"Exerci com regularidade o que me permitia (...) num regime de produção adicional que toda a gente faz com autorização da senhora ministra (...). Trabalhei sempre de forma legal (...). Do ponto de vista de valor até é absurdo, tendo em conta os valores que estão no mercado, mas eu fi-lo, sobretudo para manter a mão, para manter a minha prática clínica segura, e também, obviamente, para estar perto das equipas, para poder não ser um conselho de administração no pedestal", disse Rui Guimarães, que foi substituído na liderança da ULSG/E no Governo de Luís Montenegro em fevereiro.
A IGAS abriu um processo de inspeção sobre alegada acumulação de funções, conflito de interesses e atividade cirúrgica realizada em produção adicional na ULSG/E.
Numa nota divulgada no 'site', a IGAS explica que o processo integra várias denúncias recebidas sobre a ULS de Gaia/Espinho, incluindo o anterior presidente do Conselho de Administração, Rui Guimarães.
A IGAS acrescenta que o despacho do inspetor-geral a determinar a abertura do processo de inspeção é de junho de 2024.
Contactado pela agência Lusa, Rui Guimarães, que é médico anestesista e exerce atualmente no hospital de Barcelos, disse que teve autorização para exercer atividade médica remunerada no hospital de Gaia, uma autorização que, de acordo com o despacho ao qual a Lusa teve hoje acesso, foi dada há cerca de três anos pela então ministra da Saúde, Marta Temido.
"Autoriza-se, a título excecional, a exercer atividade médica, de natureza assistencial, de forma remunerada no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho, E.P.E. (...) o licenciado Rui Nuno Machado Guimarães, designado como presidente do conselho de administração do referido estabelecimento hospitalar", lê-se no despacho de 07 de setembro de 2022.
Rui Guimarães foi nomeado diretor clínico do Hospital de Barcelos durante o governo PSD liderado por Pedro Passos Coelho, tendo sido conduzido para o Centro Hospitalar Gaia/Espinho quando Marta Temido tutelava a Saúde no primeiro governo de António Costa.
"Em Gaia liderei o conselho de administração durante três anos [de 2019 a 2022, data do despacho] sem exercer [anestesia] exatamente para prevenir estas situações. Eu pedi a autorização, mas ela demorou três anos a chegar, e compreendo, por causa da pandemia (...). Quer dizer que eu estive três anos e três meses sem poder tocar num doente, sem fazer anestesia, o que de facto colocou-me numa sessão muito desvantajosa quando depois recomecei. Tanto é que agora as funções cessaram e eu sou anestesista em Barcelos e, portanto, imagino o que seria ter um piloto de aviação que estava três anos sem voar", lamentou.
À Lusa, o médico descreveu, ainda, que no período em que exerceu cumpriu os procedimentos do hospital, tanto no que diz respeito a registo biométrico de entrada e saída, respondendo a uma escala da diretora do serviço, e garantiu: "Nunca em conflito com o horário de trabalho [no conselho de administração], pois o trabalho era feito aos sábados e domingos".
"Ou seja, quer dizer que eu estava no fundo da tabela. Aliás, o estranho era que o presidente da ULS, que geria um orçamento de quase 500 milhões de euros, não figurava nos 250 mais bem pagos do hospital (...). Basta pegar nos 50.000 euros e dividir pelos três anos para chegar à conclusão que estamos a falar de 1.500 euros, grosso modo, por mês de recebimento", concluiu.
A agência Lusa contactou a ULS Gaia/Espinho que não quis fazer comentários.
Para o lugar de Rui Guimarães, o Governo escolheu Luís Cruz Ferreira da Cruz Matos, que foi administrador executivo do Hospital da Prelada, pertencente à Santa Casa da Misericórdia do Porto, com quem o executivo celebrou um protocolo de colaboração para a criação de um Centro de Atendimento Clínico (CAC).
No último ano, Luís Matos foi diretor da CUF Trindade, no Porto.
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