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Entra e é sempre 1.º: O português que zela pela segurança na Formula E

Todos os que acompanham o mundo do automobilismo já ouviram falar em António Félix da Costa, o atual campeão em título da Formula E. Contudo, talvez nem todos conheçam um outro português que está ligado à competição desde a sua criação. Bruno Correia é o entrevistado de mais uma rubrica 'Dos 0 aos 100', do Desporto ao Minuto.

Notícias ao Minuto

07:16 - 02/03/21 por Ruben Valente

Auto Fórmula E

Tem 43 anos, uma carreira que já dura desde 1992 e é, neste momento, o piloto do safety car na Formula E. Bruno Correia é português, natural do Algarve, e chegou à disciplina de elétricos no ano da sua criação, em 2014.

No entanto, esta é já uma tarefa que há muito está habituado. Como muitos dos pilotos profissionais, começou no karting, mas foi em 2008, aquando da inauguração do Autódromo Internacional do Algarve, que pela primeira vez conduziu o safety car numa prova automobilística.

Em entrevista ao Desporto ao Minuto, Bruno Correia contou-nos todo o seu percurso até aos dias de hoje. O português é já uma referência no desporto automóvel e explicou-nos o lado para lá da competição.

A pressão da função, a exigência a que uma intervenção em pista obriga, os inúmeros procedimentos antes de uma corrida. O piloto português não deixou nada por contar e atirou vários elogios à Formula E, uma modalidade que está a crescer a olhos vistos.

Muitos já conhecem o percurso do mais famoso português da competição, António Félix da Costa, não fosse ele o campeão em título, mas é hora de conhecer o português que zela para que tudo corra com a máxima segurança nas corridas. Félix da Costa conquistou o Mundial, mas, perdoem-nos a piada, até ele tem que ficar atrás de Bruno Correia, o português que sempre que entra em pista vai em primeiro.

Antes do dia da corrida, tenho de conduzir um Fórmula E para um exercício que poucas pessoas sabemPara quem não está tão por dentro, o trabalho de um safety car é exigente, correto? Explica-nos melhor no que consiste.

Nós fazemos parte de uma equipa da FIA, que é muito experiente. Trata-se de um campeonato relativamente recente, a Formula E, mas existe uma escada até aqui chegar. Os níveis de exigência são muito altos e, no que me diz respeito, ainda existem os níveis da condução. Um delegado técnico terá de ter muito conhecimento sobre a sua área, e eu tenho de entender, sobretudo, o que envolve o trabalho de piloto: as regulamentações, o conhecimento de pistas e do trabalho em si, que é o pilotar de um safety car. Esta é já a 22.ª temporada em que estou aos comandos de um safety car. Já estive noutras categorias, como o WTCC, que agora é o WTCR, Fórmula 3, GT’s, Fórmula 4, Europeus, Campeonatos mono-marcas, troféus… Já fiz um pouco de tudo. E agora estou a começar a 7.ª temporada na Fórmula E.

De que forma é que o safety car é importante para uma corrida?

É uma peça fundamental num sistema de circuito, que ajuda a manter a segurança, não só dos pilotos, mas de todas as pessoas que estão envolvidas no circuito, como comissários ou mecânicos. É uma forma de conseguirmos neutralizar a corrida sem ter de a parar. Existem várias situações em que o safety car é chamado, a mais comum é quando há um acidente. Quando é preciso retirar um carro ou alguma peça que possa ter ficado espalhada e que seja considerada perigosa para os pilotos ou para outros elementos do circuito. O nosso objetivo é recuperar a pista no menor tempo possível para que seja possível regressar à corrida. O safety car também pode ser usado em situações mais complicadas, como chuvas torrenciais, neve, granizo, um acidente onde fica muito óleo espalhado na pista, acidentes graves onde tenham de entrar ambulâncias. Nessas situações, o safety car também é utilizado, porém aí já será parada a corrida e mostrada a bandeira vermelha. Depois disso, quando a corrida recomeça, normalmente também recomeça atrás do safety car, e é aí que existe aquele momento de tensão. É necessário que os pilotos se concentrem o mais rapidamente possível, o andamento tem de ser forte, temos de tentar que as temperaturas dos pneus e motores voltem ao normal. O ponto mais importante é mesmo o facto de neutralizar a corrida sem ter de a parar. O safety car é fundamental para a segurança de qualquer circuito.

Notícias ao Minuto Bruno Correia está a cumprir a 7.ª temporada como piloto do safety car da Formula E© Formula E

Como é que vives os momentos pré-corrida? Imagino que exista toda uma preparação para que nada falhe nos momentos cruciais.

Para mim e para a minha equipa, o fim de semana começa três ou quatro dias antes da corrida. Existe uma parafernália de coisas que têm de ser montadas, organizadas e testadas antes da corrida acontecer. Posso falar-te em sistemas de telemetria, wi-fi’s, câmaras, os muros, as grades, as tampas de esgoto, as pinturas, o posicionamento dos fotógrafos… Tudo isto é calculado para que tenhamos o máximo de segurança no dia da corrida. Participo em bastantes dessas operações, começando normalmente na quinta-feira com o track walk [caminhada na pista], com o inspetor de pista e com os responsáveis da Fórmula E. Fazemos o primeiro ‘tour’ a pé para vermos todos os detalhes da forma mais detalhada e concentrada possível. Depois passamos para outros testes, como a extração de pilotos, de carros, fazemos também um curto seminário às pessoas que vão estar envolvidos no evento. Existe todo um sistema que tem de estar em perfeita harmonia. Antes do dia da corrida, tenho por exemplo de conduzir um Fórmula E para um exercício que poucas pessoas sabem.

E que exercício é esse?

Tenho de simular uma situação em que o carro esteja a passar corrente, porque esta é uma competição elétrica e existe uma equipa especializada só para este tipo de situações. Depois há testes de extração, que são feitos na garagem, testes que são realizados na pista e, eventualmente, em todas as corridas temos também um teste de uma situação real de safety car, em que todo o sistema de 'race control', da torre de controlo, comissários, pista, médicos, safety car, comissários desportivos, televisão… Todos têm de estar em sintonia nesse momento. É um teste feito antes dos carros irem para a pista e que prepara uma situação que é sempre bastante tensa.

Sendo piloto de safety car não podem existir falhas. Se erras, no dia a seguir és chacota a nível mundial

E no momento da corrida? Estás sempre pronto a sair com o carro, correto?

Já estou habituado, como deves imaginar, mas há que estar sempre com a concentração a 200%. As comunicações de rádio têm de ser perfeitas, os dados de wi-fi e telemetrias têm de estar todos operacionais. Tenho algumas ferramentas para trabalhar o safety car nesse aspeto, tenho o observador que fica comigo para uma situação de emergência e estamos sempre preparados para entrar, porque normalmente é tudo muito, muito rápido. Quando acontece algo em pista, é preciso agir muito rápido e daí a dificuldade, em particular nestes circuitos, onde não há escapatórias, e também em corridas rápidas como são as da Fórmula E. Quem dá sempre o ‘ok’ para entrar é o diretor de corrida. Na Fórmula E temos dois e eu estou sempre em constante comunicação com eles através de um sistema aberto de wi-fi, que também é algo que nem todas as corridas têm. O circuito inteiro é coberto por uma rede de wi-fi, o que faz com que tenhamos as melhores comunicações possíveis. Se houver alguma falha, nós temos todo o feedback da pista.

Notícias ao Minuto Bruno Correia entrou em pista nas duas primeiras provas do ano na Arábia Saudita© Formula E

Para se ser piloto de safety car não é apenas chegar, sentar e conduzir. Há toda uma preparação para o trabalho, como qualquer piloto de competição.

Preocupo-me bastante com a minha preparação física e mental. Posso dizer-te que tenho experiência de largos anos de estar em ambos os lados, tanto como piloto de competição, como no papel de piloto de safety car, e se calhar os níveis de exigência ao ser piloto de safety car são mais elevados. Ser piloto de corrida, obviamente, tem os seus desafios, mas tem também margem para falhas. Sendo piloto de safety car não existem nem podem existir falhas. Se erras, no dia a seguir és chacota a nível mundial. Isto é um assunto sério, as corridas são transmitidas para todo o mundo e o safety car é uma peça que, quando está em pista, todos os olhos estão direcionados para aquele elemento. É necessário ter uma boa preparação física e mental porque terás sempre de lidar com altos níveis de stress. Ainda assim, tenho uma excelente equipa atrás de mim, que me apoia incondicionalmente. Há uma grande base de confiança.

E como é que lidas com essa pressão de não teres qualquer margem de erro?

Nós trabalhamos ao segundo e temos de estar sempre preparados. É sempre necessário controlar e minimizar os erros. Já tenho mais de mil corridas feitas e, graças a Deus, nunca raspei nem um retrovisor. Já passei por muitas ‘fininhas’, por situações que são inerentes ao risco da profissão, mas tenho sempre conseguido fazer um bom trabalho. Às vezes, é duro com os ‘jet-lags’, com os horários de alimentação, com os horários de dormir, de acordar, com viagens bastantes longas… Para teres uma ideia, em 2018 e 2019 fiz cerca de 150 voos. É muita coisa. Foram 36 fins de semana, que nem são fins de semana, são sempre mais dias, mas quando se faz com paixão... é como se costuma dizer.

Fiquei sem rádio e tive de decidir em milésimas de segundo. Apanhei um camião de reboque pela frenteFalaste em alguns episódios mais tremidos durante a tua carreira. Queres partilhar algum connosco?

É sempre complicado falarmos destas situações, e nem convém. Mas olha, lembro-me de um episódio na Malásia, em 2014, por exemplo. Estávamos com problemas nos sistemas da comunicação, havia uma zona negra no rádio entre a curva 3 e 4 e houve um acidente precisamente à saída da curva 4. Não fui informado e não sabia onde é que tinha sido exatamente, nem onde é que os carros estavam. Entrei na curva 4, vinha com o Buemi atrás de mim, a três ou quatro metros do meu carro, e quando faço a curva deparei-me com a pista praticamente toda bloqueada. Tinha um camião de reboque e tive de tomar uma decisão em milésimas de segundo, entre ir pela esquerda ou pela direita do camião. Foi muito, muito rápido… Se travasse de repente, talvez pudesse causar um problema ainda maior com os carros de corrida. Tomei a decisão de ir pela direita e foi o melhor. Se optasse pela esquerda tinha sido muito, muito complicado! A minha sorte é que ia com velocidade controlada e, nestes casos, a experiência ajuda muito. Não se pode mesmo falhar estando num safety car. Há muita gente que se esquece disso. Há muita preparação que é preciso ser feita e também é necessário um grande sangue frio para nos adaptarmos a difíceis circunstâncias.

E quem é o Bruno Correia, como é que chegaste a esta posição de piloto de safety car?

Comecei como grande parte dos pilotos, no karting. Rapidamente ascendi aos automóveis, aos Fórmulas, e ganhei vários campeonatos nacionais e mesmo internacionais. Corri pelos quatro cantos do mundo. Estive nos EUA, na altura em que o João Barbosa foi também para lá. Ele teve um pouco mais de sorte e teve um bom olheiro que lhe deu a mão. Eu tive um pouco mais de dificuldades… Depois disso, estive no Brasil e corri um pouco pela América do Sul. Numa altura em que vim de férias a Portugal, o Autódromo Internacional do Algarve foi inaugurado e fui convidado para estar no safety car. Como vivi muito tempo na zona de Portimão e levei alguns títulos para o município, fui convidado. Depois dessa primeira vez, fui convidado uma segunda, uma terceira, a quarta, até que houve um acidente grave no Mundial de Turismos e o Eduardo Freitas [atual diretor do Mundial de Resistência] ligou-me a perguntar se tinha disponibilidade para ir para lá e ser o piloto do safety car. Fui numa de passar umas férias até à República Checa e nunca pensei que iria ficar. Gostaram tanto do meu trabalho que me convidaram para a corrida seguinte, e depois a seguinte, e depois a seguinte… Acabei por ficar como piloto oficial do safety car no Mundial de Turismos. Foi muito natural, nunca procurei na minha vida ser piloto de safety car, mas que isto também sirva de incentivo aos mais jovens e que possa servir de referência para outros que venham a seguir. Recebo muitas mensagens de jovens pilotos, que vêem também na minha profissão uma profissão de futuro para eles. Isso deixa-me muito feliz.

O safety car pode ser um elemento surpresa ou um ‘joker’. Faz baralhar muitas continhas que estão certasQuando é que surgiu então a Fórmula E?

Quando entrei para a Fórmula E já estava ligado à FIA. Estive ligado à Eurosport, durante três, quatro anos, depois a FIA convocou-me para ficar nos quadros e surgiu a oportunidade da Fórmula E. A equipa inicial de segurança foi escolhida a dedo porque este era um projeto de alto nível de exigência. Havia pouco conhecimento sobre a competição porque fugia aos padrões normais de corridas. Houve realmente uma grande energia positiva e todos conseguimos fazer com que este campeonato tivesse o sucesso que tem hoje em dia. Normalmente, a cada evento, nós somos entre 15 a 20 pessoas na equipa de segurança. A Fórmula E exige mais pessoas devido à componente elétrica da competição.

Notícias ao Minuto O BMW i8 é o carro conduzido por Bruno Correia desde que foi criada a Formula E© Formula E

Normalmente, um piloto de competição tem o objetivo de ganhar ou o de ficar o mais à frente possível. No teu caso, tens algum objetivo a cada corrida?

Esta pergunta tem uma resposta muito simples. O nosso objetivo é que o evento corra da melhor forma e com a máxima segurança. Eventualmente, sem safety-cars.

A corrida perfeita seria uma corrida onde tu não entras?

Não diria que seja a corrida perfeita porque, lá está, o safety car é um elemento que pode trazer emoção à pista. Se pensarmos que tudo isto é entretenimento, superação, gestão de baterias, estratégias, o safety car pode ser um elemento surpresa ou um ‘joker’. Faz baralhar muitas continhas que estão certas. Há muitas corridas que se tornam monótonas, o que não é o caso da Fórmula E, mas de qualquer maneira o safety car por vezes vem apimentar um bocadinho as coisas. No entanto, ninguém gosta de ver um piloto a ter um acidente e ninguém gosta de ver uma corrida interrompida. O nosso objetivo maior é sempre que tudo corra bem e em segurança.

A intervenção perfeita de um safety car acontece se durar uma voltaPerante o cenário que falaste como é que lidas com o simples facto da tua entrada em pista poder relançar uma corrida?

Óbvio que apimenta sempre alguma coisa, como referi. Como costumo dizer, a última coisa que o líder de uma corrida quer ver é o safety car. Porém, o segundo classificado, o terceiro e por aí fora, o que mais desejam se calhar é ver aparecer o safety car, é sempre uma nova oportunidade. Da minha parte tento sempre fazer as coisas da forma mais limpa possível e o mais rapidamente possível. A intervenção perfeita é o safety car durar uma volta. Isto significa que tenho de gerir muito bem as velocidades de entrada e saída de pista. É lógico que cada cabeça lá atrás vai pensar da sua maneira, mas é uma realidade que o safety car acaba por apimentar a corrida.

Achas que o desempenho de um piloto de safety car pode ter influência numa boa ou má corrida?

Logicamente. Olha, lembro-me de duas situações em que eu não fui no WTCC e no WTCR e que existiram reclamações. Houve uma prova no Japão em que estava com amigdalite, fiz tudo para ir, mas não me foi possível. Choveu bastante, fui substituído por um piloto local e houve imediatamente reclamações. No briefing seguinte, estive presente e até foi o Andy Priaulx, da BMW, a reclamar. Numa outra corrida na Hungria, em que não fui, há dois ou três anos, o Gabriele Tarquini reclamou porque o andamento do safety-car não estava como era habitual. Os pilotos também se habituam a um certo padrão… E tendo nós experiência como piloto, isso pode fazer a diferença. Tens de pensar, por um lado, na recuperação da pista e, por outro, ter atenção ao ponto de vista dos pilotos. É muito importante avaliar as circunstâncias, gerir os timings e as velocidades.

Notícias ao Minuto Bruno Correia nas últimas corridas de Berlim, na temporada passada da Formula E© Formula E

Para finalizarmos, gostava que partilhasses connosco quais são as tuas expectativas para esta nova temporada da Fórmula E, que agora já faz parte das provas homologadas pela FIA?

Este ano vai continuar a ser particularmente difícil em todo o mundo. É um ano que muitos sacrifícios terão de ser feitos. Estou muito feliz por termos iniciado a nossa temporada. É extremamente stressante para nós que viajamos muito e temos de fazer estes eventos. A viagem para a Arábia Saudita foi das mais stressantes que já tive desde que comecei. A quantidade de papéis que tens de assinar, é muita coisa… Esses níveis de exigência vão ter de ser mantidos, mas julgo que o campeonato vai decorrer e vamos ter várias surpresas este ano. Temos uma grelha de pilotos incrível e até arrisco dizer que é o melhor grupo de pilotos que existe em todo o mundo. Temos dos mais experientes, aos mais novos. Vai ser muito imprevisível quem irá levar o caneco, mas posso dizer que o António [Félix da Costa] está numa excelente posição, super respeitado aqui na Fórmula E, a nível mundial. É um ‘pilotaço’ à séria. Espero como português que ele seja um bom candidato e que consiga mais um título. Não vai ser fácil, particularmente quando existem pilotos como o Frinjs, o Sam Bird, o Di Grassi, o Buemi, Lotterer… a lista é de doidos. Há equipas que estão muito fortes. A primeira parte do calendário já está confirmada e eu próprio vou ter surpresas aí a meio do campeonato. De resto, é esperar por grandes corridas e muito espetáculo.

Leia Também: É possível chegar à F1 sozinho? A relevância do coaching no automobilismo

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