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"Viver está a ficar insuportavelmente caro" até no "direito à infância"

A historiadora Raquel Varela recorre às redes sociais para partilhar algo que “há muito tempo” tinha vontade de dizer sobre a “nova onda de babysitter electrónica” que educa as crianças e que “é o espelho não da potencialidade da modernização mas da sua decadência”.

"Viver está a ficar insuportavelmente caro" até no "direito à infância"
Notícias ao Minuto

17:11 - 04/01/17 por Ana Lemos

País Raquel Varela

Num texto que intitula ‘Filhos, sinal exterior de riqueza’, a investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa conta que esteve de férias “entre o Natal e o Ano Novo” e que, por isso, fez com os seus filhos “o que queria fazer”.

“Fui a bons concertos, adequados a eles, claro; levei-os a ver bons filmes (…), cozinhámos juntos, tocámos piano, (…), andámos de trotinete; fizeram surf; até um cavalete de pintura comprámos, (…) convidámos os amigos deles para sair; brincaram e passearam com a família, (…) lemos, muito, e conversámos sobre a leitura, jogámos cartas”, revela.

Nestes programas, especifica, gastou “quase 60 euros” em “três idas ao cinema (…) porque [os filhos] pagam como adultos”, valor que “subiu para 100 euros quando convidou “os amigos”, ou seja, sublinha Raquel Varela, “20% do ordenado mínimo – ir ao cinema!”.

Mais. “Subir o elevador da Bica – 3,70 cada; o bilhete de comboio da linha para Lisboa – nesse dia levei quatro crianças, 17 euros ida e volta; a entrada no castelo custa 8,50 para adultos – não entrámos, há limites… Juntem pinturas, pincéis, concerto, livros…A única coisa gratuita foi o Museu do Aljube, que adoraram, e as igrejas de Lisboa”. Despesa à qual somou ainda “uns gelados banais, uns hambúrgueres, um chá com bolo em Alfama, sem luxos, passear na nossa cidade”.

Toda esta descrição serve para a investigadora fazer uma comparação e alertar para uma importante questão: “Se tivesse ficado em casa tinha comprado duas playstation, uma para cada um, que os ‘educavam’ o ano inteiro…”, até porque, destaca, “não há nada tão barato para educar filhos como televisão e jogos de computador e telemóveis”.

E é neste ponto, explica, que reside o problema: “No aumento da produtividade dos pais, no catatonismo anti-social e virtual dos filhos, que reside o boom das novas tecnologias para crianças que, ainda por cima, atuam no cérebro exatamente como uma droga, promovendo mecanismos de recompensação e satisfação ao nível do cérebro cada vez que estes tocam num botão e o boneco salta, porque o objetivo foi alcançado”.

“Esta nova onda de babysitter electrónica é o espelho não da potencialidade da modernização mas da sua decadência. E deixem-me colocar o dedo na ferida – os pais, cansados, desanimados, com pouco dinheiro, desmoralizados e sem vontade de educar com conflitos, e outras resistências, serão os primeiros, porque a perversidade humana é uma linha ténue, a dizer ‘eles querem ficar em casa a jogar’. Eles querem? E onde é que eles escolhem? E como escolhem?”, questiona.

A verdade, reconhece, é que “os salários e o tempo de trabalho no país são vergonhosos. E o modo de vida que incorporámos para aceitar isto é regressivo, decadente” e “viver está a ficar insuportavelmente caro neste modo de acumulação onde as necessidades humanas são todas mercantilizadas, até aquela que levou milhares de anos a conquistar – o direito à infância”.

Raquel Varela termina dizendo que o caminho é “ter filhos e conseguir educá-los com humanidade, com relações reais, com aprendizagem e não com repetição de mecanismos, é no fundo educar filhos com trabalho vivo (humano) e não trabalho morto (máquinas) é hoje um sinal exterior de riqueza”, remata.

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