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'Sem Rasto'. Desaparecimentos em Portugal que continuam a ser mistério

Obra dos jornalistas Luís Francisco e José Bento Amaro dá voz "aos que sofrem e aguentam o drama" de não saberem o que aconteceu aos seus entes queridos.

'Sem Rasto'. Desaparecimentos em Portugal que continuam a ser mistério

"Sobreviver a isto é algo de sobre-humano". É com esta frase que ficamos após entrevistar os autores do livro 'Sem Rasto', de Luís Francisco e José Bento Amaro, sobre os casos de desaparecidos em Portugal que nunca foram resolvidos.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, por e-mail, os escritores, que são também jornalistas, realçaram que, apesar deste livro ser sobre desaparecidos, dá voz "aos que sofrem e aguentam o drama" de não saberem o que aconteceu aos seus entes queridos. É um tributo a estes 'sobreviventes'.

No livro, encontramos histórias tão conhecidas como a de Rui Pedro e de Maddie, mas também nomes que já se apagaram da memória da maioria dos portugueses. É o caso de Cláudia Silva e Sousa, de apenas sete anos, que desapareceu em 1994 no trajeto de 400 metros entre a escola e a sua casa, em Lamela, freguesia de Oleiros. Ou o de Sofia de Oliveira, uma menina de dois anos, da Madeira, que desapareceu nos braços do pai e nunca mais foi vista.

Na obra de Luís Francisco e José Bento Amaro há ainda espaço para o mistério dos seis desaparecidos nos trilhos da Madeira e para as histórias quase sobrenaturais em redor destes desaparecimentos, assim como para os corpos nunca reclamados que estão anos à espera nas morgues para que alguém lhes dê um fim digno.

Como é que surgiu a ideia de escrever um livro sobre as pessoas desaparecidas em Portugal? Foram casos com que lidaram ao longo das vossas carreiras de jornalistas e que vos sensibilizaram?

Luís Francisco  - A ideia partiu do nosso editor, o Francisco Camacho. Enquanto jornalista, lidei com algumas delas, mas não no terreno. Era editor de Sociedade do Público na altura em que alguns deles foram notícia de forma mais intensa. O José Bento Amaro trabalhou alguns casos diretamente.

José Bento Amaro - Sim, ao longo dos anos trabalhei em diversos casos relacionados com pessoas desaparecidas. São sempre situações que deixam uma marca. Por muito experientes que sejamos e por muito que possamos ocultar as nossas emoções, a verdade é que o sofrimento alheio nos marca.

No livro 'Sem Rasto' contam a história de quem desapareceu e dão voz aos que ficaram com a dor do "silêncio e da ausência". Com que estado de espírito encontraram estas famílias? A esperança ainda mora nelas? Como é que elas fazem para sobreviver perante a – como o Luís e o José descrevem – "mais profunda das angústias"?

Luís Francisco - Mesmo nos casos mais antigos, em que o tempo foi criando uma certa "armadura" contra o sofrimento, ainda percebemos a angústia de não haver uma explicação, um ponto final para colocar na história. E, claro, fica sempre aquela esperança (por mais irracional que possa parecer a quem está de fora…) num milagre, num final feliz. É uma realidade pesada, dolorosa. Sobreviver-lhe é algo de sobre-humano. A esperança dos familiares e amigos só morre quando o óbito é confirmado. Até que isso aconteça, mesmo que não o revelem, todos têm esperança num desfecho feliz. É essa espera, essa ansiedade diária, que acaba por vincar ainda mais o sofrimento de quem aguarda.

Além dos casos mais mediáticos, da Maddie e do Rui Pedro. Que outros casos de desaparecimentos misteriosos podemos encontrar no livro? Há algum que vos tenha tocado mais?

Luís Francisco - O caso da Sofia de Oliveira, porque o pai levou-a e sabe o que aconteceu. Já cumpriu pena, mas não revela para onde levou a filha e não parece ter remorsos nem vontade de falar sobre isso. Um argumentista de Hollywood não imaginaria um enredo mais negro. E também o caso da Cláudia Alexandra, a 'Carricinha', por ter atingido uma família que já acumulava tanto sofrimento. A explicação da mãe, que garante ter encontrado forças para sobreviver por causa do bebé pequeno que tinha para criar, é das coisas mais fortes que já ouvi.

Escolheram o pai de Rita Slof Monteiro, desaparecida em 2006, para apresentar 'Sem Rasto'. Porquê?

Luís Francisco - Porque este livro é sobre os que desapareceram, mas é, essencialmente, um tributo aos que ficam, sofrem e aguentam esse drama. Quisemos dar-lhes voz. Por isso, era uma escolha inevitável.

Falam também dos seis estrangeiros que desapareceram "sem explicação" na ilha da Madeira, nos últimos anos. Que respostas encontraram sobre estes casos?

Luís Francisco - Nenhumas. Ficam é mais perguntas. Mais uma vez, estivéssemos nós nos EUA e já haveria filmes sobre tudo isto.

José Bento Amaro - A Madeira é muito montanhosa e com zonas muito isoladas. Lembro-me de no início da década de 1980, quando lá estive pela primeira vez, ter conhecido pessoas que habitavam no interior da ilha e que nunca tinham visto o mar.

No livro revelam ainda como se investiga estes casos. Apesar de cada caso ser um caso, quais são as principais regras?

Luís Francisco - A regra principal deve ser sempre o respeito pelas famílias em sofrimento. Por norma, como em quase todas as investigações policiais, são determinantes as primeiras 48 horas. É nesse período que é possível recolher depoimentos mais frescos, encontrar eventuais pistas. Outra regra que faz parte da atividade policial diz que um caso, por mais anos que passem, nunca deve ser dado por encerrado. Há vários episódios de investigações policiais que pararam no tempo, por vezes durante anos, e que depois voltaram a ser reabertos.

Outro capítulo do livro é dedicado aos cadáveres não reclamados que estão há uma eternidade à espera que alguém os levante nas morgues. Como descrevem estas situações?

José Bento Amaro - As morgues são locais sinistros que guardam aqueles que viveram quase sempre sozinhos, desacompanhados. Há corpos há muitos anos guardados em câmaras frigoríficas, à espera que surja alguém que os identifique. São os corpos de indigentes, de sem-abrigo, de doentes. Isso só acontece porque, mais uma vez, o Estado falha na sua função de proteger e dar uma vida digna a cada cidadão, independentemente da sua condição social.

Felizmente, nem todos os casos de desaparecidos acabam mal. A maior parte resolve-se ao fim de algumas horas ou dias. Há algum ponto em comum nas cerca de 4 mil participações de pessoas desaparecidas que as autoridades portuguesas recebem todos os anos? A maior parte destes reportes diz respeito a que tipo de pessoas/situações?

Luís Francisco - Jovens que 'fogem' de casa para adiar serem chamados à realidade devido a questões escolares ou comportamentais; adultos que querem fugir ao matrimónio ou a dificuldades económicas; idosos com problemas de memória ou pessoas com descompensações mentais que se afastam e não sabem regressar a casa; crianças pequenas que se perdem. Na sua maioria, resolvem-se com alguma rapidez. Sobram os outros, os que nos deixam perante mistérios insolúveis ou aqueles que se resolvem e nos fazem enfrentar realidades impensáveis.

O livro 'Sem Rasto' já está à venda nos locais habituais.

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