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"Não podemos esperar que sejam as famílias a pagar os apoios"

No mês em que a campanha do Pirilampo Mágico comemora o seu 30.º aniversário, o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto é Rogério Cação, vice-presidente da Federação Nacional de Cooperativas de Solidariedade Social que é a responsável pela campanha de solidariedade.

"Não podemos esperar que sejam as famílias a pagar os apoios"
Notícias ao Minuto

08:30 - 18/05/17 por Patrícia Martins Carvalho

País Fenacerci

A Federação Nacional de Cooperativas de Solidariedade Social (Fenacerci) tem como objetivo promover a criação de condições para a defesa dos direitos das pessoas com deficiência, bem como das suas famílias.

Para conseguir chegar a um maior número de famílias, a Fenacerci lança todos os anos, em maio, a já conhecida campanha do Pirilampo Mágico.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o vice-presidente da Federação revelou qual é o segredo para que uma campanha de solidariedade alcance tamanho sucesso. Afinal, ao longo dos últimos 30 anos foram vendidos mais de 18 milhões de pirilampos. E estamos a falar apenas destes ‘bonecos mágicos’, pois a Fenacerci vende também canecas, pins, t-shirts, entre outros objetos.

Quanto às organizações que prestam auxílio às pessoas com deficiência, as dificuldades são muitas e é preciso fazer uma verdadeira ‘ginástica’ para conseguir reunir o essencial ao melhoramento da vida destas pessoas e das suas famílias.

O papel do Estado é importante, mas o seu peso é pouco, pois o que paga em regime de prestação de serviços não corresponde às necessidades reais das associações e das famílias e a sociedade ainda está longe de ser totalmente inclusiva, garante Rogério Cação.

A Fenacerci foi criada há 33 anos. Por que houve esta necessidade?

Porque era preciso que houvesse uma organização que aglutinasse todas as Cerci’s que já existiam. Uma vez que eram muitas, era preciso que se construísse uma cultura comum e que se garantisse a presença das Cerci’s junto das mais diversas empresas.

Que tipo de apoio prestam as Cerci’s?

Os mais variados: apoio nas escolas a crianças com necessidades especiais, apoio na área do emprego, apoio ocupacional dirigido às pessoas maiores de 18 anos e que têm problemas mais graves, apoio domiciliário… atuamos em várias áreas.

Quais são as grandes dificuldades que as Cerci’s enfrentam?

São as dificuldades de financiamento. Nós temos dois tipos de financiamento: o que decorre da prestação de serviços ao Estado e o que decorre das campanhas. Mas o que o Estado paga, por exemplo, em serviços de apoio ocupacional ou residencial, é inferior àquelas que são as necessidades reais das pessoas com deficiência ou multideficiência. E é exatamente para suprir este défice que realizamos várias campanhas. Não podemos esperar que sejam as famílias das pessoas com deficiência a pagar, até porque na maioria das vezes são famílias com graves dificuldades económicas.

O que o Estado paga pelos serviços que prestamos continua a não ser suficiente

Mas há quotas que as famílias pagam às cooperativas.

Há, mas algumas são simbólicas, de apenas um euro, porque não podemos cobrar mais a estas famílias. Se por um lado são, cada vez mais, as famílias com problemas financeiros que nos procuram, por outro lado, o que o Estado paga pelos serviços que prestamos continua a não ser suficiente.

Como é que se colmata a falta de dinheiro?

As organizações têm, cada vez mais, de recorrer ao mecenato e, felizmente, as Cerci’s têm uma ligação forte com as empresas locais que ao longo do ano fazem donativos e fornecem os mais diversos materiais necessários. E claro, depois há as campanhas cujas receitas ajudam a colmatar a falta de dinheiro...

Sendo que é a campanha do Pirilampo Mágico a mais conhecida.

Sim. Esta campanha surgiu numa altura em que as Cerci’s não tinham qualquer tipo de financiamento e estavam precárias. Havia falta de materiais, falta de dinheiro para os mais diversos apoios e as Cerci’s corriam o risco de encerrar.

Foi então que surgiu a ideia…

E surgiu num programa da então RDP. A primeira edição tinha objetivos muito pequeninos. Na primeira campanha, em 1987, foram feitos poucos exemplares – cerca de 80 mil – pois não sabíamos qual seria o impacto. Mas a verdade é que teve uma adesão espetacular e venderam-se praticamente todos os pirilampos. A partir daí a campanha veio sempre para a rua e alcançou a dimensão que hoje tem.

Os pirilampos sempre foram um sucesso de vendas?

Sim. No final dos anos 90, início dos anos 2000, atingimos patamares de vendas na casa de um milhão. Aliás, ultrapassámos a barreira de um milhão, chegámos a vender 1,2 milhões de pirilampos. Hoje o patamar estabilizou-se nos 700 mil.

A crise talvez tenha ajudado a consciencializar os portugueses para a necessidade de ajudar aqueles que menos têm e mais precisamAs vendas não se ressentiram dos anos da crise?

Não houve nenhuma quebra de vendas, não tenho ideia de termos baixado da fasquia dos 690 mil pirilampos vendidos. Acho que a crise talvez tenha ajudado a consciencializar os portugueses para a necessidade de ajudar aqueles que menos têm e mais precisam.

Como é que se consegue que uma campanha perdure durante três décadas?

Penso que se deve a dois fatores. O primeiro é o facto de sermos transparentes, isto é, de mostrarmos às pessoas para que servem os donativos que estão a dar. Isto é extremamente importante. Este ano, em parceria com o Montepio, vamos fazer um pequeno vídeo que mostra exatamente onde é que estes donativos são aplicados. Além de que fazemos questão, todos os anos, de mostrar os nossos resultados.

E qual é o segundo fator?

O segundo fator prende-se com o facto de termos sempre muitas figuras públicas que apadrinham a campanha e fazem parte da nossa comissão de honra e, desta forma, emprestam o seu prestígio à iniciativa, fazendo-a chegar a mais pessoas, ajudando a consciencializar as pessoas para as necessidades das pessoas com deficiências.

Ainda estamos longe de uma sociedade que seja totalmente inclusiva Ainda há muito por fazer?

Claro! Nós hoje estamos num patamar muito diferente daquele que estávamos há 20 anos. Hoje, as pessoas com défice intelectual já são olhadas como parte integrante da sociedade, mas ainda estamos longe de uma sociedade que seja totalmente inclusiva e que ofereça oportunidades para toda a gente e que seja promotora de igualdade seja no acesso ao emprego ou à educação.

A modernização da sociedade não ajuda?

A questão é que a própria modernidade, embora resolva alguns problemas de exclusão, vai criando outros. Dou o exemplo da sociedade da informação. Hoje em dia, quem não tiver acesso à informação é infoexcluído e as pessoas com deficiência intelectual, ou grande parte delas, são pessoas com dificuldades de interpretação da informação e, tendencialmente, são arredadas deste mundo.

Por isso é que o lema deste ano é ‘Queremos voar’?

Também. O lema deste ano tem duas explicações. Primeiro está associado a um sonho que é o sonho da humanidade – voar – e, no sentido figurado, fala da concretização de sonhos, de voar para ir mais longe. Depois, está associado ao Ano Internacional do Turismo Acessível, que se celebra este ano, e que está relacionado com a necessidade de se criarem condições para que as pessoas com deficiência possam viajar sem dificuldades.

Além dos pirilampos, a campanha deste ano é acompanhada por um livro que é da sua autoria. É a sua primeira vez?

Nesta área sim. Há uns anos lançámos um livro e este ano decidimos voltar a fazê-lo, até porque ‘é de pequenino que se torce o pepino’. Resolvemos fazer um livro (‘Voar com o Pirilampo Mágico’) que conta a história de um menino com deficiência que tinha poucos amigos na escola devido às suas dificuldades e é quando encontra um pirilampo mágico que consegue voar, conhecer outras realidade e depois regressa à escola para mostrar a todos o seu valor. E consegue ser aceite!

Se as crianças crescerem com ideias solidárias teremos, mais tarde, cidadãos que naturalmente assumem isso como um compromisso Como surgiu a ideia para a história do livro?

Surgiu a partir de uma história que contei às minhas netas. Depois contei aos meus colegas e achou-se por bem escrever um livro. Se as crianças crescerem com ideias solidárias e de igualdade de oportunidades teremos, mais tarde, cidadãos que naturalmente assumem isso como um compromisso de cidadania e é isso que pretendemos.

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