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Suicídio e doença mental: 10 psiquiatras ajudam a combater o estigma

O silêncio não resolve, mas é preciso falar com cuidado sobre suicídio e as doenças que lhe estão associadas. O objetivo? Prevenir mortes por suicídio e combater estigma e preconceitos em torno da doença mental. Setembro é o Mês da Prevenção do Suicídio.

Suicídio e doença mental: 10 psiquiatras ajudam a combater o estigma
Notícias ao Minuto

12:11 - 01/09/22 por Notícias ao Minuto

País Mês da Prevenção do Suicídio

Em entrevista a dez psiquiatras descobrem-se linhas comuns relativamente a estes temas: não falar sobre suicídio não resolve o problema, mas é preciso falar-se com cuidado, nomeadamente na comunicação social, divulgar quais os sinais de alarme, onde pedir ajuda e esclarecer mitos, é preciso combater o forte estigma em torno das doenças mentais e esclarecer que não são sinal de fraqueza, é importante divulgar que há novas formas de tratamento com menos efeitos secundários e que é possível dar qualidade de vida a quem sofre com elas. Além disso, era bom acabar com a ideia de que o psiquiatra é um bicho papão e só lá vai quem é maluco.

“O suicídio é o espectro final do desespero e, em mais de 90% dos casos existe uma sintomatologia do foro psiquiátrico e nos outros casos, é mais correto dizer que não se sabe em vez de dizer que não existe”, afirma Carlos Braz Saraiva, psiquiatra há 38 anos e primeiro presidente da Sociedade Portuguesa de Suicidologia. No mesmo sentido, Ricardo Gusmão, psiquiatra há 30 anos, refere que “o suicídio é a ponta do iceberg” e o resultado do problema principal que é uma depressão grave com dificuldades a nível social, económicas, ambientais. O especialista salienta que “ninguém se suicida por vontade ou impulso sem estar doente”, mas porque há demasiadas coisas a correr mal que agravam um estado de doença e que contribuem para que essas pessoas se sintam encurraladas e desesperadas. 

“Devemos falar sobre suicídio, sim, mas é obrigatório falar sobre a depressão”, salienta Ricardo Gusmão. Também para Diogo Guerreiro, psiquiatra há 18 anos, “é importante arranjar maneira de as pessoas saberem cada vez mais sobre as doenças mentais, como as prevenir, como as tratar, como lidar com elas, e que recursos existem”.

No seu mais completo estudo sobre a saúde mental mundial em duas décadas, a Organização Mundial de Saúde (OMS) apelou recentemente ao fim do estigma associado à saúde mental e apontou que 20 países ainda criminalizam a tentativa de suicídio. 

Inês Homem de Melo, psiquiatra há 5 anos, concorda que “o suicídio tem de ser falado, porque não falar é uma conspiração do silêncio e mais do mesmo”. E também para Catarina Agostinho “falar sobre o suicídio não deve ser um tabu” e “é importante informar a população porque o suicídio é um problema grave e prevenível”. “Esconder, fazer de conta que não acontece, não me parece que seja a forma correta, mas o suicídio tem de ser enquadrado no contexto da saúde mental, explicando que é possível ajudar aquela pessoa que está em crise e que em mais de 90% das vezes tem uma doença mental que tem tratamento”, afirma a psiquiatra há 11 anos.

No mesmo sentido, Sofia Morais salienta que “toda a gente tem muito muito medo de falar sobre o tema, porque acredita que se falar de suicídio, as pessoas se vão suicidar”. Pelo contrário, a psiquiatra há 10 anos explica que se deve falar sobre suicídio, dando destaque à vertente médica, “porque há uma doença do cérebro por detrás do suicídio”, e os próprios psiquiatras perguntam sobre ideação suicida aos doentes com sintomatologia depressiva.

“Não é porque perguntamos sobre suicídio que a pessoa se vai suicidar”, sublinha Sofia Morais. Pelo contrário, Paula Valente destaca o efeito de alerta e prevenção de falar sobre suicídio, nomeadamente na comunicação social. “A boa informação é sempre útil e pode ajudar muito na identificação de alguém que não esteja bem pela família, pelos amigos, através de uma rede social, por exemplo. Pode ajudar a perceber onde é que as pessoas se devem dirigir e de que forma deve ser gerida a situação de uma forma construtiva pelas vias do tratamento”, afirma a psiquiatra há 25 anos.

Diogo Guerreiro alerta, contudo, para “um equilíbrio difícil de conseguir”: “o silêncio ajuda pouco, mas é verdade que o ruído também não ajuda muito”. Por um lado, quando a pessoa fala sobre suicídio e expressa essa preocupação a alguém, as hipóteses de concretizar um ato de suicídio são reduzidas, e, portanto, falar sobre o assunto ajuda. Mas, por outro lado, a maneira como os outros respondem à partilha de pensamentos de suicídio também pode ter um efeito muito negativo. “Se a pessoa for minimizada, desvalorizada, se se disser algo do género, ‘És maluquinho por estares a pensar nisso’ ou ‘Quero lá saber’, este tipo de respostas muito negativas pode pôr a pessoa em maior risco de suicídio, daí que seja importante que a população em geral saiba o que pode fazer, como é que pode lidar com um amigo, um familiar, um conhecido que fale destas coisas. Nestas situações deve-se ouvir a pessoa e não julgar”, sublinha o psiquiatra.

Sónia Farinha Silva, psiquiatra há 6 anos, considera que “é importante que o suicídio não se torne num assunto sobre o qual não se fala porque há o risco de haver o efeito de imitação” dos comportamentos suicidas: “Não se deve evitar falar sobre o suicídio, tem é de se falar da maneira certa”.

Leia Também: Tabu e preconceitos: o psiquiatra é um 'bicho papão'?

Uma em cada 20 tentativas de suicídio resulta na morte e o suicídio ainda representa mais de uma morte em cada 100 no mundo, segundo o relatório da OMS “World mental health report: Transforming mental health for all”.

Entre os psiquiatras entrevistados, a opinião é unânime: fala-se pouco de saúde mental. “São as doenças mais frequentes e que mais impacto têm na nossa sociedade, mas na verdade ainda existe muita dificuldade em que se fale sobre elas”, afirma Diogo Guerreiro. Segundo Paula Valente, “muito do estigma em relação à saúde mental e ao suicídio vem de uma informação insuficiente e deturpada e de clichés e preconceitos que as pessoas têm interiorizados e que o bom jornalismo pode ajudar a combater”.

Já Ricardo Gusmão considera que “a palavra suicídio está muito contaminada na comunicação nacional”, exemplificando com a utilização da palavra suicídio por comentadores políticos “para descrever movimentos políticos menos felizes”. Também Miguel Xavier, coordenador nacional das políticas de saúde mental e psiquiatra há 33 anos, sublinha que “não se pode dizer que um assunto é esquizofrénico, ou os políticos no Parlamento dizerem que outros têm um comportamento bipolar ou que alguma pessoa está neurótica”. “Então andamos a utilizar palavras que são doenças mentais para insultar outras pessoas? Não pode ser porque quem tem essas doenças não se sente bem, como é obvio”, afirma o especialista.

Para Sofia Morais era importante informar as pessoas sobre a vertente biológica destas doenças psiquiátricas, como a depressão, e de como atuam os antidepressivos “para as pessoas perceberem que a doença psiquiátrica é uma doença do cérebro e tem tratamento com um medicamento e intervenção psicológica”. A especialista salienta inclusivamente que existe “um enorme sucesso terapêutico da doença psiquiátrica”, até superior a alguns casos de diabetes ou de hipertensão.

A OMS apelou recentemente a um reforço do investimento em saúde mental por todos os países do mundo, alertando que “o sofrimento é enorme” e agravou-se com a pandemia de Covid-19. No primeiro ano da pandemia, as taxas de depressão e ansiedade aumentaram 25%.

Estratégias para combater o tabu e o estigma

Questionados sobre o que se pode fazer para lutar contra os preconceitos, o estigma e o tabu em torno do suicídio e das doenças mentais, os psiquiatras apontam várias estratégias a seguir. “É um ataque em múltiplas frentes. Fazer muitas notícias das boas sobre saúde mental, haver mais prémios para o bom jornalismo em saúde mental, dar mais voz aos doentes, às famílias e aos técnicos, e as figuras públicas falarem sobre as doenças que têm”, sugere Inês Homem de Melo.

Neste sentido, Ricardo Gusmão considera que, além do papel da comunicação social, “as figuras públicas ou com relevo numa determinada área política, económica, social têm responsabilidades quando abordam o tema”. “Por exemplo, não é de todo irrelevante que seja Horta Osório a falar de doença mental e do risco de suicídio em vez de ser uma pessoa que é abordada na rua porque Horta Osório, um exemplo de sucesso em qualquer bitola social, mostra-nos como qualquer um pode sofrer de depressão, pode ter estado internado e ter passado um mau bocado e essa narrativa ajuda a diminuir o estigma”, comenta o especialista.

Também para Sofia Morais, a comunicação social devia entrevistar profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, psicólogos) que trabalham na área do suicídio e divulgar histórias de pessoas que tentaram o suicídio, sobreviveram, e hoje têm uma vida normal. “Nós temos imensas histórias na nossa consulta de pessoas que fizeram tentativas de suicídio gravíssimas, depois resolveram o episódio depressivo e hoje estão bem, com a sua família, a trabalhar, e integradas na sociedade", partilha a psiquiatra. 

Além disso, era também importante divulgar os sinais de alerta para comportamentos suicidários: “Quando uma pessoa se isola da família e amigos, deixa de conseguir trabalhar, começa a abusar do consumo de álcool, e num momento de desesperança sai de casa sozinha, deixa uma carta escrita, o seguro da casa pago ou o depósito de gasolina do carro cheio, isto são sinais de alerta a que a população em geral deve estar atenta, e cada um de nós pode ser um “porteiro social”, que identifica os problemas noutra pessoa, chama ajuda e evita que o suicídio aconteça”, alerta Sofia Morais.

Outro ponto essencial é divulgar onde pode recorrer quem precisa de ajuda, a qualquer hora. “Lisboa, Porto, Coimbra, Évora e Faro têm serviço de urgência de psiquiatria 24h por dia”, sublinha Sofia Morais, que fala também das linhas de apoio, apesar de estas terem horários mais reduzidos. Para a psiquiatra, também era importante mostrar “como a nova psiquiatria trata a doença, melhorando a qualidade de vida” e haver divulgação sobre o “enorme avanço na psicofarmacologia”, muito diferente da medicação do passado que acarretava muitos sintomas adversos. “Tenho na consulta estudantes universitários com esquizofrenia – uma das doenças mais incapacitantes em psiquiatria –, que só fazem quatro injeções por ano, estão estáveis e não precisam de tomar mais medicamento nenhum”, partilha a psiquiatra. 

Para Paulo Barbosa, psiquiatra há 6 anos, “há um trabalho de promoção de saúde e luta contra o estigma que tem de ser feito ao longo dos anos”, mas “a pandemia veio colocar a saúde mental na boca do mundo”. Miguel Xavier também considera que, “apesar de tudo, o Covid deu uma grande ajuda para a visibilidade da saúde mental”. Ricardo Gusmão concorda, mas receia que se trate apenas de uma moda. “A saúde mental (ou a falta dela) era absolutamente ignorada na sociedade portuguesa e outras e há vários indicadores que sugerem que este interesse na saúde mental possa ser uma moda”, antecipa o psiquiatra.

Artigo assinado por Eudora Ribeiro, jornalista e estudante de doutoramento em Estudos dos Media e do Jornalismo.

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Se estiver a sofrer com alguma doença mental, tiver pensamentos auto-destrutivos ou simplesmente necessitar de falar com alguém, deverá consultar um psiquiatra, psicólogo ou clínico geral. Poderá ainda contactar uma destas entidades:

SOS Voz Amiga (entre as 16h e as 24h) -  213 544 545 (Número gratuito)

 - 912 802 669 - 963 524 660 

Conversa Amiga (entre as 15h e as 22h) - 808 237 327 (Número gratuito) e 210 027 159

SOS Estudante (entre as 20h e a 1h) - 239 484 020 - 915246060 - 969554545

Telefone da Esperança (entre as 20h e as 23h) - 222 080 707 

Telefone da Amizade (entre as 16h e as 23h) – 228 323 535

Todos estes contactos garantem anonimato tanto a quem liga como a quem atende. No SNS24 (808 24 24 24 - depois deve selecionar a opção 4), o contacto é assumido por profissionais de saúde. A linha do SNS24 funciona 24 horas por dia.

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