"A Netflix tem variedade, no nosso cinema também temos de tentar ter"

Diogo Morgado vai estrear esta semana o seu novo filme, 'O Lugar dos Sonhos', que tem Carlos Areia como protagonista e ainda conta com a participação de Áurea enquanto atriz. O ator e realizador esteve à conversa com o Notícias ao Minuto precisamente para falar da longa-metragem.

O Lugar dos Sonhos - Carlos Areia e Diogo Morgado

© O Lugar dos Sonhos

Marina Gonçalves
26/08/2025 08:06 ‧ há 3 horas por Marina Gonçalves

Cultura

Diogo Morgado

O filme 'O Lugar dos Sonhos' é escrito e realizado por Diogo Morgado e vai chegar às salas de cinema já na próxima quinta-feira, dia 28 de agosto. Este é um género que mistura o drama e a fantasia, e que é também "uma homenagem ao cinema e à importância das histórias na vida das pessoas".

 

'O Lugar dos Sonhos' é a história de um avô e de um neto, um encontro de gerações. "Quem vir o filme percebe que aquele avô não foi um pai perfeito, aquela mãe está a tentar lutar para ser a melhor mãe que pode. Todos nós estamos a tentar fazer o melhor que conseguimos e o importante é o amor que nos une", destacou Diogo Morgado em conversa com o Notícias ao Minuto

No papel de protagonista está Carlos Areia enquanto avô Júlio. Quem dá vida ao neto de Júlio, João, é o jovem ator Gonçalo Menino. 

Outra grande surpresa é a cantora Áurea, que aqui aparece como atriz e a interpretar Sofia, que é mãe de João e filha de Júlio. Temos ainda no elenco José Fidalgo, Maria Viralhada, Ricardo de Sá, Guilherme Filipe, Pedro Lacerda, Carmen Santos, ou Pompeu José, entre outros. Diogo Morgado, de referir ainda, também faz uma pequena participação numa cena. 

Um filme diferente, com vários estilos - que inclui a presença dos videojogos, a animação ou até mesmo o lettering - e valores que Diogo Morgado espera que "toque o coração de muita gente". 

'O Lugar dos Sonhos' mistura muitas ideias, vários valores, ensinamentos, aborda muitos temas... Além de despertar a imaginação e trazer a magia do cinema, também fala do encontro de gerações ou, por exemplo, a ideia de que o trabalho não é tudo. Tem muitas bases… O que levou a juntar tudo isto?

Como espetador, gostava de assistir a um filme português que tivesse estes determinados ingredientes. Depois da Covid o cinema sofreu muito - não só o português. Houve a explosão dos streamings - que tem muita qualidade - e a verdade é que a forma de ver as histórias no grande ecrã está a atravessar um período complicado.

Gostava de criar uma história que, entre outras coisas, fosse uma homenagem ao cinema, uma homenagem às boas histórias, à importância das histórias na vida das pessoas. Nós enquanto seres humanos ainda não sabíamos falar e já desenhávamos nas paredes das grutas formas de contar história - aquelas imagens das pinturas rupestres, no fundo, eram coisas que tinham acontecido aos homens primitivos e que estavam a tentar retratar através de imagens. E o que é um filme senão uma imagem em movimento.

Portanto, uma história que de alguma forma fosse ao encontro daquilo que os miúdos hoje em dia veem - desde plataformas de streaming, YouTube, videojogos, tudo isso. Mas que em vez de ser uma crítica contra isso fosse uma tentativa de criar pontos de ligação, ou seja, o avô pode aprender com o neto, o neto tem que aprender com o avô… Mesmo vindo de famílias que não são perfeitas. Quem vir o filme percebe que aquele avô não foi um pai perfeito, aquela mãe está a tentar lutar para ser a melhor mãe que pode. Todos nós estamos a tentar fazer o melhor que conseguimos e o importante é o amor que nos une.

As histórias sempre foram, pelo menos para mim, na minha vida, excelentes pontos de partida para reflexões, para levantar questões, para pensar. O filme tem homenagens a filmes que foram importantes para mim. Talvez a melhor homenagem de todas seja o 'Cinema Paraíso'. Lembro-me de ter 10, 11 anos quando vi o 'Cinema Paraíso', e por ter um miúdo eu achei que era um filme próprio para mim quando, no fundo, não era. Era já para mais adultos. Lembro-me de ser muito miúdo e questionar os meus pais sobre o porquê de muita coisa daquele filme.

O que nos faz evoluir como seres humanos são as perguntas que fazemos. É o princípio básico da filosofia. Perguntar, questionar... As histórias têm esse poder. Este argumento vem com fruto disso tudo, de tentar criar uma história para que a família pudesse ir ao cinema ver um filme português e que todos debatem. 

O que tento fazer quando vou para o lado dos videojogos, da animação ou até mesmo os próprios letterings, não é porque os miúdos hoje em dia veem no TikTok. São formas de nós, como seres humanos, comunicarmos. Ao invés de criticar, é importante usar isso à serventia de uma boa história

Podemos assumir que é um filme com o intuito de juntar, precisamente, gerações…?

Sem sombra de dúvida! Os netos podem ver com os avós, com os pais, e tem um bocadinho para todos.

No filme há alguns efeitos que levam para uma parte mais de animação. Isto também foi para chamar o público mais jovem que hoje em dia está mais interessado no consumo rápido?

Não, no fundo, o que é que é o cinema e o papel do realizador? São tudo perspetivas de história e a forma como podem ser contadas. Há mil e uma maneiras de se contar uma história. Hoje em dia, por exemplo, a indústria do gaming é vista quase ao nível cinematográfico, porque o cuidado que há com as histórias, mesmo dentro dos videojogos, é absolutamente extraordinário. E falo como gamer que sou também, é conhecimento de causa.

É importante tentarmos comunicar com todas as pessoas e mostrar-lhes que independente do formato da história, o que importa é se a história é boa ou não. O que tento fazer quando vou para o lado dos videojogos, da animação ou até mesmo os próprios letterings, não é porque os miúdos hoje em dia veem no TikTok. São formas de nós, como seres humanos, comunicarmos independentemente se gostamos ou não. São formas que estão à nossa volta. Somos resultado disso também. Ao invés de criticar, é importante usar isso à serventia de uma boa história, de coisas boas.

Sinto que os miúdos que virem o trailer, vão encontrar elementos que encontram no seu dia a dia - quando vão ao YouTube, a uma outra plataforma, quando vêem um videojogo ou jogam… É importante para mim, para que o cinema não morra e nomeadamente o cinema português ganhe cada vez mais dinamismo, que a malta nova, que no fundo são os espetadores de amanhã, tenham essa semente.

Espero que daqui a cinco ou seis anos, eu encontre rapaziada nova que me vai dizer: 'Lembro-me que não costumava ir ao cinema e o primeiro filme português que vi foi o teu'. Seria um privilégio gigante, porque seria esse um dos propósitos. Tenho um filho de nove anos e outro de 15. Tenho em casa a experiência do que é ter estas idades nos tempos de hoje, e tentei comunicar com eles ao escrever este argumento.

Acredito que as histórias são aquilo que mais perto existe da verdadeira magia. Não é a ilusão do mágico, é da magia. Nós sentirmos coisas cá dentro que não conseguimos explicar. Fui impactado por diferentes histórias. Quantas pessoas não foram afetadas por um filme tão simples como o 'Rocky'? 

Precisamente, hoje em dia as crianças estão mais habituadas ao consumo rápido do YouTube, redes sociais, e pode ser mais difícil colocá-las sentadas num cinema ou a ver um filme. Este tema também é abordado no filme – tanto na maneira como o construiu com esses mesmos efeitos, como no argumento (quando coloca, por exemplo, a personagem João inicialmente muito focada no telemóvel sem ligação com o avô). 

Não liga no início porque não há ponte de ligação, e depois eles embarcam nas recriações de diferentes filmes que vão vendo. Vão vivendo a importância da imaginação. Por isso é que o avô diz: "Sonhar é tão importante como esta água que estamos a beber." No dia em que pararmos de sonhar - sonharmos ser melhores, sonhar queremos ter isto ou gostar de fazer aquilo -, isto são tudo narrativas e histórias que contamos a nós próprios. E os filmes são isso. O personagem Júlio, do Carlos Areia, diz isso. Os medos, os anseios que estas personagens passam são os nossos também.

Acredito que as histórias são aquilo que mais perto existe da verdadeira magia. Não é a ilusão do mágico, é da magia. Nós sentirmos coisas cá dentro que não conseguimos explicar, do poder transformativo das histórias. Fui impactado por diferentes histórias.

Ainda hoje tenho como referência histórias que me impactaram muito na altura e que foram verdadeiramente transformativas e inovadoras. Quantas pessoas não foram afetadas por um filme tão simples como o 'Rocky'? É super simples, é um tipo que vem do nada e não desiste. E não é a forma de ganhar, é a forma como ele não desiste e continua em frente. Este tipo de motivações são as que todos precisamos, e as histórias têm essa capacidade de nos dar isto, de nos tocar cá dentro.

Não tenho nada contra o cinema de autor. Tão depressa vou a clássicos dos anos 50, 70, como vejo a coisa mais sofisticada que possa ter saído ontem. Acredito que o cinema português deve ser eclético do ponto de vista criativo

'O Lugar dos Sonhos' traz muito a ideia de que nada é impossível. Fazer este filme diferente daquilo que estamos acostumados a ver em Portugal foi, de certa forma, também para mostrar que tudo é possível fazer-se no cinema, especialmente no cinema português, e que não há limites?

As pessoas não sabem o que é está por trás, da dificuldade de fazer este tipo de filmes, de chegar às pessoas. Nos Estados Unidos, só para termos uma comparação que serve de exemplo, um dos filmes nomeados aos Óscares este ano foi o 'Anora'. Teve um 'budget' maior de campanha para o Óscar do que teve para a produção do próprio filme. Ou seja, não foi o filme em si que custou, custou muito mais fazer chegar às pessoas, promovê-lo.

Quando as pessoas não têm esta noção, quando estamos numa altura em que, independentemente da qualidade das coisas, há toda uma máquina à volta que é tão ou mais importante para fazer chegar o filme às pessoas, é aí que a utopia começa a acontecer - uma coisa que não deveria ser transforma-se quase numa utopia. Para quem faz estas histórias, para quem está na área o importante é não desistir de continuar a tentar.

Da mesma forma que o espetador vai a uma Netflix e tem uma variedade de géneros, no nosso cinema também temos de tentar procurar ter um bocadinho de todo o tipo de oferta

Quando falo em limites não é tanto na concretização do filme, pois a dificuldade com os orçamentos, por exemplo, é já muito debatida. É mais no sentido da criatividade, da narrativa...

É muito importante sermos ecléticos. Não tenho nada contra o cinema de autor. Tão depressa vou a clássicos dos anos 50, 70, como vejo a coisa mais sofisticada que possa ter saído ontem. Acredito que o cinema português deve ser eclético do ponto de vista criativo. Ter comédias que não sejam aquelas mais barrocas, ter filmes que para ter sucesso não tenham que ter necessariamente um cariz sexual.

Se nós formos a ver, no top 10 nacional de sempre temos filmes como 'O Crime do Padre Amaro' - em que eu entrei - ou mesmo o 'Call Girl'. São bons filmes mas deu-lhes aquele sucesso porque também tinham uma conotação sexual forte, e as pessoas vão atrás desse tipo de coisas. Não tenho nada contra isso, o que importante é que temos que ter uma oferta para os espetadores. Da mesma forma que o espetador vai a uma Netflix e tem uma variedade de géneros, no nosso cinema também temos de tentar procurar ter um bocadinho de todo o tipo de oferta.

Sei que é tentador sobretudo no cinema independente, que é o caso deste filme que não teve qualquer apoio do Estado. Estamos tão preocupados em que as pessoas vão às salas, o lado financeiro fala alto. Mas é possível aliar as duas coisas. É possível criar um produto que agrade às massas e ao mesmo tempo não seja 'mau'. Não estou a dizer que é mau, estou a dizer que não nos podemos vender do ponto de vista criativo.

Mesmo por trás das histórias que conhecemos, há uma série de outras histórias que não conhecemos. Somos todos farinha do mesmo saco e temos os mesmos anseios, medos, frustrações

"Somos nós que decidimos qual o género de filme da nossa vida". Esta é uma frase que se pode ouvir no 'O Lugar dos Sonhos'. Qual o género de filme da vida do Diogo Morgado? 

Diria que é um filme de ação. Desde que comecei aos 15 anos não me posso queixar. Tenho passado por várias fases, todas elas muito dinâmicas, muito bonitas, umas nem por isso e essas a maior parte das pessoas não sabe, também não tem que saber, mas é importante. E mostro isso neste filme também. Mesmo por trás das histórias que conhecemos, há uma série de outras histórias que não conhecemos. Somos todos farinha do mesmo saco e temos os mesmos anseios, medos, frustrações. Há coisas que ficam por resolver e diria que, sem dúvida, o género da minha vida é um bom filme de ação.

Leia Também: "Este filme é parábola sobre a identidade do nosso país e do espetáculo"

Leia Também: 'Pátio da Saudade' chega hoje, Sara Matos protagoniza. Falámos com elenco

Partilhe a notícia

Escolha do ocnsumidor 2025

Descarregue a nossa App gratuita

Nono ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.

* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com
App androidApp iOS

Recomendados para si

Últimas notícias


Newsletter

Receba os principais destaques todos os dias no seu email.

Mais lidas