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"Situação não está controlada. Precisamos de reforço da dádiva de sangue"

A entrevistada de hoje do Vozes ao Minuto é a presidente do Conselho Diretivo do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), Maria Antónia Escoval.

"Situação não está controlada. Precisamos de reforço da dádiva de sangue"
Notícias ao Minuto

03/02/23 por Natacha Nunes Costa

País Instituto Português do Sangue

Sempre que o fim de ano se aproxima e um novo começa, o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPTS) vê-se a braços com o desafio de repor as reservas dos vários grupos sanguíneos para que nada falhe nos hospitais portugueses.

Janeiro de 2023 não foi exceção. Mas também não foi o pior ano com o qual a atual presidente do Conselho Diretivo do IPST, no cargo há quatro janeiros, teve que lidar.

O ano de 2022 começou com um surto de Covid-19 que fez com houvesse uma escassez de doações de sangue muito preocupante.

E não foi só as dádivas de sangue que sofreram um decréscimo, a pandemia do novo coronavírus também abrandou o aumento do número de transplantes realizados no nosso país.

Apesar disso, de acordo com Maria Antónia Escoval, Portugal ocupa um lugar cimeiro no panorama da doação e transplantação a nível mundial, sendo o
quarto país europeu com maior número de dadores falecidos.

O Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) apelou, recentemente, a todos os potenciais dadores que façam a sua dádiva e lembraram que janeiro e fevereiro são meses críticos, marcados pela instabilidade das reservas de sangue. Porque é que as reservas de sangue diminuem sempre nesta altura do ano?

É uma situação que se repete ano após ano e existem três possíveis explicações para isso: O pico das infeções respiratórias que, normalmente, ocorre nesta altura do ano e as pessoas ficam com um período de suspensão para dar sangue; As condições atmosféricas, em que as pessoas estão menos predispostas a dirigirem-se aos locais de colheita; E terem dado sangue na época festiva, por considerarem que estão a dar um presente, a ter um ato solidário, porque depois de uma dádiva os homens ficam três meses sem poder voltar a dar sangue e as mulheres ficam quatro.

E nota-se uma diminuição de reservas este ano em comparação aos anteriores?

Não. Este ano foi um ano muito melhor comparado, por exemplo, com o ano passado. Sou presidente do IPST há quatro janeiros. O ano passado foi o mais difícil porque houve um pico de Covid-19 nesta altura e as pessoas também estavam a ser vacinadas. Portanto, tínhamos as pessoas em casa, confinadas, em isolamento, um período de suspensão de 14 dias. Foi muito difícil encontrar dadores nessa altura. Sem dúvida que o pior janeiro para nós foi o de 2022.

Qual o tipo de sangue que, normalmente, tem menos reservas?

Os tipos de sangue que têm menos reservas são aqueles que são mais procurados. O 0+ e o 0- e o A+ ou A-, vai variando. O 0- porque é dador universal, os outros porque são os mais prevalentes na nossa população e, portanto, são aqueles que são mais procurados.

A situação ainda não está completamente controlada. Precisamos que haja um reforço da dádiva nas próximas semanas e que esta seja depois regular ao longo do tempo

Como é que o IPST revolve esta carência sazonal? Que tipo de iniciativas o instituto promove para aumentar a doação de sangue?

Normalmente temos uma atitude preventiva, que foi o que aconteceu este ano. Existe um planeamento anual de colheitas de sangue. Para além dos 27 serviços hospitalares que colhem sangue, temos os três centros de sangue e transplantação do IPST, que estão localizados no Porto, Coimbra e Lisboa. De qualquer um dos nossos centros saem, todos os dias, pelo menos quatro sessões móvel de sangue. Se a situação no final de dezembro estiver confortável, reprogramamos algumas dessas sessões de colheita para o mês de janeiro, que foi o que aconteceu este ano. Por outro lado fazemos 'spots' a apelar à dádiva na rádio e na televisão. Noutros anos temos tido outro tipo de iniciativas. Muitas vezes apelamos às associações e federações de dadores de sangue, que são um importante parceiro para que haja um promoção da dádiva de proximidade.

E quando apelam à dádiva de sangue, notam um aumento de dadores? Ou apenas de dádivas de quem já dava sangue?

Houve um aumento de dádivas de sangue e também do número de dadores. Por enquanto, ainda não lhe sabemos dizer se são dadores de primeira vez ou se são os dadores habituais que vieram dar sangue. Mas entre a segunda semana de janeiro, que foi quando fizemos o comunicado para a comunicação social, e o momento atual, estabilizamos naquilo que consideramos ser a 'reserva ótima', o que corresponde no IPST a sete dias e nos hospitais a um mínimo de 21 dias. Apesar disso, a situação ainda não está completamente controlada. Precisamos que haja um reforço da dádiva nas próximas semanas e que esta seja depois regular ao longo do tempo. O mais importante para nós é que haja uma dádiva regular porque o sangue tem um prazo de validade para ser utilizado. Os glóbulos vermelhos 35 a 40 dias, as plaquetas entre cinco e sete dias. Como os homens só podem dar sangue de três em três meses e as mulheres de quatro em quatro, precisamos que haja mais dádivas regulares ao longo do ano. Isso é o mais importante para nós.

Foram canceladas cirurgias, este ano, por falta de sangue, como chegou a ser avançado por alguns meios de comunicação social?

É uma informação que não lhe sei dar. O que posso dizer é que quando atingimos um determinado nível nas reservas desencadeamos imediatamente todas as ações para que isso não aconteça e foi isso que fizemos.

Quem pode doar sangue? E onde?

Podem dar sangue todas as pessoas saudáveis, dos 18 aos 65 anos para os dadores habituais, até aos 60 anos se for dador de primeira vez. Têm que ter 50 kg de peso. Todos os potenciais dadores preenchem o consentimento informado e têm uma entrevista com o um profissional qualificado, que lhe vai fazer perguntas no sentido de proteger a saúde do dador e de quem vai receber o sangue. Para se inscrever como dador basta deslocar-se aos centros do IPST ou a um dos hospitais com colheita de sangue.

Que análises são feitas ao sangue doado antes de ser utilizado num recetor?

Esta é uma área que é extremamente regulada e, portanto, as análises que são realizadas ao sangue estão contidas na legislação. Fazemos um conjunto de análises para doenças transmissíveis pelo sangue, HIV, Hepatite B, Hepatite C, sífilis e fazemos também um conjunto de análises relacionadas com os grupos sanguíneos de imunohematologia.

Quanto à medula óssea, que características têm de ter os pote0nciais dadores?

Pode-se registar como dador de medula óssea quem tiver entre 18 e 45 anos, ao contrário do sangue que vai até aos 65. No entanto, a colheita pode ser feita até aos 55. É necessário que sejam saudáveis e, tal como para o sangue, existem um conjunto de critérios que os dadores têm de obedecer para se inscreverem. A grande maioria das pessoas podem ser potenciais dadores de medula óssea.

A grande maioria dos dadores [de medula] são mulheres e mulheres num grupo etário já na idade média da vida. E nós, neste momento, precisamos de dadores de medula homens, jovens, com grande diversidade étnica e genética 

Então, quem se inscreve para dar sangue não fica automaticamente inscrito para ser doador de medula óssea...

Inscrever para dar sangue é uma coisa e inscrever para dar medula é outra. Enquanto para o sangue a pessoa pode fazer uma dádiva de três em três meses ou de quatro em quatro, para a medula a pessoa inscreve-se uma única vez na vida e fica registada. E quando (ou se) houver uma pessoa compatível, é chamada e repete as análises. Chama-se a isso ativação. O potencial dador pode desistir em qualquer momento de todo este processo.

E desistem muitas vezes?

Temos alguns casos de pessoas que se registaram e não respondem, posteriormente, ao chamamento e é importante que o façam porque quando é encontrado um dador, o doente é informado e há uma expetativa que se cria. O doente fica à espera que essa pessoa realize a sua dádiva. Há um grande número de pessoas a registarem-se como potenciais dadores de medula óssea. Contudo, nós temos de rejuvenescer o nosso registo. O que nos acontece, tal como no sangue, é que a grande maioria dos dadores são mulheres e mulheres num grupo etário já na idade média da vida. E nós, neste momento, precisamos de dadores de medula homens, jovens, com grande diversidade étnica e genética, porque temos a população africana, por exemplo, com características especiais.

O nosso povo é extraordinariamente altruísta. Portanto, na dádiva ou doação, seja de sangue ou de tecidos moles e órgão, em qualquer uma das posições nós temos uma excelente posição

Como é que são encontrados a maior parte dos dadores?

Cerca de um terço dos transplantes de medula em Portugal são realizados com os dadores familiares. A família é a primeira a ser chamada, devido à maior probabilidade de haver compatibilidade. Os restantes dois terços dos transplantes de medula ocorrem com recurso a dadores voluntários, inscritos no registo de dadores de medula óssea. Destes dois terços, 40% são dadores nacionais e 60% dadores estrangeiros, inscritos numa rede internacional. Sim porque Portugal está inscrito numa rede internacional que permite tanto receber órgãos do estrangeiro como enviar 'nossos' para o estrangeiro.

Quantas pessoas estão à espera de um órgão para transplante em Portugal?

Não temos esse dado apurado para o final de 2022 mas, no final de 2021, eram cerca de 2 mil pessoas. O nosso lugar no âmbito da transplantação é um lugar muitíssimo honroso porque temos um quadro legislativo favorável na doação de órgãos. No final de 2021 ocupávamos o quarto lugar, um belíssimo lugar. Mas temos possibilidade de crescer e o nosso objetivo é dar resposta a todos os doentes que precisam de um transplante.

Temos vários constrangimentos para a doação de órgãos. Uma população onde, felizmente, há cada vez menos jovens a morrer e, por outro lado, questões mais técnicas, relacionadas com a identificação dos potenciais dadores nos hospitais e com as metodologias de colheita 

A que se deve este sucesso?

Em primeiro lugar porque o nosso povo é extraordinariamente altruísta. Portanto, na dádiva ou doação, seja de sangue, ou de tecidos, células moles e órgãos, em qualquer uma das posições nós temos uma excelente posição. Em relação ao sangue, em 2021 recuperamos os números e invertemos uma tendência de descendência de dadores e dádivas que vinha a ocorrer desde 2008. É um excelente aumento de dadores de sangue. Quanto aos dadores de medula, embora tenhamos de rejuvenescer este registo porque há muitas pessoas a chegarem aos 45 anos e terem de sair logo a seguir, fomos em 2021 o quinto maior registo. E em dadores de órgãos temos esta posição. O quarto lugar mundial. O altruísmo é o principal motivo. Somos um povo extremamente altruísta, mas também temos, em relação à doação de órgãos, um enquadramento legislativo muito favorável. Ou seja, quem não quiser ser dador tem de se registar através de um formulário. Todas as restantes pessoas são potenciais dadores de órgãos.

Contudo, as doações não têm acompanhado o crescimento da procura de órgãos. Porquê?

Por motivos variadíssimos. Porque as situações de jovens que faleciam, fosse por acidentes de viação, fosse por aquilo que fosse, há uns anos atrás, atualmente não acontecem. Os potenciais dadores são dadores encontrados noutro tipo de situações. Vítimas de de AVC, por exemplo, outro tipo de dadores, o que leva a alguma escassez. Depois, nos últimos anos, tivemos a situação de Covid-19. Antes, os potenciais dadores eram pessoas internadas nas Unidades de Cuidados Intensivos, durante dois anos tivemos estas unidades ocupadas com essa situação, o que levou ao abrandamento de doações. Precisamos também incentivar os coordenadores hospitalares para que sejam identificados dadores em morte cerebral e avançar para outros passos, como é o caso de dadores em paragem cardiocirculatória. Temos assim vários constrangimentos para a doação de órgãos. Uma população onde, felizmente, há cada vez menos jovens a morrer e, por outro lado, estas questões mais técnicas, relacionadas com a identificação dos potenciais dadores nos hospitais e com as metodologias de colheita.

Tivemos este ano a primeira dádiva samaritana, isto é, um indivíduo que nada tinha a ver com os potenciais recetores e que, pela primeira vez em Portugal, doou um rim a um desconhecido (...). Esta é uma possibilidade que está, agora, à disposição

Isso introduz novos desafios à atividade de transplantação. O que poderá ser feito para diminuir a lista de doentes à espera de órgãos?

Já estamos a avançar com algumas respostas. A colheita pode ser feita em morte cerebral, em paragem cardiocirculatória não controlada e paragem cardiocirculatória controlada. Já se recolhe órgãos em morte cerebral, na paragem cardiocirculatória não controlada e há um centro hospitalar que já faz também durante a paragem cardiocirculatória controlada. Nós estamos a avançar mas,  para isso, precisamos também dos pareceres éticos da Ordem dos Médicos, da Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida e assim progressivamente.

No caso de doação em vida, quem pode doar? E como pode fazê-lo?

Tivemos este ano a primeira dádiva samaritana, isto é, um indivíduo que nada tinha a ver com os potenciais recetores e que, pela primeira vez em Portugal, doou um rim a um desconhecido. Esta é uma situação que aconteceu pela primeira vez no nosso país e que eu gostava de realçar até porque é uma situação que nos enche de orgulho. A doação foi feita por um médico, um nefrologista que trabalhou em transplantação toda a sua vida, até aos 70 anos, altura em que se reformou e que quis dar um rim. Esta é uma possibilidade que está, agora, à disposição. Sem ser esta situação, até agora o que funcionava era uma dádiva dentro da família, de pessoas que fossem compatíveis com o receptor.

A maioria dos pacientes na lista de espera dos transplantes espera por que órgãos?

O órgão mais transplantado em Portugal é o rim.

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