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"Não é natural trabalhar-se num hospital público e privado em simultâneo"

Jorge Torgal é um dos quatro candidatos ao cargo de bastonário da Ordem dos Médicos e é o segundo entrevistado desta quarta-feira do Notícias ao Minuto, depois de termos conversado já hoje com Álvaro Beleza, bem como com Miguel Guimarães e João França Gouveia na segunda e terça-feira, respetivamente.

"Não é natural trabalhar-se num hospital público e privado em simultâneo"
Notícias ao Minuto

12:00 - 18/01/17 por Patrícia Martins Carvalho

País Jorge Torgal

O professor catedrático Jorge Torgal é um dos quatro candidatos que vai amanhã a votos no sufrágio que vai eleger o próximo bastonário da Ordem dos Médicos.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto o candidato garante que o futuro do Serviço Nacional de Saúde passa por uma mudança de “filosofia”, discordando da atual que premeia a quantidade e não a qualidade dos médicos.

Jorge Torgal congratula-se com o aumento da capacidade de resposta dos centros de saúde, o que se traduziu numa menor afluência às urgências, mas ainda assim lembra que o problema dos hospitais não está resolvido e contrariou o que se tem vindo a dizer: “Portugal não tem camas hospitalares a mais”.

Aos jovens estudantes, Jorge Torgal diz que há lugar para todos, mas garante que se tiverem de emigrar “não é drama nenhum”. Ele próprio o fez.

Em cima da mesa de conversa estiveram ainda temas como a Linha Saúde 24, a eutanásia e a "necessária separação entre o setor público e o setor privado".

Porque é que decidiu candidatar-se ao cargo de bastonário?

Porque é necessário aproximar a Ordem dos próprios médicos, pois nos últimos 20 anos tem havido um afastamento progressivo. É possível aproximar os médicos da sua Ordem interagindo com eles sobre os temas que são mais importantes, como é o enquadramento do exercício profissional, a sua formação e as novas tecnologias. 

O que é que o difere dos outros candidatos?

Eu proponho discutir qual deverá ser a nova filosofia organizacional para o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Hoje em dia, na generalidade dos serviços hospitalares e dos cuidados de saúde primários, os médicos trabalham à hora. Nós entendemos que deve haver outro modelo organizacional que valorize a qualidade e a produtividade. Deve haver responsabilidade integrada, um planeamento de atividades, objetivos e metas para que se possa avaliar o cumprimento ou não dessas metas. Assim poder-se-á diferenciar e remunerar os colegas segundo, não apenas as horas de trabalho, mas a qualidade de trabalho que fazem. Nenhum dos meus colegas candidatos propõe qualquer tipo de discussão sobre este assunto.

Apesar de ser útil ter mais dinheiro, isso não resolve o problema se não conseguirmos mudar a filosofia de trabalho e de organizaçãoAo contrário do que os outros candidatos dizem, que é muito mais importante haver dinheiro no SNS, considero que, apesar de ser útil ter mais dinheiro, isso não resolve o problema se não conseguirmos mudar a filosofia de trabalho e de organização. 

Qual é o grande problema do SNS?

O principal é o da filosofia organizacional que não privilegia a qualidade do trabalho, apenas as horas de trabalho. Não há nenhuma organização que se desenvolva e progrida se não valorizar aquilo que é feito com melhor qualidade. Esse é o problema central. 

E o que é que se pode fazer para resolver esse problema?

A resposta não é simples, senão já estava resolvido. Neste período de inverno há um pequeno desequilíbrio na saúde dos cidadãos que são muito idosos e frágeis e que, em geral, não têm cuidados tão bons como deveriam ter. Logo facilmente adoecem e precisam de cuidado hospitalar. Mas é preciso ver que a afluência este ano às urgências foi de doentes que necessitavam de ser internados e não como antigamente que era de pessoas que iam à consulta. Isso mostra que os centros de saúde aumentaram a sua capacidade de resposta, mas isso não resolveu o problema do número elevado de doentes que apareceu nos hospitais... 

Contrariamente ao que se diz, Portugal não tem camas a mais, tem menos do que a média europeiaAté porque houve pacientes que esperaram nos corredores, deitados em macas, por vagas no internamento...

Os hospitais não estão preparados para terem uma afluência excessiva de doentes para internamento. Os hospitais em geral resolvem situações agudas e esses doentes que apareceram são pessoas muito idosas que não têm uma família que viva numa boa casa, com boas condições, para poder fazer terapêuticas em casa e isso obriga muitas vezes ao internamento. Daí a grande dificuldade em dar uma resposta atempada a esses doentes. Contrariamente ao que se diz, Portugal não tem camas a mais, tem menos do que a média europeia. 

Concretamente por que medidas vai lutar no que diz respeito aos internamentos?

Eu não tenho medidas no bolso. Acho que as questões têm de ser debatidas e discutidas com os interessados. O problema dos internamentos difere de hospital para hospital, tem de se analisar cada local e perceber qual a solução indicada. Mas deve ser a Ordem a liderar essas discussões. A Ordem tem de intervir mais naquilo que é a discussão de políticas para encontrar soluções por que senão continuará a ser uma Ordem de protesto. 

Foi um momento infeliz do senhor bastonário, porque a Linha Saúde 24 não foi criada ontemQual é a sua opinião sobre a Linha Saúde 24?

Todos os estudos mostram que ela tem um impacto muito positivo quer para os cidadãos, quer para o Sistema Nacional de Saúde.

O atual bastonário disse exatamente o oposto…

Foi um momento infeliz do senhor bastonário, porque a Linha Saúde 24 não foi criada ontem, mas há vários anos e há muitos estudos sobre o seu impacto e a sua eficácia. Esses estudos mostram que ela tem sido positiva. Discordo dessa posição do senhor bastonário. 

Como vê a atuação deste ministro da Saúde relativamente ao anterior?

Não faço comparações nem avaliações políticas de ministros. Acho que o bastonário deve ter uma posição de grande independência face a qualquer governo e deve discutir com os ministros da Saúde numa lógica de apresentação de propostas e não numa lógica de protesto. 

A Ordem tem de intervir mais naquilo que é a discussão de políticas para encontrar soluções por que senão continuará a ser uma Ordem de protestoÉ isso que tem vindo a acontecer? Tem sido uma lógica de protesto?

Tem sido mais uma lógica de protesto do que de resposta. Uma das minhas propostas centrais é aproximar a Ordem dos médicos, isto é, discutir com os médicos questões para que o bastonário possa ter propostas para apresentar e discutir com o ministro. 

Quais são as principais queixas dos médicos?

Para os médicos que trabalham nos hospitais as principais queixas são a sobrecarga de trabalho, a baixa remuneração e o facto de não haver perspetiva de carreira. Para os médicos dos centros de saúde a principal queixa tem a ver com o escasso tempo que é destinado a cada doente e que é muito prejudicado pelo facto de as tecnologias funcionarem muito mal. Há que melhorar as tecnologias disponibilizadas. 

Há dinheiro para isso tudo? Melhorar o sistema informático e aumentar as camas nos hospitais?

A lógica do dinheiro é muito redutora. Mais importante do que ter dinheiro é organizar, planear, ter objetivos, ver como é que se pode melhorar a todo o momento. E também não é preciso melhorar tudo ao mesmo tempo, tem de haver um reequipamento progressivo.

Quando falamos em pagar melhor aos médicos estamos a falar em pagar melhor face à produtividade e qualidade dos resultados, o que significa que provavelmente haverá quem possa ser dispensado e mudar de atividade. Há que otimizar os recursos e isso é possível.

Se houver médicos que tiverem de emigrar também não é drama nenhumHoje em dia gasta-se muito dinheiro de forma inconsequente. Gastam-se quantias avultadas nas contratações para os serviços de urgência. Se houvesse uma melhor organização não seria gasto tanto dinheiro nessas contratações de médicos que vão unicamente fazer urgências e que são contratados por empresas que ganham mais de 50% daquilo que os médicos recebem no fim do seu trabalho. 

O que é que pode dizer aos estudantes de Medicina?

Digo que há lugar para todos trabalharem, pois a diversidade de atividades como médico é cada vez maior. Mas se houver médicos que tiverem de emigrar também não é drama nenhum.

Sempre houve médicos portugueses que emigraram ao longo da história, o que nos permitiu ter um pouco por todo o mundo algumas das grandes figuras da medicina. Isso a mim não me preocupa nada, antes pelo contrário, acho que é muito positivo poder sair.

Todos os médicos dormem nas urgências, provavelmente um bocadinhoEu mesmo fui para França por três meses para um estágio que não tinha disponibilidade em Portugal e acabei por ficar três anos.

É normal os médicos dormirem durante os turnos nas urgências?

É perfeitamente normal. Todos os médicos dormem nas urgências, provavelmente um bocadinho. É preciso ver que, em média, um turno na urgência é de 12 horas e às vezes os médicos fazem até 24 horas seguidas.

É legal trabalhar 24 horas sem interrupções?

Tudo é legal e tudo é ilegal. A situação particular da urgência na prática médica é muito singular. Havendo um caso grave, um médico não vai deixar de tratar aquele paciente porque já está a trabalhar há 12 horas. Não podemos colocar a lógica da legislação à frente de tudo. Há uma legislação indicativa que deve ser cumprida, mas não é clara. Não podemos abordar as questões na medicina como se fossem questões laborais de outra profissão.

É um dos subscritores do manifesto a favor da despenalização da morte assistida. Porquê?

É uma questão de cidadania, não é uma questão médica. Isto na lógica da minha leitura do que está na Constituição da República Portuguesa onde se lê que o direito à vida é um direito constitucional. Depois há a lógica mais religiosa em que as pessoas entendem acreditar – e eu respeito – que a vida nos foi dada por alguém superior e só esse alguém a poderá tirar. Mas o que digo é que penalizar aquilo que está na CRP é aberrante. Cada um, respeitando as suas convicções, deverá fazer como bem entender. 

Esta posição poderá prejudicá-lo?

Todas as posições são assim. Para a generalidade dos cidadãos não deve ser uma posição polémica, porque a morte assistida é uma situação rara que acontece para um pequeno número de indivíduos e, por isso, não é uma situação que seja interessante ou preocupante para muita gente.

Preocupante ou interessante é a questão de a longo e médio prazo ter de haver uma separação entre o setor público e o privado. E isto não é visto positivamente por muitos colegas. Mas temos de iniciar já o percurso para fazer esta separação daqui a 5 ou 10 anos e têm de ser os médicos a dizer como se fará. Hoje em dia não é viável porque há um número enormíssimo de médicos que trabalham no público e privado porque os médicos precisam de completar o seu salário por outras vias. 

Porque é que é contra um médico trabalhar no público e no privado simultaneamente?

Porque não é natural uma pessoa trabalhar em dois sistemas que são concorrenciais. Por exemplo, não faz sentido que se seja simultaneamente diretor de serviço de um hospital público e coordenador do serviço concorrente de um hospital privado. Isto faz com que haja uma circulação de doentes entre um e outro que eticamente não é aceitável. Infelizmente essas situações acontecem, mas têm de se resolver com tempo. Acho que esta discussão é muito importante. Defendo claramente uma separação entre o SNS e a medicina privada prestada por entidades privadas. É uma situação de conflito de interesses.

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