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Opinião de Gonçalo Almeida: Treinador de futebol. Certificação vs. Mérito

O espaço de opinião de Gonçalo Almeida no Desporto ao Minuto, no qual o ex-advogado FIFA analisa os temas que marcam a atualidade do ponto de vista do direito desportivo.

Opinião de Gonçalo Almeida: Treinador de futebol. Certificação vs. Mérito
Notícias ao Minuto

20:43 - 28/05/21 por Gonçalo Almeida

Desporto Gonçalo Almeida

Jorge Costa, Jorge Manuel Rebelo Fernandes (Silas), Marco Silva, Nuno Espírito Santo, Pedro Emanuel, Rúben Amorim e Sérgio Conceição, entre muitos outros ex-jogadores profissionais de futebol, têm em comum o fato de terem sido treinadores principais de equipas de futebol profissional sem que, à data, estivessem devidamente habilitados para o exercício de tais funções. Realidade essa, que sendo pública, continua a suscitar bastante celeuma em torno das tais qualificações necessárias que resultam da legislação aplicável, independentemente do mérito associado a alguns resultados desportivos.

Na verdade, atendendo a um passado desportivo relativamente recente enquanto jogadores profissionais de futebol e lidando desde pequenos com toda a sua envolvente, esta estirpe de profissionais de futebol é profundamente conhecedora da modalidade e, em particular, dos diversos desafios, obstáculos e vicissitudes com que os futebolistas se deparam ao longo de uma carreira desportiva, para além, claro está, do inevitável conhecimento técnico, condição que agora, na qualidade de treinadores, lhes confere (nesse capitulo e por norma) uma vantagem considerável face aos demais colegas. 

Contudo, por força da legislação em vigor, o exercício de tais funções não se restringe às qualidades técnicas, de comunicação ou mesmo de liderança, nem tão pouco ao mérito desportivo de cada um. Com efeito, à semelhança do que sucede em muitas outras profissões, as certificações legais de habilitação são essenciais para efeitos de regulação da atividade, conferindo-lhe maior organização, transparência e credibilidade, num contexto de maior profissionalismo.

Assim, a Lei 106/2019, de 6 de Setembro, que estabelece o regime de acesso e exercício da atividade de treinador de desporto, vem através do seu artigo 5.º n.º 1, determinar que, para o exercício de tal atividade em território nacional, torna-se obrigatória a obtenção de título profissional válido. Já o n.º 2 do referido artigo, estipula serem nulos os contratos pelos quais alguém se obrigue a exercer a atividade de treinador de desporto, sem que para tal disponha do referido TPTD (Título Profissional de Treinador de Desporto), que consiste, portanto, num documento oficial obtido através da frequência de cursos certificados pelo Instituto Português do Desporto e Juventude, que credencia e regula o exercício das funções de treinador.

Em Portugal, os cursos para os dois primeiros níveis (UEFA C e B, ou grau I e II) são geridos e ministrados pelas associações distritais de futebol, enquanto que os níveis mais avançados, UEFA A e Pro, correspondentes, respetivamente, ao grau III e IV, são da responsabilidade da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Nesse contexto e relativamente a treinadores com um passado de atleta profissional de alto rendimento, a Lei 106/2019, garante um benefício aos praticantes desportivos de “elevado nível”, permitindo que estes acedam diretamente à formação de treinador de desporto de grau II, sem necessidade de cumprir a formação relativa ao primeiro grau (Art.10.º-B n.º 3 da referida Lei 106/2019). Contudo, apesar da mencionada lei exigir um período de experiência de 1 ano com o grau II de treinador para efeitos de acesso ao curso de grau III, e de 2 anos com o grau III para acesso ao grau mais elevado, a FPF veio estipular critérios mais rigorosos, exigindo experiência prática de 2 e 3 anos, respetivamente, tendo em vista uma melhor e mais adequada preparação para a direção de equipas que participem a nível nacional ou internacional em competições profissionais de clubes ou enquanto selecionadores nacionais. Neste contexto, o Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portugal, determina, no seu artigo 82.º, que o quadro técnico dos clubes participantes da Liga Nos deve ser constituído pelo menos por 2 elementos, sendo que o treinador principal deverá estar habilitado com o Grau IV UEFA-Professional, bastando para o efeito que esteja a frequentar o respetivo curso, ao passo que o treinador-adjunto deverá estar habilitado com o Grau II UEFA Basic.

Tal imposição no que à experiência diz respeito, aliada ao fato do acesso aos cursos de nível mais avançado ser bastante restrito, nomeadamente em virtude do reduzido número de cursos e, inclusivamente, vagas por curso, conduz a que vários treinadores optem por realizar o seu curso de treinador no estrangeiro. Ainda que se revele bastante onerosa (pelo menos, para a maioria dos interessados), tal solução também se justifica pelo simples fato de determinadas associações/federações nacionais, tais como a Escocesa ou a Irlandesa, exigirem apenas os mínimos estipulados pela UEFA.

Em virtude do exposto e não obstante a necessidade transversal de profissionalização do setor - razão pela qual e, salvo melhor opinião, de forma acertada, se exige uma certificação legal - vários são os casos em que um treinador assume a liderança de uma equipa técnica, apesar de formalmente figurar nas plataformas de inscrição da FPF e da Liga Portugal enquanto treinador-adjunto. Tal realidade, tem forçado a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol a apresentar diversas participações junto do Conselho de Disciplina da FPF, demonstrando a sua indignação e repúdio por esta prática, nomeadamente atendendo a que a inscrição de treinadores nas condições descritas pode configurar um ilícito disciplinar de atuação simulada ou mesmo fraudulenta.

Sucede que impende sobre a entidade desportiva que procede ao registo concreto do treinador, a obrigação de verificar se a pretensão de registo submetida corresponde ao propósito a que efetivamente se destina. Acresce que perante alguns investimentos por parte de sociedades desportivas em determinados treinadores, que são inclusivamente do conhecimento público, não existe qualquer margem para dúvidas quanto à natureza das funções que estes iriam exercer aquando da sua contratação. Pelo que, salvo melhor opinião, as instituições competentes pelo registo dos quadros técnicos dos clubes/sociedades desportivas, não possuem a necessária legitimidade para, a posteriori, sancionar um comportamento a que anuíram aquando do registo. Parece então evidente que esta realidade encapotada é, de forma generalizada, tolerada pelas entidades responsáveis que tutelam o futebol Português, pelo que importa, de uma vez por todas, adotar uma política de registos em consonância com a legislação em vigor, de forma transversal, para o bem da modalidade e da própria classe profissional.

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