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Bandas de tributo, ou o culto do rock sem medo das imitações

À boleia de uma conversa com três bandas diferentes, o Notícias ao Minuto foi dar um passeio ao mundo das bandas de tributo. Descobrimos amor à música, descontração perante quem se incomoda com "imitações" e gente de guitarra em punho que não toca só para aquecer. Afinal de contas, é possível ir amealhando algum dinheiro enquanto se toca com amigos a música de que se gosta.

Bandas de tributo, ou o culto do rock sem medo das imitações
Notícias ao Minuto

08:30 - 24/09/17 por Pedro Filipe Pina

País Música

Um grupo de amigos junta-se para formar uma banda. Com o passar do tempo, vão compondo as próprias músicas, vão melhorando, vão dando os primeiros concertos, até que o nome começa a ser cada vez mais conhecido. Se fizerem parte de uma minoria rara, vão andar anos e anos na estrada, a dar concertos tocando a música de que gostam.

Se encontrou semelhanças nesta história com a realidade de muitas bandas, não é por acaso. O sucesso de grandes bandas começou muitas vezes em coisas pequenas, como a historia da semente que virou árvore. Curiosamente, há todo um leque de bandas que poderia ter exatamente esta mesma história, com uma única diferença: não andaram a compor as próprias músicas. Podiam, respeitando a metáfora, ser uma fruta que nasceu na tal árvore de que falávamos antes.

Seja por uma passagem de uma letra que nos diz algo, ou pela companhia que tínhamos ao lado num concerto, a música também cria memórias. Não será por acaso que o verão em Portugal é sinónimo de festivais. Há sempre fãs ávidos para ouvir ao vivo as músicas de que gostam.

Porém, há bandas cujo sucesso é tão grande que atravessa fronteiras. Pensemos nos Pearl Jam, banda com culto bem assente em Portugal. Chegam a passar anos entre cada concerto em Portugal do grupo liderado por Eddie Vedder. Os fãs, no entretanto, continuam por cá, de ouvidos fiéis. Não será por isso grande acaso pensarmos que há quem queira ir matando saudades dos Pearl Jam. E ao ouvirmos uma música dos Pearl Jam na voz do João Beato, talvez já não se estranhe o sucesso que os Pearl Band têm tido por terras lusas. 

Paulo Antunes, baterista, conta-nos como tudo começou para os Pearl Band: este "é um grupo de amigos que cresceu a ouvir Pearl Jam e ao gostarmos tanto de Pearl Jam e termos um amigo em comum com uma voz parecida com o Eddie Vedder, surgiu a ideia de montar o projeto".

Houve mudanças ao longo dos anos mas a banda atualmente é composta por elementos que estavam lá desde a primeira hora, há nove anos. Este é o lado simples do projeto: quatro amigos que gostam dos Pearl Jam. Este é a história do seu sucesso: nestes nove anos contam já com cerca de 450 concertos, uma média de 50 concertos por ano. Já correram o país todo, a única exceção neste momento é a Madeira. “Já tivemos datas marcadas mas que acabaram por não acontecer”. De resto, todos os anos até fazem "um casamento ou dois" em que os noivos são fãs dos Pearl Jam.

No mundo dos negócios, por vezes, a melhor aposta é mesmo jogar pelo seguro. Um dono de um bar onde há musica ao vivo não tem capacidade para organizar um concerto de uma banda cabeça de cartaz num festival. Pode, em alternativa, apostar num novo projeto, ainda desconhecido. Mas, feitas as contas, é bem mais provável que tenha casa cheia se naquela noite, em palco, tiver uma banda que presta tributo a uma outra banda, mundialmente famosa.

Há fãs que nunca irão apreciar esta ideia. "Há malta que gosta de Pearl Jam que nem nos querem ver", é o tal medo das "imitações", diz-nos Paulo Antunes. Mas há também "um bocadinho de tudo", como fãs que os abordam no final de um concerto com palavras entre a surpresa e o encorajamento: "Sou grande fã dos Pearl Jam e nunca tinha ouvido falar de vocês, como é que é possível".

Os Pearl Band são compostos por João Beato, voz e guitarra, Pedro Madeira, guitarra e voz, Nuno Pereira, baixista, e Paulo Antunes, bateria. São todos amigos desde a infância. O João é professor de português e inglês, o Pedro dá aulas de música, tal como o Paulo, já o Nuno trabalha numa empresa da área de tecnologia. Além de estarem juntos nos Pearl Band têm também outros projetos musicais.

"Vamos fazendo mais umas coisas, o que é possível fazer entre as aulas, e os concertos e a vida… nem sempre é fácil um gajo meter-se em muitas coisas ao mesmo tempo", conta-nos Paulo Antunes. Mas quando lhe perguntamos se os Pearl Band são apenas um projeto para ir passando o tempo, tal ideia é rapidamente desfeita: "Isto é profissional, sem dúvida nenhuma". "Não dá para andar a tocar para aquecer entre uns copos".

Quem também já correu boa parte do país e até já deu concertos em Espanha são os Abaixo Cu Sistema, brincadeira curiosa com o nome da banda a que prestam tributo: os System of a Down.

Os Abaixo Cu Sistema são compostos por Pedro Pina, na voz, João Rijo, na guitarra e voz, André Alves, no baixo, e Andreia Ferreira, na bateria e voz. E a sinopse dos Abaixo Cu Sistema cabe em poucos caracteres: "Começámos como uma brincadeira"… e "já vamos fazer 10 anos".

Tinham uma banda de originais e no final dos concertos costumavam tocar um pouco de System of a Down. A brincadeira incluiu alguns concertos, as pessoas iam aparecendo para ouvir e as coisas estavam a correr bem. Mas ainda houve uma pausa devido a mudanças no alinhamento da banda, durante um ano.

Depois foi hora de retomar, uma espécie de mãos à obra instrumental. Faltava a experiência no agenciamento, mas Pedro Pina deu "um passo em frente" e, de "há quatro, cinco anos" para cá, a coisa mudou e a agenda foi ficando cada vez mais cheia.

Os membros dos Abaixo Cu Sistema têm "outros projetos, de originais e tributo". Mas a música tem estado sempre presente: "Fazemos vida disto. À parte de ser o que nós gostamos, isto é trabalho", conta-nos, acrescentando ainda que a banda já tem o seu próprio técnico de som, um sinal de profissionalismo que o sucesso já lhes permite.

"Há muitas bandas de tributo que tocam sempre as mesmas músicas", relata-nos Pedro Pina. Já no caso dos Abaixo Cu Sistema, normalmente há uma set-list nova por ano, com logótipo e imagem renovada. Mas como há lugares onde tocam mais do que uma vez por ano, aproveita-se para introduzir mudanças. Num local em particular, no RCA Club, em Lisboa, onde têm sido presença habitual, elevaram estas mudanças a um novo nível: prepararam uma série de concertos em que cada espectáculo se focava num dos álbuns dos System of a Down. O mais recente foi dedicado ao 'Steal This Album!'.

Já tiveram oportunidade de conhecer algum dos membros da banda? "Não, ainda não. O mais próximo que tivemos disso foi quando fomos tocar a Espanha, ou foi Córdoba ou Granada, e um dos gajos que foi ver o nosso concerto que tocava no projeto a solo do Serj [vocalista dos System of a Down]".

Seria algo interessante, admite Pedro Pina, partilharem um dia o palco com os System of a Down. Mas tal ideia fica guardada no campo dos sonhos. No da realidade, o compromisso é claro: "queremos é fazer o nosso tributo".

Mas se há bandas que têm uma legião de fãs em Portugal à semelhança do que acontece noutros países, outras há que são um fenómeno muito nosso. É o caso dos Xutos & Pontapés, que há mais de três décadas se mantêm ativos, com o tal 'X' feito com os dois braços a atravessar gerações. E, como é bom de ver, após tanto sucesso era natural que surgissem bandas de tributo à banda Tim e companhia. É o caso dos GM Tributo aos Xutos.

"Com mais de 600 concertos feitos desde 2002, os GM Tributo aos Xutos são uma referência nacional como banda de tributo aos enormes Xutos e Pontapés". É desta forma que a banda se apresenta nas redes sociais. Mas, permitam-nos a insolência deste conselho de jornalista: é mais engraçado conhecer os GM Tributo aos Xutos pelo que fazem quando não estão a tocar. É assim que vemos o quão fácil pode ser juntar pessoas em torno da música.

"Eu sou designer, há um membro da banda que é técnico de áudio na SportTVm um é carpinteiro, outro é diretor financeiro e um outro é diretor de marketing". "Isto é tipo aqueles filmes d'Os Mercenários. Juntámo-nos todos", conta-nos João Casinhas, entre risos.

Foi o amor aos Xutos que foi formando a banda como hoje a conhecemos. Os primeiros concertos foram coisas simples, em festas de amigos. Hoje em dia já "é mais do que uma banda, é uma família", diz-nos João Casinhas. "Após 15 anos já não és uma banda normal, há alturas em que às vezes passas mais tempo com a banda do que com a família".

Esta família atualmente é composta por João Casinhas, baterista, por Bernardo Moniz, baixo e voz, Jorge Baltasar, guitarra ritmo, Sérgio Montinho, guitarra solo, e Carlos Delfim, no saxofone e nas vozes.

Sem procurar rivalidades (há mais bandas de tributo aos Xutos & Pontapés para lá dos GM Tributo aos Xutos, que foram buscar o seu nome ao álbum 'Gritos Mudos'), Casinhas explica-nos o que os distingue.

"As pessoas às vezes pensam que isto de fazer um tributo é só ganhar dinheiro. Não é bem assim". No caso dos GM Tributo aos Xutos, o mote é claro: "Tentamos fazer tal e qual, não é fazer versões". O som quer-se o mais próximo possível da banda original. "Isso é que é o tributo" e que traz uma "responsabilidade" maior do que nós pensámos.

No caso desta banda de tributo, há mesmo margem para um fã dos Xutos & Pontapés estar a vê-los em palco e associar cada membro dos GM Tributo aos Xutos da banda original. "Não é irmos vestidos de igual, mas queremos que a pessoa que está a ver identifique quem está a tocar. É um teatro. Claro que depois eu sou o Casinhas e o Kalu [baterista dos Xutos] é o Kalu. Não vou pôr um brinco", ressalva com humor.

Há 15 anos que é assim e Casinhas fala com orgulho de quando um fã lhes diz no final de um concerto "que tocam [e o calão que se segue vem na versão eufemista] para caraças" ou de outro em particular que no final lhes perguntou desconfiado se aquilo tinha sido playback. Não, não era playback.

Sobre a razão de ser da banda, Casinhas dá-nos uma curiosa metáfora política: "Eu costumo dizer que os Xutos são o poder central, o Governo, e nós somos a junta de freguesia", levando muitas vezes o rock dos Xutos a espaços mais pequenos e a lugares onde dificilmente a banda irá passar.

Ao contrário dos Pearl Band e dos Abaixo Cu Sistema, cujos ídolos passam muito menos vezes por Portugal, esta banda de tributo está mais perto dos seus heróis.

Casinhas conhece pessoalmente  Kalu, que até já tocou com eles, tal como o João Cabeleira, guitarrista dos Xutos. "Até estou arrepiado", confessa-nos ao recordar o momento. E aquele calafrio na voz talvez nos ajude a explicar este fenómeno das bandas de tributo. É que há bandas com tal dimensão, que o amor que têm à sua volta parece chegar e sobrar para ser partilhado com outros.

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