezes, tal oportunidade não vai para além do alcance de meras operações de marketing, resumindo-se à expressão popular de “para inglês ver”.

Pois eis que em pleno EURO 2020, surgiu um episódio a que ninguém terá ficado indiferente e que consiste na posição da UEFA face à medieval política homofóbica húngara. Procurando contextualizar o leitor, esclarece-se que o Parlamento húngaro aprovou, muito recentemente, uma lei que interdita a divulgação a menores de 18 anos, de quaisquer conteúdos de cariz homossexual. Como se tal absurdo não bastasse, essa mesma legislação vai bastante mais longe, ao estabelecer uma ligação causal entre a comunidade LGBTI+ e a pedofilia, ou seja, entre a livre orientação sexual de cada ser humano e uma prática criminosa (!!!). Felizmente, leis desta natureza são altamente violadoras dos princípios fundamentais que norteiam a União Europeia, sendo que o próprio Tratado da União, no seu Art. 3º, dispõe claramente que “A União combate a exclusão social e as discriminações e promove a justiça e a proteção sociais, a igualdade entre homens e mulheres, a solidariedade entre as gerações e a proteção dos direitos da criança".

Não obstante a inexplicável passividade da União Europeia relativamente a tal retrocesso civilizacional húngaro, eis que o repúdio social generalizado gerado na senda de tal aprovação legislativa se manifestou também em pleno Euro 2020, por intermédio de diversas entidades e figuras do “Desporto Rei”. Sucede que entre diversas reações, eis que a pedido do presidente do município de Munique, a UEFA recusou a possibilidade da Allianz Arena (estádio do Bayern) se iluminar em tons de arco-íris, como forma de apoio à comunidade LGBTI+, decisão essa alegadamente sustentada pelos seus estatutos, que a obrigam a ser política e religiosamente neutra.

Ora, se por um lado, pode compreender-se a posição da UEFA, procurando defender-se do jogo político, por outro, chega a ser perturbante tal necessidade de distanciamento, nomeadamente quando se trata de uma questão que vai muito para além do contexto estritamente político. Com efeito, na sua versão mais recente de 2020, os Estatutos da UEFA determinam no seu artigo 1º que: “A UEFA será neutra, política e religiosamente”. Bem como consideram, no seu artigo 2.º al. b), como um dos seus objetivos primordiais “promover o futebol na Europa num espírito de paz, compreensão e fair play, sem qualquer discriminação em razão da política, género, religião, raça ou qualquer outra razão”. Percorrendo a sua lei fundamental, esta determina ainda no artigo 7.º bis, par. 7 que “As Associações Membros devem implementar uma política eficaz que vise a erradicação do racismo e de quaisquer outras formas de discriminação no futebol e aplicar um quadro regulamentar que preveja que qualquer comportamento é estritamente sancionado, incluindo, em particular, por meio de suspensões graves para jogadores e funcionários, bem como de suspensões parciais e o encerramento total dos estádios se os adeptos se envolverem em comportamentos racistas”.

Acresce que a atuação da UEFA não se reveste meramente de previsões estatutárias ou regulamentares, mas igualmente de efetivas campanhas de combate pela defesa dos direitos e da dignidade humana, como por exemplo a #EqualGame, programa de responsabilidade social estruturado num princípio axiomático – o Respeito – e que procura fortalecer a integridade do futebol, aproximando a comunidade futebolística através da difusão de valores como a inclusão, a igualdade de género e o combate à discriminação.

Aqui chegados, será porventura certo concluir pela saudável proatividade da UEFA, que é de aplaudir. Porém, na minha singela opinião, e no que a este episódio diz respeito, a sua atuação terá ficado bastante aquém do expectável. Poderia (ou deveria, atrevo-me a dizer!), atendendo à sua tremenda influência social, ter tomado uma posição vincada na defesa dos princípios que tão bem apregoa. É que ainda que escudada nos seus estatutos, evitando intervir a nível político, também ao abrigo dessas mesmas normas, estaria a UEFA legitimada para promover um futebol livre de qualquer tipo de discriminação.

Aliás, a neutralidade política da organização que supervisiona o futebol a nível europeu poderá ser facilmente questionada em vários episódios, bastando recordar um bem recente, em que a pedido da Federação Russa de Futebol, a UEFA solicitou à Federação Ucraniana a alteração do seu equipamento para o Euro 2020. Tal equipamento continha o desenho das fronteiras do país, no qual se depreendia a presença da Crimeia e Donbass, regiões que foram anexadas pela Rússia em 2014. Não esqueçamos também que, em 2014, fruto das conhecidas discrepâncias políticas entre estes países e igualmente em virtude das preocupações geradas em torno da segurança, a UEFA determinou que as equipas destes dois países não jogassem entre si.

Parece-me então, salvo melhor opinião, que a UEFA, enquanto bastião do desporto, perdeu uma oportunidade única de tomar uma posição de absoluta intolerância à homofobia, efetivamente impactante a nível mundial. Oportunidade essa incompreensivelmente perdida se atendermos ao facto de tal organização ter alterado a sua imagem de perfil nas redes sociais, aparecendo o seu logótipo sob um fundo de arco-íris, naquilo que afinal mais parece uma mera operação de marketing, ao invés de uma posição firme e convicta, como seria desejável e aliás exigível.

Apesar de ser perfeitamente legítimo ser-se política e/ou religiosamente neutro, entendo que na defesa dos direitos humanos e da dignidade humana, na promoção da diversidade e no combate à discriminação, não podemos, em momento algum, pautar-nos pela neutralidade.

Leia Também: Opinião de Gonçalo Almeida: Treinador de futebol. Certificação vs. Mérito

Leia Também: A opinião de Gonçalo Almeida: A Covid-19 e o calendário FIFA

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